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Diane Arbus, história da fotografia e a aceitação do horrível

Para entender o trabalho de Diane Arbus, precisamos voltar no tempo e conhecer um pouco sobre a história da fotografia. Segundo Leonardo da Vinci, “A melhor pintura é aquela que imita o melhor da natureza e produz imagens que mais se aproximam do objeto retratado.” Essa frase representa o pensamento que predominava na Europa no período do Renascimento. O então recente rompimento com a Igreja Católica e a ideia de racionalidade como única saída levaram à valorização de uma “verdade única”. Todas as coisas deveriam se fundar em uma base racional, fora da mística das religiões. No mundo das imagens gráficas, essa verdade consistia na reprodução exata da realidade — ou o mais próximo o possível disso, no caso das pinturas.

Nesse período, já agradava a ideia de um equipamento capaz de reproduzir, de forma exata, o que podia ser visto pelos olhos. A câmera escura, que já existia até então, nada mais era que uma caixa preta com um furo, capaz de reproduzir a imagem do mundo externo, de cabeça pra baixo, em seu interior. É ela o ponto de partida para o desenvolvimento das câmeras fotográficas. Mas é só em 1830 que o equipamento será realmente desenvolvido. E, não por coincidência, nos países ocidentais, o mesmo desejo renascentista de representação do real havia ganhado força novamente.

Os ideais iluministas haviam influenciado a Revolução Francesa e continuavam influenciado a sociedade. Persistia a crença no racionalismo e na verdade única novamente. A racionalidade, agora, seria capaz de levar as sociedades ao progresso, ao desenvolvimento industrial máximo. Buscava-se a perfeita representação da realidade, e acreditava-se na imparcialidade. A foto é, nesse sentido, uma prova incontestável de qualquer ocorrido.

Desde sua criação, e por muito tempo depois, a fotografia se limitou a paisagens, lugares e retratos de pessoas. É só no final do século XIX que esses contornos vão sendo alterados e há uma modificação na forma como a fotografia era utilizada. É com a industrialização e o desenvolvimento de câmeras menores e mais baratas que, consequentemente, cresce o seu uso social e a fotografia vai se tornar uma forma de arte.

A primeira metade do século XX, entretanto, mostra uma nova visão sobre essa constante busca pela verdade e o racionalismo: primeiro, que não há uma verdade única. Nietzsche, Sartre, Foucault, Husserl, todos eles vão criticar o conceito de verdade absoluta. E, segundo, as grandes guerras serão o grande marco desse rompimento. O caminhar para o progresso levou a conflitos armados de proporções absurdas e o desenvolvimento de armas nucleares mostrou aonde somos capazes de chegar.

Nas imagens, surge a fotografia humanista. Ela é o rompimento com uma fotografia que mostra o que as coisas são, a realidade, abraçando uma representação do que elas podem ser. Há o uso da imagem como uma metáfora para representar algo mais, dando a ela uma valoração moral. Não se trata de sentimentalismo, nem de imagens “forjadas”, mas da construção gráfica de um ponto de vista, onde o ser humano é valorizado.

Muitas produções desse período buscavam criar um senso de comunidade humana, de ir contra as tentativas de divisão que pairavam e da criação de uma conexão entre as pessoas. Esse sentimento de humanidade era importante na reconstrução das cidades — e das pessoas. Por meio da representação de imagens do cotidiano, buscava-se dar beleza ao comum, elevar o sentimento de nostalgia. Fotografias de situações corriqueiras, com as quais qualquer pessoa conseguiria se identificar, que transformavam o “todo dia” em extraordinário.

Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau, Willy Ronis, são os nomes mais famosos desse movimento. Com seu auge em 1945/1950, muitos artistas vão seguir esse padrão, ainda que de forma bastante diferente uns dos outros. Susan Sontag, em seu livro Sobre a Fotografia, cita como exemplo a exposição “The family of Man” curada por Edward Steichen e apresentada no Museu de Arte Moderna (MoMA). A exposição foi muito bem recebida e contou com obras de diferentes fotógrafos desse período.

Exposição "The family of Man"

Não se trata de imagens de coisas ou lugares bonitos, mas capazes de embelezar situações comuns, através da idealização dessas situações. “Provavelmente não existe tema que não possa ser embelezado”, é o que diz Sontag sobre os fotógrafos humanistas. Essas imagens têm, em si, um ar de tranquilidade, de que as coisas vão ficar bem.

Entretanto, são os anos 60 que vão abrir as portas para novas experiências e interpretações. E é desse mundo, na contra-corrente do humanismo eufórico, que surge Diane Arbus. Com fotografias aparentemente simples, de pessoas desconexas e estranhas, Diane rompe com o olhar de idealização do cotidiano. Em sua obra não há qualquer romantização ou tentativa de atrair a compaixão. Há, em alguma medida, a sensação de repulsa, mas uma repulsa acompanhada da compreensão, não uma aversão. É o que Susan Sontag chama de “aceitação do horrível”:

“Em vez de pessoas cuja aparência agradava, gente representativa a cumprir seus honrados afazeres humanos, a exposição de Arbus perfilava monstros seletos e casos extremos — na maioria feios, com roupas grotescas ou degradantes, em ambientes desoladores ou áridos — que se haviam detido para posar e, muitas vezes, para olhar com franqueza, com segurança, para o espectador. A obra de Arbus não solicita aos espectadores que se identifiquem com os párias e pessoas de aspecto miserável que ela fotografou. A humanidade não é ‘una’.”

Diane fotografava mulheres, homens, crianças, velhos, anões, travestis, pessoas com síndrome de down, pessoas fantasiadas andando pelas ruas. Todos os tipos de gente, em sua grande maioria, pessoas apenas paradas olhando para a câmera, mas há sempre uma estranheza — o que era proposital. O horrível não estava, exatamente, em quem era fotografado, mas na escolha da fotógrafa em como captar aquelas imagens. Não são imagens propriamente de pessoas feias ou estranhas que as tornam interessantes, mas a representação livre de idealizações, crua. Arbus rompe com a necessidade de se mostrar sempre o lado bonito das coisas.

“O que eu tento descrever é que é impossível sair da sua pele e entrar na pele de outra pessoa. E é tudo um pouco sobre isso. Que a tragédia de alguém não é igual a sua tragédia.” (Diane Arbus, 1970)

As imagens também não mostram sofrimento, acidentes ou desastres, onde o foco seria a dor de quem é mostrado. Como afirma Sontag, “ela se especializou em desastres privados em câmera lenta, que, na maioria dos casos, já vinham ocorrendo desde o nascimento do personagem da foto”. Não há a necessidade de serem embelezadas, nem segundo os padrões de beleza, tampouco seguindo a ideia dos humanistas eufóricos de idealização.

Ainda segundo Sontag, “fotografar é atribuir importância” e o que Diane Arbus fez foi dar importância a uma perspectiva incomum. Não há uma identificação com as situações representadas, não há uma ligação com quem é retratado nas imagens. Há uma postura de orgulho em frente das câmeras, de estar ali de forma completa, sem constrangimentos ou insegurança. Há, também, a estranheza e cabe a nós nos acostumarmos com ela.

Fotografias de Diane Arbus

A fotografia de Arbus, apesar de romper com o humanismo eufórico, não é, tampouco, uma representação fiel da realidade. Suas imagens são uma construção narrativa, têm um caráter político e social, e talvez seja essa construção que a coloque no balaio dos humanistas. Entretanto, não da mesma forma como os humanistas tradicionais, mas na categoria dos “anti-heróis”, isto é, no anti-humanismo.

”Quero fotografar as cerimônias importantes da atualidade porque nossa tendência, enquanto vivemos aqui e agora, é perceber somente o que é aleatório, estéril e disforme sobre o presente. Enquanto nos arrependermos de que o presente não é igual ao passado e nos desesperamos com o fato de que ele nunca virá a ser o futuro, seus inúmeros hábitos impenetráveis ficam à espera de sentido…. Esses são nossos sintomas e nossos monumentos. Quero simplesmente salvá-los, pois o que é cerimonial, curioso e banal, se tornará lendário.” (Diane Arbus, 1968)

O trabalho de Diane ficou conhecido no mundo todo e é usado como referência em diversas produções artísticas. A sua foto, “Gêmeas Idênticas” de 1967, foi usada na construção da cena das gêmeas no filme O Iluminado, de Stanley Kubrick. Começou a carreira na fotografia junto com Allan Arbus, entretanto, com um público completamente diferente daquele que a tornaria uma referência na área. Os dois eram fotógrafos de moda, mas Diane odiava esse mundo. Ela ingressa, então, no fotojornalismo e é quando conhece Lisette Model, sua professora e grande incentivadora do seu trabalho.

Diane nasceu no ano de 1923 em Nova York, cidade onde viveu e cresceu. Vinda de uma rica família judia, morou na região do Central Park West e frequentou a Ethical Culture Fieldstone School uma escola particular preparatória para a “Ivy League”. A “Ivy league” é o grupo das oito universidades de elite situadas na região nordeste dos EUA — Harvard e Yale estão nessa lista. Conheceu Allan Arbus, seu marido, aos 15 anos e se casaram quando ela tinha 19. Tudo isso faz de Diane o estereótipo da boa garota e, provavelmente, o que levou Judith Butler a dizer, em um artigo sobre a fotógrafa, que suas fotos são do tipo que “nenhuma boa garota judia deveria tirar”. 

Diane Arbus cometeu suicídio em 1971. Ela conviveu por anos com a depressão, atribuída por muitos ao seu medo da fama e de se perder da sua arte e à necessidade de ganhar dinheiro. A filha mais velha de Diane, Doon Arbus, passou a cuidar de todo legado artístico da mãe e descobriu fitas das aulas ela havia ministrado em 1970 na Escola de Design de Rhode Island. Nessas fitas, Diane fala sobre suas obras, sua fotografia e o seu processo de trabalho. Elas foram incluídas no catálogo da exposição organizada pelo MoMA em 1972, tornando-se um dos mais importantes textos da fotografia. O catálogo chegou à 12ª edição, vendendo mais de 100 mil cópias e a exposição viajou pelo país e foi vista por mais de 7 milhões de pessoas.