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Os Sete Maridos de Evelyn Hugo: os bastidores de um ícone do cinema e de uma Hollywood nada glamourosa

Evelyn Hugo é uma mulher real. Ao menos essa é a sensação que fica após ler o livro de Taylor Jenkins Reid, da Paralela, selo da editora Companhia das Letras. Enquanto ela revive seus dias como atriz na era de ouro de Hollywood e narra os acontecimentos por trás de sete casamentos, temos a impressão de que conhecemos Evelyn de algum lugar. Talvez de um filme em preto e branco, um site de fofoca sobre celebridades ou um vídeo no YouTube resgatando ícones do cinema. Até buscamos na memória ou no Google pelo nome. E nada. Aí está o grande trunfo da narrativa de Jenkins Reid.

Atenção: este texto contém spoilers!

Lançado no Brasil em 2019, com tradução de Alexandre Boide, não demorou para que Os Sete Maridos de Evelyn Hugo figurasse entre os favoritos dos booktubers e se tornasse um dos queridinhos do Twitter. Não é para menos. A autora cria uma trama cativante, objetiva e alterna passado e presente passando por temas como sexualidade, classe, poder, violência doméstica, machismo e fama. Além de construir uma persona digna de estrelas como Sophia Loren, Marilyn Monroe e Elizabeth Taylor.

“Ah, eu sei que o mundo prefere mulheres que não têm noção do próprio poder, mas estou de saco cheio disso.”

Evelyn Hugo é uma super atriz de Hollywood, sex symbol, que viveu o auge da carreira nos anos 50, 60 e 70 e que resolve voltar a aparecer na mídia após um longo tempo longe dos holofotes. Para isso, decide dar uma entrevista para a revista Vivant, mais especificamente para a jornalista Monique Grant. Esse retorno causa um grande alvoroço, assim como a escolha aparentemente aleatória em falar com essa repórter. A própria Monique fica sem entender o motivo por trás da exigência.

Desde o início do livro, Evelyn se mostra uma mulher misteriosa e instigante. Ao mesmo tempo em que ela teve muito da vida pessoal explorado pela imprensa — ainda mais por conta dos casamentos — boa parte do que era divulgado também era minuciosamente manipulado por ela. A atriz descobriu muito cedo a identificar os jogos que existem dentro de uma sociedade e a usar esses mecanismos a seu favor. Não dá para dizer que ela estava de todo errada, ainda que não conseguisse fazê-lo sempre, pois também estava sujeita a mentiras a seu respeito.

De ascendência cubana e origem pobre, Evelyn era fora do padrão branco, loiro e recatado que Hollywood valorizava. Tinha plena noção que era necessário se encaixar dentro desse ideal de feminilidade para perseguir o sonho que herdou da mãe. Para isso, era preciso abandonar suas origens.

Ciente da própria beleza, sabia que era objeto de desejo, que tinha uma sensualidade que a colocava em risco, inclusive, mas que existia um certo tipo de poder que poderia ser explorado. E assim o fez, usando o que tinha para conseguir deixar as ameaças do pai e a iminente vida medíocre no passado. De certa forma, Evelyn inventou uma personagem para si mesma antes mesmo de começar a atuar oficialmente.

“Quando se escava um pouquinho abaixo da superfície, a vida de qualquer um pode ser original, interessante, cheia de nuances e impossível de encaixar numa definição fácil.”

Ao chegar para entrevistá-la, Monique descobre que esse grande personagem enfim vai ser despido. E que na verdade Evelyn não tinha a intenção de falar com a revista, mas sim ter sua biografia escrita por Monique, com direito a tudo o que nunca tinha sido compartilhado publicamente. É quase uma autobiografia se considerarmos que praticamente todo o livro é narrado por Evelyn enquanto conta sua trajetória à jornalista.

Em paralelo, acompanhamos a rotina de Monique passando por um divórcio conturbado, enquanto tenta se firmar na profissão e se livrar de inseguranças. Evelyn acaba servindo de inspiração nesse processo, pois conforme toma conhecimento sobre como a atriz se posicionou em determinados momentos da vida, Monique resgata parte de sua autoconfiança também. Além disso, paira sobre Monique o porquê de ter sido escolhida a dedo por Evelyn para contar a história da atriz. Algo que só descobrimos nos capítulos finais.

O grande amor da vida de Evelyn Hugo

Como a vida de Evelyn tinha sido resumida aos sete casamentos pelas revistas de fofocas, Monique decide começar a entrevista pelos relacionamentos questionando: quem é o grande amor da vida de Evelyn Hugo? Quanto a isso, a lendária atriz não faz mistério. A resposta é Celia St. James.

Companheiras de profissão, elas se conhecem durante as gravações de um filme numa passagem muito simbólica, pois exemplifica as facetas nada glamourosas daquela Hollywood, como rivalidade feminina, objetificação e etarismo. Celia é um rosto “novo” no mercado e automaticamente se transforma em ameaça para as outras atrizes numa indústria que não permite que mulheres envelheçam sem que sejam descartadas.

“Tudo o que eu sempre quis foi que você fosse verdadeiramente minha. Mas o mundo tem metade de você e eu tenho a oura”. 

Todos os romances de Evelyn intercalam com as idas e vindas do relacionamento com Celia. Acompanhamos ela se descobrir bissexual, as implicações dos outros relacionamentos, seus altos e baixos na carreira e o medo que ela tem de perder o que conquistou caso assuma que gosta de alguém do mesmo sexo. E mais do que o temor pela carreira, há uma preocupação justificável com a segurança física de ambas.

Nem o status de super celebridade, o poder aquisitivo e influência (e até Oscar!) conquistados por Evelyn e Celia garantiriam a elas que não fossem julgadas e — no mínimo — marginalizadas por estarem apaixonadas uma pela outra. Os meados do século XX ainda mantinham leis que criminalizavam relações entre pessoas do mesmo gênero.

Não bastasse tudo isso, as diferenças entre as duas também eram impeditivos para uma relação estável. Celia dizia sempre que não tinha Evelyn por completo. O que podemos entender como uma referência à fachada que a atriz se via obrigada manter ao se relacionar apenas com homens publicamente. Mas também é notável que Celia não aceita que Evelyn goste também do sexo oposto, diferentemente dela.

A fama também não protegeu Evelyn de ser cobrada do que era — e ainda é —  considerado regra social para as mulheres. Casar, ter filhos, se manter jovem e bonita. Se os mecanismos de controle do patriarcado são vigentes até hoje, imagina então naquela época. Os privilégios e recortes que favoreciam Evelyn diante de outras mulheres não eram suficientes para mantê-la livre. Qualquer desvio teria um preço. Uma punição prestes a ser divulgada na imprensa sensacionalista.

Por isso, conforme os detalhes da história vão sendo revelados, entendemos que Evelyn tem uma motivação política para fazê-los a essa altura da vida. Ela faz questão de que todos saibam que é uma mulher bissexual e o que esconder isso lhe custou. Os anos que perdeu longe de Celia, os reencontros, desentendimentos. Tudo teve um preço e não foi barato. Ao admitir erros, covardias, convivências e manipulações, Evelyn desmontou a própria personagem que criou anos atrás. Da maneira que bem entende. Presunçosa, implacável e incrivelmente interessante.

Com o sucesso do livro, Os Sete Maridos de Evelyn Hugo vai ganhar uma adaptação para a TV, produzida por Jennifer Beals e Ilene Chaiken. Taylor Jenkins Reid vai ficar a cargo do roteiro pela Freeform TV, agora também da Disney.

“Acho que ser quem a gente é — de verdade, e por inteiro — sempre vai exigir nadar contra a corrente.”


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1 comentário

  1. Não entendi se a Jennifer Beals vai apenas produzir, ou se vai atuar também na versão para a TV, mas posso dizer que ler o nome dela, na nota final, fez todo o sentido. Seria incrível se ela interpretasse a Evelyn Hugo.

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