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Paris Hilton, autobiografia: para além do cor-de-rosa

Qual é a primeira coisa que vem à mente quando o nome Paris Hilton é mencionado? Provavelmente muito cor-de-rosa, uma vida viajando ao redor do mundo e festas, muitas festas. Celebridades, fotos pouco lisonjeiras de paparazzis, um reality show e cachorrinhos em miniatura. Mas seria a vida de Paris Hilton somente aquilo que os tabloides e blogs de fofoca nos mostram? A herdeira da rede de hotéis Hilton talvez seja a influencer original, mas muitas pessoas não sabem nada sobre a mulher que está por baixo de todo o brilho do glitter e das roupas cor-de-rosa que adornam seu closet e Paris: The Memoir, veio para desmistificar tudo o que pensávamos saber sobre sua vida.

O livro, escrito por Paris Hilton e Joni Rodgers, uma ghost-writer, já mostra a que veio desde o início: ela não demora a dizer aos seus leitores que tem TDAH, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, e que isso a faz ser quem é. Uma pessoa que desde muito nova não conseguia parar quieta, por horas, em salas de aula, que precisava de estímulos constantes e nunca se adequava ao que se esperava dela como parte de uma família antiga, de muitos contatos e riquezas. Paris Hilton sabe de seu privilégio e o aceita, mas ter nascido em berço esplêndido não a poupou de sofrer abusos físicos e psicológicos, ter uma sex-tape divulgada e ser perseguida pela mídia.

Paris Whitney Hilton nasceu em fevereiro de 1981, em Nova Iorque, bisneta de Conrad Hilton, fundador da Hilton Hotels. Ainda que tenha nascido em Nova Iorque, Paris passou parte de sua infância e adolescência em Beverly Hills, na Califórnia, e também morou com sua avó materna em Palm Springs. Paris começou sua carreira como modelo, ainda adolescente, e ficou muito conhecida na mídia por seu estilo de vida recheado de festas (já mencionei esse detalhe?) e suas amizades com celebridades como Britney Spears e Nicole Richie, esta com quem, inclusive, estrelou o reality show The Simple Life, que teve cinco temporadas e a levou ao estrelato internacional. Para além de seus trabalhos como modelo e no reality show, Paris Hilton foi considerada a “líder It girl de Nova Iorque”, pavimentando o caminho para todas as outras que vieram após.

“Sometimes it takes more courage to trust someone.”

Antes de ler Paris: The Memoir, não sabia muito sobre ela para além do citado no parágrafo anterior. Hoje conhecida internacionalmente como atriz, modelo, cantora, DJ, empresária e escritora, há muito sobre a vida de Paris Hilton que poucas pessoas, além de sua própria família, sabem. E aqui, com toda a sinceridade e o humor que lhe são característicos, Paris contou sobre sua infância, adolescência e os traumas vividos com o passar dos anos, além de sua jornada de cura e aceitação. Se você tem uma certa idade, provavelmente se lembrará de como no início dos anos 2000 Paris Hilton era um ícone da cultura pop. O rosto do estilo Y2K, ela basicamente inventou o que significa ser uma influencer ao postar, nos primórdios das redes sociais como Twitter e Instagram, seu estilo de vida, suas viagens e rotina. Sua estética carregada de cor-de-rosa e muito brilho se tornou marca registrada e moldou o que é ser um digital influencer hoje em dia.

Mas para além dessa persona que vive imersa em luxos, vista por todos como uma loira linda e cabeça de vento, Paris Hilton é mais rica e privilegiada do que muitos de nós serão nessa vida, mas seus anos de adolescência não foram tão doces como se poderia imaginar para uma pessoa nascida em uma família abastada dos Estados Unidos. Com seu TDAH não diagnosticado durante a infância e adolescência, Paris sofria para caber nos moldes que sua família esperava dela: não conseguia se manter em nenhuma das escolas de elite em que seus pais a matricularam, suas notas não eram boas e a jovem Paris sempre fugia de casa para passar noites e madrugadas em festas. Ela conta em seu livro que precisava dos estímulos das festas, dos sons, das danças e das luzes, e que não estava se drogando e bebendo como todos imaginavam. Seus pais, em uma tentativa de endireitar Paris, a mandaram para uma escola para jovens problemáticos, a CEDU. Fundada em 1967 por Mel Wasserman, as escolas eram apenas uma fachada para as torturas, abusos físicos e psicológicos pelos quais seus jovens “estudantes” passavam em nome de uma correção comportamental que nunca viria. Paris é sincera quanto a esse capítulo de sua vida e até mesmo pede desculpas aos seus pais antes de expor sua história, sabendo que eles prezam por discrição e silêncio, mas ela decidiu que não poderia mais se calar em nome daqueles que ainda vivem as mesmas situações que ela.

É de partir o coração ler o que Paris passou dentro das CEDU durante os dois anos em que foi mantida lá por seus pais. Ela conta que seus pais, assim como tantos outros, não sabiam o que se passava com seus filhos nesses centros, iludidos por manuais perfeitamente escritos que previam, inclusive, que os jovens poderiam tentar manipular seus parentes e guardiões para que não precisassem ficar por mais tempo no CEDU. Paris iniciou a exposição desses centros correcionais em seu documentário, disponível no YouTube, This Is Paris, lançado em 2020. De lá para cá, Paris ajudou a denunciar esses centros correcionais, contando sua história e buscando testemunho de outras pessoas que passaram pelos mesmos horrores que ela, inclusive auxiliando em que leis fossem criadas no congresso estadunidense para lidar com a vigilância e posterior fechamento desses centros.

Assim como Paris, muitos jovens enviados para lugares como o CEDU são neurodivergentes sem diagnóstico, o que os faz se sentir como párias em um mundo que não foi feito para eles. Paris, inclusive, só recebeu seu diagnóstico de TDAH quando já era adulta, o que a ajudou a entender melhor seu comportamento e os motivos por trás de suas ações. Pessoas que têm TDAH precisam de estímulos constantes e Paris Hilton encontrou sua válvula de escape indo em todas as festas possíveis, dançando e se divertindo com os amigos até o sol nascer. Após os dois anos passados nos centros correcionais, vivendo assustada e buscando refúgio em sua imaginação para que pudesse sobreviver aos abusos físicos e verbais, Paris Hilton tomou uma decisão que mudaria o rumo de sua vida para sempre: ela se tornaria tão rica e tão famosa que nenhuma pessoa poderia controlá-la novamente.

“Diamonds are expensive, but time is far more precious. Time is the most valuable natural resource we have.”

Ainda que tenha sentido raiva dos pais por muito tempo, em Paris: The Memoir, Paris conta que os perdoou e entende os motivos que os levaram a colocá-la em um lugar como aquele. E que, se eles soubessem dos abusos, jamais a teriam deixado lá. Como se não bastasse o que viveu na “escola”, Paris, então com dezenove anos, teve uma sex-tape exposta e sofreu slut-shaming de todo o mundo, novamente abusada e invadida pela mídia. A crueldade dos anos 2000 está documentada por toda a internet, desde a ditadura da magreza até a maneira como a mídia condenou mulheres, muitas delas adolescentes, por serem livres para fazerem o que desejavam fazer. Ao se ver exposta em uma sex-tape, Paris pensou que seria o fim de sua carreira, mas ela, novamente, usou de sua resiliência para se reinventar e seguir em frente.

A persona ligeiramente boba e que fala “that’s hot” para absolutamente tudo, é o escudo que Paris Hilton criou para sobreviver em um mundo nada gentil com mulheres. A misoginia estava sempre escancarada nas páginas dos tabloides, nos posts nas redes sociais e em todo lugar em que Paris ia. À época, não se poderia dizer que a personagem criada para as câmeras adicionava algo importante para a conversa sobre direitos das mulheres e o feminismo em geral, mas de uma perspectiva puramente de negócios, Paris Hilton foi genial em diferentes aspectos e frentes, capitalizando em cima de sua imagem, construindo e consolidando uma marca milionária, assim como disse que faria aos dezoito anos. Sem dúvidas, Paris iniciou sua jornada em um ponto bastante alto da cadeia alimentar do entretenimento, mas ela soube usar das ferramentas de que dispunha para criar uma marca — ela mesma — que está no mercado há vinte anos, sempre se reinventando e ampliando seu escopo.

Atualmente, Paris Hilton é a DJ mais bem paga do mundo, e seu conglomerado vende de perfumes a roupas e maquiagens, até utensílios de cozinha. Paris: The Memoir mostra um pouco do que há além da superfície imaculadamente cuidada da socialite que conquistou o mundo, abrindo caminho para todas as outras que vieram depois dela — alô, Kim Kardashian. O livro tem uma escrita ótima de acompanhar, ainda que as histórias contadas por Paris flutuem sem uma linha do tempo muito bem definida — efeito de seu TDAH —, nos guiando pelo auge dos anos 2000, uma época nada gentil com as mulheres de maneira geral. Paris: The Memoir tem um humor ácido e peculiar, mas também tem muita delicadeza e gentileza com a própria Paris, principalmente a adolescente confinada que precisou lidar com muitos traumas de maneira solitária, dentro da própria imaginação.

Ao final da leitura de Paris: The Memoir, não poderia dizer que fui, ou me tornei, fã de Paris Hilton. Mas posso dizer, sem dúvida, que passei a entender melhor e até mesmo admirar a mulher de negócios que ela se tornou, talvez com um nome ainda maior do que o seu próprio sobrenome. Paris reconhece seu privilégio inúmeras vezes no decorrer do livro e não se furta da culpa de ter tomado decisões ruins durante a vida, o que mostra seu crescimento e desenvolvimento. Paris: The Memoir acaba por se transformar em um lembrete de como a mídia costumava tratar mulheres nos anos 2000, desumanizando-as a ponto de, às vezes, perderem noção de si mesmas. Paris: The Memoir, mesmo escrito por uma ghost-writer, consegue dar um tom que somente Paris Hilton usaria para contar sua história. E, o mais importante, usando sua voz e privilégio para ajudar crianças e adolescentes que foram como ela, incompreendidos e levados para longe por serem quem são.  That’s hot.

“The people who hurt you dont get the last word. You get to tell the story of you, and your story has more power than you can imagine.”


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