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Wish: o poder da nostalgia

Como o gênio da lâmpada, em Aladdin, os estúdios Disney realizam sonhos por meio da magia contada nas telas e também na vida real com seus parques. São 100 anos transformando a realidade de quem entra em contato com suas histórias e mostrando como é possível uma pitada de magia, imaginação e acreditar firmemente mudar sua própria jornada.

Nascido de um sonho, e da perseverança de Walt Disney, é poético que o maior legado do grande conglomerado para o público geral seja justamente o imaginário de que sonhar e desejar algo o bastante é o que leva ao sucesso. Apesar de ser de extrema necessidade criticar os meios pelos quais a Disney se tornou o que é hoje, a maneira como sobrepõe o lucro acima de tudo, até do bem-estar dos funcionários, como o monopólio da empresa afeta o consumo midiático e vai ao encontro certeiro dos malefícios do capitalismo, pontos como a existência de Mickey Mouse e seu legado, a primeira animação de Branca de Neve e os Sete Anões, lançada em 1937, e como o estúdio foi precursor na utilização da tecnologia para criar animações que enchem os olhos, fazem o aniversário de um século de existência carregar um grande significado para o mundo da cultura pop.

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Para comemorar, a Disney lançou o filme Wish: O Poder dos Desejos, com um roteiro que homenageia a trajetória da empresa, além de trazer para o foco central os desejos e como são inerentes a nós e dão sentido a nossa existência, entrelaçando a missão de Walt Disney de realizar desejos e como isso gera felicidade para pessoas de qualquer idade ao roteiro.

Desta vez, nossa heroína é Asha (Ariana DeBose), moradora de Rosas, reino fundado pelo rei Magnifico (Chris Pine) após sua cidade natal ser destruída e os desejos, sonhos e anseios de todo o povo serem extintos. Movido pela dor, ao lado de sua esposa Amaya (Angelique Cabral), ele funda sua própria cidade, onde terá a certeza que seus desejos e do povo serão protegidos e nunca destruídos. Para isso, ele estuda magia e se torna um mágico, capaz de retirar o desejo da pessoa e guardá-lo em seu Palácio, seguro e com a promessa de que um dia, talvez, tal desejo seja escolhido para ser realizado por ele. As pessoas fazem fila para entregar de vontade própria seu desejo para Magnifico, já que assim, ao menos, eles terão uma chance de ver seu sonho mais profundo realizado. Ao entregar seu desejo, entretanto, elas os esquecem.

Quando conhecemos Asha, ela está vivendo um dia importante. Está prestes a ser entrevistada para ser aprendiz do rei Magnifico e, olhe só, ficar pertinho dos desejos, além de estar cheia de expectativa, já que também é o dia do festival em que o rei irá realizar o desejo de alguém; quem sabe do seu avô Sabino (Victor Garber), que está completando 100 anos no mesmo dia.

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Altruísta e empática, ela conquista Magnifico e na empolgação pede a ele que realize o desejo do seu avô. Acontece que, segundo o rei, nem todos os desejos podem ser realizados, já que alguns pedidos podem ser perigosos, especialmente para o futuro de Rosas. Chocada com a informação, Asha começa a questionar a custódia do homem sobre os desejos dos outros e qual o direito dele em mantê-los para si se não vai, de fato, realizar a todos, assim tirando a chance do dono verdadeiro tentar ao menos realizá-lo.

“What would you do if you found out that the wishes of those you love with all your heart will never be granted?”

Desconsolada, ela vaga pela floresta enquanto canta sobre os desejos e a busca pela felicidade, até que visualiza uma estrela cadente e faz um pedido. Para sua surpresa, uma luz irradiante cai sobre o reino e quando dá por si, ela e seu fiel companheiro, o bode Valentino (Alan Tudyk), não estão mais a sós, agora contam com a presença de uma estrela sapeca, com poder suficiente para tornar a floresta viva como em A Bela Adormecida ou Branca de Neve e os Sete Anões.

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Infelizmente, a luz também foi vista pelo rei, que paranoico pelos questionamentos de Asha mais cedo, está com medo de ser desafiado e ter seus poderes, e os desejos, tirados de si, como uma vez já lhe aconteceu. Desta forma, ele anuncia que Asha é procurada pelo reino e quem encontrá-la terá seu desejo realizado. Ao mesmo tempo, nossa heroína, com a ajuda de Valentino, agora um bode falante, sua amiga Estrela e, a empregada do Palácio que muito nos lembra Branca de Neve com sua trupe, os Sete Anões, a ajudam a libertar os desejos.

Malhado pela crítica, o longa entregou exatamente aquilo que prometeu: um ode aos 100 anos da Disney e um pote repleto de nostalgia, com referências às clássicas animações do estúdio, com destaque para Branca de Neve e os Sete Anões. O roteiro poderia ter seguido um rumo mais ousado, isso é fato, mas, particularmente, acredito que o filme foi construído ao redor da ideia de homenagear as histórias e personagens que marcaram a infância, até a vida adulta, de quem acompanha a Disney — neste ponto, sendo uma escolha certeira utilizar a recursos de animação tradicionais mesclados com tecnologias atuais para dar vida a magia, mais nostálgico que isso, impossível. Por isso, o enredo sobre desejos e o esforço de Asha em assegurar que eles estejam seguros, em especial o da pessoa que ela mais ama, admira e julga merecedor de ver seu desejo realizado, é tão Disney e intricado com a mensagem que diversas obras do estúdio perpetuam. Veja Moana, por exemplo, que sem conseguir calar seu coração e o desejo pelo mar, parte para encontrar quem é em meio as ondas. Ou Peter Pan, agarrado a seu desejo de nunca crescer, nunca deixar a Terra do Nunca, nunca saber o que é ser adulto, onde, para ele, desejar/sonhar não existe.

Somos seres desejantes. O desejo, para a psicanálise, nada mais é que “uma força intrínseca e motivadora que impulsiona o ser humano em busca da satisfação de suas necessidades e prazeres.” Desejar é o que nos impulsiona para frente, nos move em direção as nossas vontades, guiados por nossas pulsões e anseios. Nossos desejos nos fazem quem somos e, em certo âmbito, dão sentido a nossa trajetória.

“People think wishes are just ideas, but no, they are a part of your heart. The very best part.”

Assistimos Asha, junto com seus amigos, enquanto tentam recuperar o desejo de seu avô e, como consequência, libertar os demais desejos do povo de Rosas, entender que a dor e o vazio deixado pelo esquecimento daquilo que é mais inerente a si talvez seja pior do que lembrar a vontade mais profunda de seu coração, mesmo que ela nunca seja realizada. Lembrar, ter conhecimento do que mais quer, evoca o livre-arbítrio de escolha, de lutar pela realização do anseio, mesmo que no fim não se torne realidade. Claro, no entanto, que o final feliz para sempre ideal é quando o que queremos ganha vida; neste sentido, o final de Asha é um dos mais significativos e belos e cai como uma luva com sua trajetória, além de ressignificar o papel por ela exercido, quando se analisa em retrospecto outros filmes do estúdio.

Para alguns, a nostalgia pode ser exacerbada, e a falta de algo novo, frustrante. Para outros, uma fonte de divertimento ao ficar atento a cada pedacinho de referência e de coração quentinho ao identificar uma parte dos filmes que mais ama na tela, bem como, deixar a sala de cinema na certeza que seus desejos estão seguros com você.