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Volta da cintura baixa: a problemática da tendência y2k

É inevitável que a moda siga um ciclo contínuo de ressurreição de estilos passados. Uma das principais características da moda contemporânea, ironicamente, tem sido o renascimento do retrô, muito presente nos mom jeans e nas sobreposições dos anos 90 ou no extravagante,  revelador e ao mesmo tempo confortável dos anos 80. Ao contrário do que muita gente pensa, as tendências não nascem do dia para a noite. Elas surgem por meio do estudo de macrotendências globais, ou seja, a inclinação da sociedade como um todo a seguir determinados movimentos ou correntes socioculturais, bem como mudanças na cultura e até na economia. Além disso, a propensão da moda em reciclar estilos que estavam em voga anos atrás não pode ser enxergada apenas do ponto de vista estético, mas também do cultural: é a chance das gerações mais novas viverem, mesmo que superficialmente, uma época em que provavelmente não haviam nem nascido.

Luisa Sonza, as irmãs Gigi e Bella Hadid, Manu Gavassi, Giovanna Ewbank e Hailey Bieber são algumas  das celebridades que trouxeram o estilo y2k (abreviação de year 2000, ou anos 2000, em português) de volta à vida. Assim como qualquer onda que atinge a sociedade, o sucesso da moda contemporânea está baseado na maneira com que ela viraliza nas redes sociais. Dessa forma, quanto mais figuras públicas evidenciarem o estilo de 20 anos atrás, mais o público em geral irá aderir a ela.

Ao contrário das tendências que remetem aos anos 80 e 90, reascendidas durante a pandemia, em que o conforto se une ao estilo, a estética y2k não é tão querida pelos fashionistas — ou pelo menos não era até pouco tempo atrás. Nos anos 2000, o que interessava não era sentir-se confortável, mas sim chamar a atenção. Basta uma pesquisa rápida no Google para perceber que as únicas pessoas que poderiam se sentir confortáveis usando tops e croppeds justos e calças de cintura baixa, eram as mulheres magérrimas com cintura negativa que podiam exibir suas barrigas chapadas e piercings no umbigo sem medo de julgamentos.

O grande temor acerca das calças de cintura baixa é que nos anos 2000, diferente de hoje em dia, as mulheres raramente tinham a opção de ter um mom jeans, calças largas ou de cintura alta em seus guarda-roupas. Era praticamente impossível ir a uma loja e encontrar outro modelo de calça, independentemente do seu tipo de corpo. Trocando em miúdos: a moda da  época era totalmente excludente com quem não tinha o corpo da Paris Hilton. Esse fato consumado faz com que o medo do retorno das calças de cintura baixa não seja uma pauta superficial, mas sim necessária.

Quando seu corpo não se encaixa nos padrões midiáticos da época em que vive, é difícil que você encontre roupas da moda que lhe caiam bem. Sim, isso inclui a estética e todas aquelas vezes que você ouviu uma mulher reclamando (ou que você mesma reclamou) do famoso culote, de como a barriga caia sobre o cós quase inexistente da calça, ou quando colocou uma blusa não tão larga, e ficou com as dobrinhas incrivelmente marcadas. Mas convenhamos: já passamos da fase de pensar que essas características são defeitos estéticos. Estamos em 2022, e o ponto principal dessa crítica é a falta de conforto. A geração que não passou pela pressão estética da cintura baixa, ou que tinha o corpo padrão na época, não sabe o quão desconfortável é ser praticamente obrigada a usar uma peça de roupa que, além de ser apertada o suficiente para deixar seu corpo com as marcas da costura, precisar tomar o dobro de cuidado para não deixar o cofrinho à mostra. Não é necessário ser um expert em moda para não desejar a volta das calças de cintura baixa. No Twitter, por exemplo, houveram diversas manifestações a respeito da provável volta da tendência, e a maioria delas não foi positiva.

É possível fazer um contraponto a tudo o que foi falado até agora, se pensarmos que as atitudes e o acesso à informação dos jovens de hoje, são muito diferentes dos anos 2000. Atualmente, estamos mais acostumados a ler, ouvir e falar sobre termos socialmente pertinentes, como body shaming e body checking, e damos visibilidade para tipos de corpos diferentes graças ao movimento body positive. Ainda há esperança e uma remota possibilidade de essa moda se tornar inclusiva, levando em conta a mudança cultural que aconteceu durante esses 20 anos.

Contudo, a positividade não pode tomar o lugar do realismo: os tamanhos grandes estão desaparecendo das lojas, assim como aconteceu nos anos 2000. Os mom jeans, tendência mais recente, estão, aos poucos, perdendo espaço nas araras de lojas de departamento, e mulheres que não cabem nos tamanhos menores de 36 já estão tendo dificuldades para achar algo que sirva e as deixe confortáveis. Não podemos deixar a era da exclusão na moda voltar, principalmente quando o debate sobre moda para todos foi reacendido com marcas como a Savage X Fenty e Eloquii.

Umberto Eco, escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano, explica no livro A Psicologia do Vestir, que a moda é um meio de comunicação que utilizamos para expressar de onde viemos e onde queremos chegar, mas acima de tudo, quem somos. Nossas vestimentas são mais do que pedaços de pano, e as tendências de moda existem para que possamos e saibamos adaptá-las às nossas individualidades. Mais importante do que estar na moda, é saber equilibrar estilo e conforto com a nossa própria identidade.

Bianca Smiderle Lemos é jornalista em formação, apaixonada por cultura pop e viciada em dar pitaco em tudo desde criança. Aquela totalmente de humanas que pode dar uma palestra sobre qualquer assunto, mas se assusta com um cálculo simples de matemática básica.