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De Quarto do Pânico a Spencer: a caminhada de Kristen Stewart até o Oscar

Mesmo após dez anos desde o último filme, se pedirmos para pensar em Kristen Stewart muitos irão se lembrar de Crepúsculo, franquia lançada entre 2008 e 2012. Hoje, a atriz californiana é uma das indicadas ao Oscar de Melhor Atriz por sua atuação como Diana, Princesa de Gales, em Spencer. O que pode ser surpreendente para muitos, a indicação de Kristen é apenas o resultado de muitos anos de dedicação e trabalho, além da maneira como se desenvolve dentro da indústria cinematográfica.

O que é muito interessante é entendermos o por quê de muitas pessoas ficarem surpresas que a garota de 18 anos que se tornou meme pela suposta falta de talento ao não se expressar bem no papel de Bella Swan se transformou, aos 31 anos, uma das mais cotadas para receber um dos maiores prêmios de Hollywood.

Kristen Stewart sempre teve contato com o meio de produções cinematográficas por meio de seus pais que já trabalhavam na área. Ela mesma sempre achou que ficaria atrás das câmeras, da mesma forma que os pais, porém a atuação encontrou uma forma de encantá-la com seus cronogramas e energia caótica nas filmagens. Aos 11 anos de idade, Kristen conseguiu o papel de Sara, filha da personagem de Jodie Foster no thriller Quarto do Pânico (2001), que seria seu grande papel-revelação, lhe rendendo uma nomeação em uma premiação para jovens talentos. Este não foi o único trabalho que demandou força psicológica da jovem atriz: em 2004, Kristen interpretou Melinda Sordino, em O Silêncio de Melinda, adaptação do livro Fale!, de Laurie Halse Anderson, que conta a história de uma adolescente que não consegue mais falar após sofrer abuso sexual em uma festa. Sua performance com poucas palavras, porém envolvente em expressões faciais, sentimentos e emoções bem marcantes, rendeu muitas críticas positivas.

Mas não só de dramas densos é feito o início de sua carreira. Nos anos seguintes, Kristen Stewart  atuou em dois clássicos da Sessão da Tarde: Ninguém Segura essas Crianças, em que três crianças decidem assaltar um banco para salvar o pai de Maddy (Stewart), e Zathura: Uma Aventura Espacial, em que ela atua como a irmã mais velha de Josh Hutcherson e Jonah Bobo. Mas foi a sua atuação em Na Natureza Selvagem (2007) que fez com que a diretora Catherine Hardwicke quisesse ter Kristen no papel de Bella Swan: foi ali que a diretora viu como a atriz era capaz de transmitir tão puramente as emoções e anseios de suas personagens. A forma com que Stewart consegue traduzir de forma tão crua e real as emoções de suas personagens a fez se destacar entre seus colegas de profissão.

“Talvez eu seja extremamente metódica, porque sou eu, e não tem separação [da personagem], e eu acredito muito nisso quando é bom”, disse ela para o The New Yorker. Na mesma entrevista, Kristen conta que ela não tem a prática de estudar suas falas ou de treinar na frente do espelho sua atuação, a falta de preparação lhe dá a vantagem de demonstrar as emoções no momento em que ela deve acontecer ao longo das cenas e da forma mais autêntica possível.

Sua atuação como Bella durante os cinco filmes da saga renderam muitas críticas, comentários, deboches e memes sobre a falta de expressões, além do questionamento: seria ela, na verdade, uma atriz sem talento? Bella é descrita por Stephanie Meyer, autora da Saga Crepúsculo, como uma adolescente desajeitada, que cai e tropeça como se fosse a pessoa mais frágil do mundo. Reclusa, quieta e muito insegura, Bella se sente muito desconfortável perto de outras pessoas. A personagem também não sabe mentir muito bem (o que é irônico, dado o fato de que ela mente sobre a identidade de toda a família de seu namorado). Ao analisarmos quem é Bella Swan e a atuação de Kristen Stewart , a verdade é que ela fez um ótimo trabalho dando vida a uma personagem muito irreal para acreditarmos ser de verdade.

Com o sucesso de Crepúsculo, Kristen se tornou uma das atrizes mais cobiçadas de Hollywood ainda no início dos seus 20 anos. Em 2012, ela se tornou Branca de Neve no filme Branca de Neve e o Caçador ao lado de Chris Hemsworth e Charlize Theron, que lhe garantiu uma sequência que viria nos próximos anos. Porém vazaram imagens de Kristen Stewart  beijando o diretor do longa, o que fez com que a atriz perdesse seu papel na franquia. O machismo dentro de Hollywood fez a atriz, que na época tinha 22 anos, perder não apenas o seu papel no segundo filme da franquia, mas também perder muitos outros papéis devido a um boicote silencioso da mídia e dos estúdios que acusaram-na de várias coisas durante muito tempo, enquanto nada se falava do diretor que é 20 anos mais velho, casado e com filhos.

“O trabalho, para mim, genuinamente foi ignorado de uma forma muito frívola, boba e mesquinha por um grupo de pessoas adultas que supostamente deveriam estar comandando estúdios e fazendo filmes.” — Kristen Stewart, The New Yorker

Durante um bom tempo, Kristen passou a fazer apenas filmes independentes, que eram celebrados em pequenos festivais e pouco se chegava ao mesmo público com quem ela tinha contato na época em que estrelou Crepúsculo. Chegando a fazer entre três a quatro produções por ano, a atriz se identificou com esse tipo de produção pelo mesmo motivo que a fez entrar para a atuação quando criança: ao desejar criar experiências e explorar o máximo possível as histórias que caíam em suas mãos, Kristen sempre se manteve aberta para as oportunidades que apareciam. Em 2014, ela interpretou a filha da personagem de Julianne Moore em Para Sempre Alice e, no ano seguinte, ganhou um prêmio César, o Oscar francês, por sua atuação como Valentine, assistente da personagem de Juliette Binoche, em Acima das Nuvens.

Por conta de seu rosto conhecido, Kristen recebeu o convite para participar de Acima das Nuvens no papel de Jo-Ann, uma atriz de 19 anos que fazia muito sucesso em Hollywood, mas ela preferiu um papel secundário na produção. Sua flexibilidade e conforto em não se importar com o tipo de papel que interpreta, além de brincar com diferentes personagens e em gêneros diferentes, foi importante para seu desenvolvimento como atriz, abrindo portas dentro dos filmes independentes e a tornando um nome recorrente na boca dos críticos e dos diretores que queriam trabalhar com ela. Não sem demora, Kristen Stewart se tornou figurinha marcada em festivais independentes e premiações de cinema por todo o mundo.

Sua volta para as grandes produções de Hollywood aconteceu apenas em 2019 quando a atriz aceitou o papel de Sabina, uma das panteras na versão de Elizabeth Banks. Ao interpretar Sabina, Kristen deixou que o grande público se conectasse com ela novamente, mostrando como estava mais madura não apenas em sua profissão, mas em sua própria vida, tomado para si o controle da narrativa e de sua trajetória. Dois anos antes, em 2017, Kristen apresentou o Saturday Night Live, programa semanal tradicional nos Estados Unidos, e durante o seu monólogo ela se assumiu (mais tarde ela disse em outra entrevista que é bissexual) de uma forma tão segura de si mesma que foi como se ali tivesse marcado seu recomeço, fazendo um movimento em prol de si mesma e de sua carreira. No entanto, apesar da atriz receber muito apoio daqueles que a acompanham desde o início da carreira, a mídia e a indústria a bombardearam com críticas e novamente a ameaça de que ela perderia oportunidades se fosse “muito gay”. Kristen, enquanto isso, demonstrou não se importar muito com seu nome estar ligado no topo da pirâmide desde que ela esteja envolvida com projetos que ela realmente se identifica.

Sabina, de As Panteras, flerta muito com expressão de gênero e sexualidade de uma forma divertida e humorística, o que nos faz conhecer mais uma habilidade de Kristen Stewart: a da comédia. Apesar de não ser a primeira vez em que ela se envolve em uma produção mais voltada para a comédia — em 2015 ela estrelou ao lado de seu companheiro de outros projetos, Jesse Eisenberg, o longa American Ultra —, foi ali em que a atriz pode mostrar toda a sua versatilidade. Em 2020, Kristen protagoniza Happiest Season, um filme natalino criado e dirigido por Clea DuVall que conta a história de Abby (Stewart) e Harper (Mackenzie Davis), um casal de namoradas que decide passar as festividades com a família de Harper, que ainda não sabe que ela se relaciona com uma mulher. Aqui, mais uma vez, vemos Kristen explorar outro viés de sua atuação, mostrando-se confortável e no controle de sua carreira ao se envolver em projetos em que acredita. E é incrível acompanhar toda a sua jornada e o que a atriz construiu ao longo dos anos, alterando entre diferentes gêneros cinematográficos enquanto consegue manter os fãs que a acompanham desde jovem.

O desafio mais recente de Kristen Stewart, a Princesa Diana, não foi o primeiro na sua lista de personagens reais em sua extensa filmografia — são mais de 50 produções em que a atriz atuou. Antes da Princesa de Gales, Stewart interpretou Joan Jett em The Runaways, longa de 2018, Savannah Knoop no filme JT Leroy, também de 2018, e, em 2019, interpretou Jean Seberg em Seberg, produção que garantiu a atriz diversas críticas positivas da mídia especializada além de três prêmios em grandes festivais de cinema. Em Spencer, para interpretar Diana, Kristen estudou diversas fitas e fotografias da princesa para pegar os seus trejeitos e expressões. Com o seu método de imergir em seus personagens, Kristen Stewart consegue transmitir a ansiedade e desconforto de Diana no ápice de seu conflito externo e interno com a família real e seu psicológico sem nenhuma palavra, apenas pelas suas expressões e olhares.

Apesar de vestir uma atitude de quem não se importa se ganhará ou não a estatueta mais cobiçada de Hollywood, é muito claro que chegar até esse momento era questão de tempo para a atriz — ela só precisou aguardar que o papel certo chegasse, aquele que chamaria a atenção da Academia. Sua evolução e trajetória no cinema mostram um compromisso da atriz com a arte e fé no que acredita.  Aos 31 anos de idade, Kristen Stewart é uma das melhores artistas de sua geração, e já passou da hora de que Hollywood — e o público em geral — reconheça isso.


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