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O preço da cura: a história da seita de João de Deus

A relação da sociedade com a fé se baseia na confiança, na cura, na recuperação, nos sonhos e nas realizações. A cidade de Abadiânia era movida pela fé em uma das figuras mais controversas do lugar: João Teixeira de Faria ou João de Deus. O nome foi vendido para o mundo e conquistou milhares de fiéis que faziam peregrinações diárias, mensais ou anuais para a Casa Dom Inácio de Loyola, localizada em Abadiânia, cidade do município de Goiás. O médium realizava na Casa diversos atendimentos espirituais e suas polêmicas cirurgias de “cura” sem nenhum aparato médico convencional. A fama, no entanto, encobria diversas denúncias de abusos sexuais em mulheres que frequentavam a rotina da instituição e que colocaram sua fé à prova após os acontecimentos.

No dia 7 de dezembro de 2018, o programa Conversa com o Bial apresentou uma série de denúncias e relatos de abusos sexuais sofridos a portas fechadas por uma série de mulheres que o procuraram em busca de ajuda espiritual. O programa desencadeou uma série de investigações, mais de 500 denúncias contra o então curador, sua prisão e condenação por abuso sexual, estupro, fraude e porte ilegal de armas de fogo. Começava a se desenrolar a queda de João de Deus que foi acompanhada pelo jornalista Chico Felitti e resultou no livro A Casa: A História da Seita de João de Deus, publicado pela editora Todavia.

Abadiânia era um dos maiores polos turísticos da fé do Brasil, a cidade que segundos relatos poderia ser dividida em duas, ou seja, de um lado a BR-060 era caracterizada pela pobreza e forte presença da Igreja Católica e do outro, onde funcionava a Casa era rica e badalada, apelidada pelos frequentadores de Lindo Horizonte. Tudo ali era movido pelo funcionamento da Casa. Era uma cidade que colhia os benefícios, mas tinha medo de relatar o que acontecia entre as quatro paredes. O líder espiritual era uma figura de respeito e o medo vinha da sua influência no meio político, judicial e sua boa reputação com os principais veículos de imprensa que o ajudaram a vender a sua imagem.

“As pessoas daqui são todas cúmplices, a cidade toda. As pessoas que trabalhavam lá sabiam, mas fingiam não saber”, revelou a guia turística Amy Biank durante o programa Conversa com Bial. Havia um sistema que definia as escolhidas, as falas padronizadas para convencer que o abuso fazia parte do tratamento e a pressão psicológica para que as vítimas não contassem a ninguém o que acontecia ali. “Eu não estava sendo curada, eu estava sendo abusada”, afirma uma das vítimas que não quis se identificar. Trechos das denúncias contra João de Deus também relatam:

“Com o fito de satisfazer sua lascívia, o denunciado acariciou os seios, barriga, nádegas e virilha da vítima. Não satisfeito, o denunciado segurou a mão da vítima, por cima da roupa, sobre seu órgão genital e começou a movimentá-la para cima e para baixo em movimentos constantes, enquanto afirmava que ela estava recebendo ‘o espírito’ e que iria ser curada.”

Ele dizia que quando era João, e não uma entidade, era um homem e, segundo ele, um homem tem suas necessidades. O que João de Deus chama de necessidade, as vítimas reconhecem como abuso sexual que deixou sequelas severas em suas vidas. O processo para reconhecer a violência sexual foi duro e cruel e colocou a prova uma de suas maiores crenças, a fé.

Segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 são caracterizados como formas de violência contra a mulher: a física entendida como qualquer conduta que ofenda a sua integridade ou saúde corporal; a psicológica, que pode causar algum dano emocional e diminuição de autoestima; e a sexual, quando há manutenção ou participação de relação sexual não desejada mediante ameaça ou coesão. Contra o médium 13 denúncias foram feitas e mais de 300 mulheres prestaram depoimento para o Ministério Público e para a Polícia Federal relatando casos de estupros ocorridos entre os anos de 1973 a 2018, ano em que a seita começou a ser investigada.

A espiral do silêncio que movia as constantes denúncias eram amparadas por uma série de dúvidas: “Como não gostar de João de Deus?” “Porque você está vindo com essa história se ele está curando um monte de pessoas?” Não é incomum ouvir frases como está quando se trata de denúncia de violência contra a mulher. Não somos culpadas e sim vítimas de uma sociedade altamente machista e patriarcal. Não estamos falando de cura e sim de abuso.

A construção do reino de João de Deus foi marcada pela legitimação de sua figura na mídia, do contato direito com celebridades ao redor do globo e sob uma cidade que dependia exclusivamente do movimento de fiéis. Hoje, vive os efeitos econômicos causados pela ascensão e queda da Casa em Abadiânia.

O combate a violência contra a mulher é responsabilidade de todos. Denuncie, ligue 180.


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