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Born Pink: os novos caminhos de um BLACKPINK grande e orgulhoso

Depois de quase dois anos desde o último álbum, o BLACKPINK faz seu retorno com Born Pink, cuja nova era começou com teasers de instrumentais enigmáticos e promessas de um novo capítulo para o maior girl group do mundo.

Com o anúncio do pré-single “Pink Venom”, muitas teorias foram criadas. A atmosfera misteriosa, juntamente ao símbolo do novo álbum — um par de presas cor-de-rosa —, levantou diversas hipóteses na mente dos fãs, até mesmo por dicas das próprias integrantes. Alguns esperavam que o conceito da música e do videoclipe tivesse algo a ver com serpentes, outros com aranhas. O que acontece em Born Pink, no entanto, é que o veneno não é proveniente de nenhum animal peçonhento, mas dos versos ácidos de Jennie, Jisoo, Lisa e Rosé.

Nada é tranquilo quando se trata do BLACKPINK. Tudo é grandioso e chamativo, mas raramente fácil. O sucesso crescente e estrondoso de qualquer artista carrega consigo partes menos bonitas, mas isso se torna ainda mais evidente quando falamos de mulheres. A cobrança é imensa — e vem de todos os lados. Da empresa que as gerencia, da mídia, dos fãs e dos haters. O k-pop é conhecido por ter um público muito passional. Se amam, o amor é avassalador. Se odeiam, o ódio é cego.

Desde o começo da carreira, iniciada em 2016, o BLACKPINK se encontra no meio desses dois opostos, mas talvez as coisas tenham ficado mais intensas em 2018, quando a música “DDU-DU DDU-DU” quebrou as barreiras que nenhum outro grupo coreano havia alcançado até então. Em pouco tempo, as quatro integrantes saíram da bolha do k-pop e foram se instalando gradativamente em um cenário artístico diferente, contagiando uma audiência mais ampla.

Isso foi o suficiente para que o BLACKPINK rapidamente se tornasse um dos grupos mais importantes não somente da terceira geração do k-pop, mas de toda a história do gênero. Essa atenção gerou oportunidades inimagináveis, rompendo a crença de que grupos femininos não fazem sucesso e dinheiro, mas também criou monstros que, tristemente, as mulheres devem enfrentar todos os dias. Slutshaming, bodyshaming e misoginia quase fazem parte da trajetória do grupo. Não é difícil encontrar, em qualquer rede social, comentários maldosos — e, às vezes, potencialmente criminosos —, sobre cada uma das integrantes.

Mas o BLACKPINK, em sua essência, nunca foi de abaixar a cabeça. Elas sempre foram conhecidas pela atitude feroz, mesmo quando ainda eram novatas e cantavam músicas mais brandas. As letras cheias de atitude e as batidas fortes trazem um ar destemido ao grupo, criando uma impetuosidade inclusive em canções que falam de amor. Em “DDU-DU DDU-DU”, o BLACKPINK já mostrava que reconhecia seu papel ferino e em evidência. Isso foi evoluindo com o lançamento das (poucas) músicas até chegar ao The Album, o primeiro full album do grupo — embora a tracklist de oito músicas tenha feito muita gente se questionar se isso realmente vale como um full album de verdade. Na pomposa “How You Like That”, a letra é quase uma promessa de vingança. “Você deveria ter acabado comigo quando teve a chance”, Rosé canta na frente de um par de asas negras enquanto abre os braços. “Pretty Savage” é uma diss track declarada, cujas letras afirmam o valor do grupo e provocam quem torce o nariz para elas. “Love To Hate Me” reconhece os haters e debocha gentilmente deles — “Dias negativos, noites negativas/ Amor, você está perdendo todo o seu tempo”.

Born Pink, por sua vez, não tem muita gentileza. As integrantes sabem o impacto que têm — tanto positivo quanto negativo — e parecem cansadas de ser o alvo de quem aparenta dedicar o tempo livre para odiá-las. Mais maduras, experientes e, francamente, calejadas, elas dizem o que querem de maneira bastante literal. O álbum tem letras explícitas, algo incomum para o conservadorismo que o k-pop carrega — ainda mais para artistas femininas —, mas que mostra como o BLACKPINK se coloca em uma posição única e elevada. Obviamente, elas não são o primeiro grupo a soltar palavrões nas músicas, mas é provável que sejam, sim, uma das primeiras a cantar com tanta convicção e frequência.

A nova era começou dividindo opiniões e “Pink Venom” não agradou a todos. Há quem tenha reclamado do ritmo estranhamente lento, algo que se difere do histórico de músicas do BLACKPINK, majoritariamente tomado pelo EDM. Outros não gostaram do costumeiro break dance no final. Essa polaridade não importou muito. O vídeo estreou com mais de 90 milhões de visualizações no YouTube em 24 horas e passou três dias no topo do Spotify Global, algo inédito para qualquer grupo de k-pop. “Pink Venom” também mostrou que as coisas iriam mudar. Novas batidas, experimentação com instrumentos e um refrão relativamente mais calmo foram sinais disso. A música também trouxe maior exposição ao grupo, já que o BLACKPINK se apresentou com ela no Video Music Awards (VMA) em agosto, nos Estados Unidos.

“Ready For Love” também tem uma relação complicada com os fãs, embora de maneira diferente. A música corre pelo YouTube há anos, vazada dos arquivos da YG Entertainment. Inclusive, aparece sendo cantada por Rosé no documentário BLACKPINK: Light Up The Sky, da Netflix. A música foi lançada oficialmente de um jeito curioso: com um vídeo animado para a parceria com o PUBG Mobile, um jogo de battle royale.

Como tudo o que envolve o BLACKPINK, as reações foram acaloradas. Há quem tenha amado e há quem tenha odiado. O maior problema foi a falta de novidades. Os fãs já conheciam a canção há tempos, e tê-la na tracklist do projeto mais aguardado da carreira do grupo foi como um balde de água fria, ainda mais em um álbum, outra vez, com apenas oito músicas. Como foi gravada há alguns anos, “Ready For Love” parece um pouco datada e deslocada do restante das músicas, embora não cause danos à experiência e faça um trabalho decente ao fechar o Born Pink em um tom ligeiramente otimista.

Desta forma, o público foi apresentado a seis músicas inéditas. Não parece muito — e realmente não é —, mas para quem ficou dois anos na escassez de um comeback em grupo, isso foi o bastante para matar a saudade e conhecer a nova atitude do BLACKPINK.

“Shut Down”

Em Born Pink, o BLACKPINK olha para o passado, mas foca no futuro. “Shut Down” tem referências aos anos 1990 — assim como “Pink Venom”. Usando sample de “La Campanella” em violino, de Franz Liszt e Niccolò Paganini, músicos do século XVIII, junto com uma batida constante de hip-hop, as integrantes fazem uma homenagem à própria história.

Diversas cenas do vídeo mostram claras referências a clipes anteriores, como “Playing With Fire”, “Boombayah”, “Whistle”, “Kill This Love” e “DDU-DU DDU-DU”. Em um galpão com vários espaços, as Pinks — como são chamadas pelos fãs —, fecham as portas de seus antigos projetos. Os mais pessimistas interpretaram isso como um sinal de disband, ou seja, o fim do grupo. É uma possibilidade, mas é mais provável que o simbolismo indique outros caminhos.

Os vídeos referenciados são os mais antigos da carreira do BLACKPINK — nenhum clipe da era The Album foi incluído. É como se elas mostrassem que, sim, tudo aquilo foi extremamente importante, mas que o tempo passou e que não são mais as rookies de anos atrás. Grandes e experientes, as quatro fazem de “Shut Down” uma música de autoafirmação. Sim, elas são famosas. Sim, elas são ricas. Sim, elas são cobiçadas. Sim, tudo o que elas fazem vira notícia, seja para o bem ou para o mal.

No clipe, elas entram em um elevador. Não há outra direção a não ser para cima. Quando chegam a um andar iluminado, elas caminham porta adentro, uma ao lado da outra. “Continue falando, nós acabamos com você”, Rosé finaliza olhando diretamente para a câmera.

“Typa Girl”

“Typa Girl” é a clássica música sobre “não ser como as outras garotas.” Há quem tenha interpretado como algo problemático — o que, de certa forma, realmente é —, mas a música não se leva tão a sério em relação a isso. As letras mais se focam sobre como cada integrante do BLACKPINK é poderosa. A batida é divertida e as letras são irreverentes. De todos os versos, talvez alguns cantados por Jisoo (“O tipo de garota que você quer tornar sua esposa, assine o pré-nupcial”) e Jennie (“Eu trago dinheiro para a mesa, não seu jantar/ Tanto o meu corpo quanto a minha conta bancária têm uma boa figura”) sejam os que mais se destacam.

“Yeah Yeah Yeah”

Pink Venom usou guitarras elétricas e um instrumento tradicional coreano, geomungo, e “Shut Down” incorporou a música clássica às batidas, mas é com “Yeah Yeah Yeah” que o BLACKPINK se aventura em um som bastante distinto de suas outras canções. Sem elementos de hip hop ou EDM, a música é uma ode aos anos 1980, com uma característica disco inconfundível. Com participação de Jisoo e Rosé no time de compositores, a letra fala sobre um amor inesperado.

“Por que estou assim de novo? Nem eu me reconheço
Não entendo meu coração ambíguo
O nosso primeiro encontro sem sentido
Isso é um roteiro escrito por alguém, é um pouco suspeito ser coincidência”

No final, a produção faz graça ao terminar a música abaixando o volume aos poucos, exatamente como canções da época faziam.

“Hard to Love”

Dentre todas as surpresas do Born Pink, sem sombra de dúvidas “Hard to Love” é a maior delas. A música é, única e exclusivamente, cantada por Rosé.

Rosé tem seu projeto solo, assim como Lisa e Jennie — Jisoo é a única que ainda não se lançou de maneira independente como idol —, mas o BLACKPINK nunca antes havia incluído uma música cantada apenas por uma integrante em um álbum em grupo. A música descreve alguém que não se dá bem em relacionamentos, mas que quer mostrar honestidade à outra pessoa envolvida.

“Você me quer por inteira, eu não posso te dar tudo isso
Então não se apaixone muito porque sou difícil de amar”

Provando ser merecedora da posição de vocalista principal, Rosé entrega uma música pop digna de fazer sucesso nas rádios, com uma melodia agradável e contagiante. Seguindo suas músicas solo, “Hard to Love” é mais suave, com letras sentimentais e cordas de guitarra.

Mas como já estabelecido, nada é simples quando se trata do BLACKPINK. Além das brigas externas, o grupo também é vítima de um constante embate entre os “sub-fandoms”. Os chamados solo stans são fãs que apoiam apenas um integrante, mas logo se tornam akgaes, termo usado no k-pop para definir apoiadores de um único membro em um grupo que destilam ódio para os demais. Nas conjunturas do BLACKPINK, as brigas entre esses fãs são constantes. Com o lançamento de “Hard to Love”, Rosé foi o alvo dessas pessoas. Rapidamente, seu Instagram foi bombardeado de comentários maldosos. Não bastasse isso, a conta de sua irmã também sofreu ataques.

A decisão de colocar uma música solo em um álbum do grupo — ainda mais com poucas músicas — foi definitivamente ousada. Não gostar dessa decisão, por quaisquer motivos, é válido, mas limites foram ultrapassados quando não apenas Rosé foi atacada, mas também sua família. É difícil compreender esse tipo de mentalidade, uma vez que as quatro integrantes são creditadas como diretoras criativas do álbum. Mesmo com as interferências da empresa, se algo está ali, é porque elas decidiram que estaria.

Além disso, ter músicas solos em projetos de grupo não é nada desconhecido. Big Mama, SHINee, MAMAMOO, T-ara e B1A4, para citar apenas alguns, já fizeram isso.

“The Happiest Girl”

Escrita por Teddy Sinclair (conhecida também como Natalia Kills) e Willy Sinclair, “The Happiest Girl” é uma balada lenta, provavelmente a música mais triste da discografia do BLACKPINK. Com as teclas suaves de piano, as Pinks mostram incrível eficiência ao transmitir toda a carga emocional de uma desilusão amorosa. Se algum dia seus vocais já foram colocados em dúvida, é em “The Happiest Girl” que cada integrante mostra que sabe fazer músicas sem batidas agitadas e versos extravagantes.

Como de costume, a voz de Rosé brilha e Jennie assume um tom poderoso. Jisoo, a dona dos vocais mais graves do grupo, impressiona ao entregar falsetes delicados. Mas Lisa, dançarina principal e rapper, é a grande surpresa da canção, provando de uma vez por todas que, além de dominar seus costumeiros raps chamativos e cheios de flow, ela também tem uma ótima voz para cantar e talento de sobra para expressar emoções mais profundas.

“Tally”

Assim como “Love To Hate Me”, “Tally” é um recado para os haters em um ritmo mais lento, mas a música é ainda mais agressiva, começando com um palavrão logo no primeiro verso. A letra fala como as meninas são donas de si mesmas. Embora tenham um mundo de expectativas sobre seus ombros, em grande parte sobre como mulheres devem se comportar, elas são responsáveis por ditar suas próprias vidas.

“Eu digo foda-se quando tenho vontade
Porque ninguém está contando
Eu faço o que eu quero e com quem eu quero
Enquanto você fala toda essa merda
Vou pegar o que é meu”

O verso de Jennie é particularmente marcante, ainda mais considerando sua própria experiência com a fama.

“Às vezes gosto de jogar sujo
Assim como todos os garotos de merda fazem
Essa é minha escolha e não há ninguém que eu esteja machucando”

Mas isso não é feminino. Apesar de ser um dos rostos mais conhecidos e bem sucedidos do k-pop, ela sofre com a fúria da indústria e do público há anos, especialmente no que diz respeito à sua vida amorosa. Com rumores — confirmados ou não — de que já teve relacionamentos com figuras conhecidas do gênero, Jennie nunca ficou em uma posição em que não foi cruelmente hostilizada. “Tally”, então, é um lembrete de que Jennie, Jisoo, Lisa e Rosé são pessoas de verdade e, em um nível ainda mais complexo e devastador, levando em consideração o meio em que estão inseridas, de que são mulheres de verdade.

Born Pink

Born Pink não é perfeito. Dentre suas falhas estão a quantidade e a duração das músicas, a demora para o lançamento e o pecar ao entregar apenas seis faixas completamente inéditas. Com seis anos de carreira, as integrantes do grupo deveriam ter autonomia suficiente para construir um álbum com ainda mais representação de suas vivências, com maior presença nos créditos em relação à composição e produção. A gestão questionável da YG Entertainment, como é sabido entre todos os conhecedores do k-pop, é a grande responsável por isso — por motivos que nem ao menos cabem neste texto.

No entanto, é difícil negar que o BLACKPINK encontrou maneiras para inovar sem que sua marca registrada ficasse de lado. As músicas mostram um claro amadurecimento das artistas, bem como de sua equipe de produção, no que diz respeito à instrumentais, vocais e composições. As Pinks agora são mulheres adultas, donas do título de maior girl group do mundo, e deveriam se portar como tal. Apesar de curto, o álbum tem elementos que o grupo nunca antes havia tocado e buscou provar questões que muitos já duvidaram.

Há quem não tenha gostado de Born Pink, o que é perfeitamente aceitável, mas negar a inventividade, descredibilizar todo o trabalho ou ainda afirmar que o BLACKPINK recusa suas origens e cultura seria, no mínimo, uma desonestidade maldosa. Apesar dos apontamentos negativos, as integrantes têm muito mais apoiadores do que haters. Se não tivessem, afinal, o grupo não teria chegado a patamares tão exorbitantes, ainda mais se tratando de um ato  feminino em um gênero que ainda é tomado pelo machismo.

No final das contas, o BLACKPINK continua sua jornada contínua de quebrar recordes dentro e fora do k-pop, traçando novos caminhos para outros girl groups e para a própria história, orgulhando-se de seus feitos e se tornando cada vez maior.