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Troféu Valkirias de Melhores do Ano: TV – Episódio 1

Foi em 2015 que John Landgraf, do canal FX, cunhou a expressão peak TV para se referir à enorme quantidade de séries de televisão disponíveis nos canais abertos, canais por assinatura e serviços de streaming norte-americanos. Na metade de 2019, 320 séries diferentes já haviam sido exibidas nos EUA e a previsão era que, ao final do ano, a lista poderia ultrapassar os 500 títulos pela primeira vez. Para a crítica Willa Paskin, sem o fenômeno da peak tv teríamos muito menos diversidade — de elenco e de narrativas — em nossas televisões (que hoje também podem ser a tela do computador, ou a do celular). Em 2019, conforme assistimos à chegada dos serviços de streaming de corporações gigantescas como a Apple e a Disney (com seus muitos gifs do bebê Yoda), a peak TV deu indícios de que deve continuar firme e forte.

2019, como costuma ser o caso, foi um ano de altos e baixos. Assistimos ao grande triunfo de uma mulher complexa e falha pelas mãos de Phoebe Waller-Bridge, que, para nossa sorte, se viu diante de muitas outras protagonistas femininas celebradas na comédia. No lado do drama a coisa não é diferente: vimos mulheres complexas, afinal, à frente da maior parte das tramas que deram o ar da graça nas listas de indicadas às próximas edições do Globo de Ouro e do SAG. Por outro lado, conforme o maior fenômeno global televisivo dos últimos anos (estamos falando, é claro, de Game of Thrones) dava adeus às nossas telas, não faltaram duras críticas, mais uma vez, à representação feminina nas mãos de D&D — mas eles, infelizmente, não estão sozinhos nessa, e muitas críticas ainda precisam e precisarão ser feitas. Também testemunhamos o decepcionante e ilustrativo episódio do cancelamento de One Day at a Time, sitcom muito celebrada por sua representatividade. Ao mesmo tempo em que determinou o cancelamento, a Netflix tentou afirmar em suas redes sociais que essas histórias importam — mas não o suficiente para garantir que sejam de fato contadas, ao que parece. Episódios como esse nos lembraram de que o caminho para uma produção cultural mais diversa e inclusiva ainda é longo e que muita coisa precisa mudar.

Como dissemos: altos e baixos. Em meio a toda essa vastidão — de opções e questionamentos —, selecionamos aquelas que se tornaram nossas histórias favoritas nos últimos doze meses: histórias que acabamos de conhecer, histórias que nos encantam há anos, histórias das quais nos despedimos. Essas são as nossas escolhas.

Atypical (Terceira Temporada), Netflix

Por Karina

Atypical, produção original da Netflix, continua impecável em sua terceira temporada. A série segue a vida de Sam Gardner (Keir Gilchrist), um adolescente que foi diagnosticado dentro do espectro autista ainda na infância. Além dele, também acompanhamos de perto sua família: a mãe, Elsa (Jennifer Jason Leigh); a irmã, Casey (Brigette Lundy-Paine) e o pai, Doug (Michael Rapaport). A série trabalha muito bem a construção e a evolução dos personagens, e nessa temporada somos apresentados a mais camadas e complexidades de cada um. Isso vale não apenas para os membros da família Gardner, mas também para os personagens secundários, que crescem e se desenvolvem a cada episódio, trazendo para a trama seus próprios conflitos.

Sam acabou de sair do ensino médio e está iniciando sua vida na universidade. Lidar com essa nova rotina, que é muito diferente daquela com a qual se acostumou no colégio, é um dos grandes desafios do personagem nos novos episódios. Além disso, vemos seu relacionamento com sua namorada Paige (Jenna Boyd) e seu melhor amigo Zahid (Nik Dodani) passar por momentos de altos e baixos. Já Casey, que passou por uma adaptação de rotina quando mudou de colégio em episódios anteriores, enfrenta agora uma outra transformação, quando começa a descobrir e explorar sua sexualidade. Por fim, Elsa e Doug estão navegando os problemas no casamento, tentando situar os sentimentos e resolver o que fazer com a relação. O drama traz situações muito próprias da vida, mas segue abordando tudo isso de uma forma leve. Maratonar os episódios é quase irresistível.

Para saber mais: Atypical: drama e comédia na medida certa

Boneca Russa, Netflix

Por Ana Luíza

Falar sobre Boneca Russa é uma tarefa tão complicada quanto tentar defini-la. Classificada imediatamente como uma comédia, à medida que avança, a série torna-se cada vez mais sombria, trazendo reflexões que vão desde a depressão e o vício, até as relações que desenvolvemos uns com os outros e o impacto que elas podem ter em nossas vidas, ou o impacto que podemos ter na vida delas. A mensagem, no entanto, é uma só: a de que morrer é fácil, e que difícil mesmo é viver.

Natasha Lyonne, que escreve, produz e estrela a produção, se utiliza de uma premissa bastante simples (a repetição infinita de um mesmo dia na vida da protagonista, Nadya), mas que se torna extraordinária justamente porque Natasha jamais trata a narrativa de maneira simplória. Como as matrioscas, as bonecas típicas da Rússia referenciadas pelo título, a série faz com que cada um de seus oito episódios — e cada uma das mortes de Nadya — revele uma nova camada da história, sempre mais profunda do que a anterior, e é somente a partir do olhar que lança sobre si mesma e suas experiências, por mais difícil que seja analisá-los, que ela se torna verdadeiramente capaz de oferecer ajuda e se livrar do looping (e todas as implicações provindas dele) no qual está presa. E o que vem depois? Só Natasha Lyonne pode responder.

Para saber mais: Boneca Russa: o outro (e a si mesmo) como metáfora para a depressão

Broad City (Quinta Temporada), CBS

Por Carol Alves

Se essa lista é cheia de estreias que marcaram o ano, 2019 também trouxe algumas despedidas e Broad City é com certeza uma das que mais vai fazer falta. A série de Abbi Jacobson e Ilana Glazer chegou ao fim no seu ápice, apresentando uma temporada final que ainda tinha muito dos elementos nonsense que fizeram da obra uma das melhores comédias desta década, como também foi comovente e emocionante.

Hoje, existem muitas séries que abordam a amizade feminina e o mundo é melhor por isso , mas ainda em 2014 quando a produção começou, esse parecia um território que merecia mais atenção. E as duas comediantes provaram exatamente isso. Quando Abbi se muda de Nova York no último episódio, fica claro que a série não poderia existir em um mundo onde as duas não morassem na cidade, que foi pano de fundo para tantas situações absurdas e crescimento pessoal. O amor da sua vida pode chegar de vários jeitos diferentes. Para Ilana e Abbi, foi na amizade que elas acharam entre si.

Carmen Sandiego (Primeira e Segunda Temporadas), Netflix

Por Thay

Na onda dos reboots, a Netflix acertou em cheio ao trazer Carmen Sandiego para o serviço de streaming por meio de uma animação colorida, cativante e divertida. Baseando-se livremente no game de 1985 e nas produções posteriores de Where in the World is Carmen Sandiego?, a “nova” Carmen Sandiego é uma jovem órfã latina dublada por Gina Rodriguez e que está treinando na V.I.L.E. ao lado de outros colegas competentes. Com episódios de pouco mais de vinte minutos, Carmen Sandiego não perde tempo e loga coloca todas as cartas na mesa ao nos explicar os motivos que fizeram a protagonista romper com a V.I.L.E. e se transformar na famosa ladra de chapéu Fedora e casaco vermelho.

Carmen é uma jovem espirituosa, altruísta e inteligente, mas não carrega o mesmo mistério da personagem de antigamente — o que não é demérito da produção da Netflix, apenas outra maneira de contar a história. De Where in the World is Carmen Sandiego? permanecem as curiosidades e informações a respeito do país em que Carmen está, mostrando detalhes a respeito da culinária local, geografia e fauna. De oito a oitenta anos, Carmen Sandiego é fácil de amar.

Para saber mais: Carmen Sandiego: as muitas nuances de uma carismática anti-heroína

Crazy Ex-Girlfriend (Quarta Temporada), The CW

Por Mia

Apesar de eu ser uma grande consumidora de séries televisivas, existem poucas que realmente me marcam de forma a tornarem-se referências quase diárias na minha vida. Felizmente, Crazy Ex-Girlfriend é uma delas. A sitcom musical, que conta a história de Rebecca Bunch (Rachel Bloom) em sua jornada rumo à saúde mental, é perfeita.

A quarta e última temporada estreou no final de outubro do ano passado e teve sua finalização em abril deste ano, nos deixando órfãos de séries de qualidade com representatividade feminina, um bom show musical, humor e drama na medida certa. Nela, Rebecca já entendeu que é borderline e que, portanto, precisa de acompanhamento psicológico constante. Enquanto, nas três temporadas anteriores, os títulos dos episódios possuem os nomes dos interesses amorosos de Rebecca, como Josh e Nathaniel, nesta todos os episódios são nomeados com o “eu” em primeiro lugar como, por exemplo, o que abre a temporada: “I Want to be Here”, que retrata a insistência de Rebecca em assumir responsabilidade por seus atos, mesmo que seja aprisionada para isso. Não é à toa que a troca do sujeito principal nos nomes das temporadas acontece: antes ela se projetava nos outros, agora ela se enxerga completamente. O último episódio, “I’m in Love”, à primeira vista parece se tratar da decisão final do par romântico da protagonista. Contudo, assim como em Fleabag, ela descobre o amor em si mesma. Apesar de ainda possuir interesses românticas, Rebecca sabe que o amor é uma jornada de autoconhecimento, não de status de relacionamento.

Para saber mais: Crazy Ex-Girlfriend: os anos de aprendizado de Rebecca Bunch; Crazy Ex-Girlfriend e o futuro das comédias românticas; Crazy Ex-Girlfriend: Rebecca Bunch não é só uma garota apaixonada; Ela não está apenas triste: como a ficção tem retratado a depressão feminina

Éramos Seis, Globo

Por Jéssica Bandeira

Éramos Seis, a versão de 1996 do SBT, foi um dos marcos da minha infância noveleira. Como chorei vendo Lola (Irene Ravache) e Júlio (Othon Bastos), a família mais perfeita da São Paulo dos anos 1930! Quando a Rede Globo anunciou o remake, fiquei com medo. Porém, fui surpreendida positivamente. A versão 2019 de Éramos Seis é delicada e preciosa na medida certa, exatamente como a do SBT e as outras foram.

Em uma era em que consumimos tudo tão rápido, é uma lufada de esperança ter uma novela como Éramos Seis no ar. Ela respeita o ritmo da telenovela, por isso, muitas pessoas criticaram a obra por carecer de rapidez. Não havia como ser diferente. Éramos Seis atravessa a geração de uma família, então é óbvio que a transição teria de ser lenta. Éramos Seis é um lindo exemplo de como sabemos fazer telenovelas de qualidade.

Euphoria, HBO

Por Anna Vitória

Já dizia Alexandre Magno, o Chorão: o jovem no Brasil nunca é levado a sério. Não só no Brasil como no resto do mundo, parece existir uma dificuldade sistemática em se falar sobre adolescência e todas as questões que vêm com ela de maneira complexa, longe de armadilhas paternalistas, irresponsáveis ou simplesmente fantasiosas, e com a cultura pop não é diferente. Assisto séries adolescentes desde antes de ser adolescente e Skins foi a série da minha época, por isso foi imensamente satisfatório chegar aos 25 anos e ter a chance de assistir Euphoria. Correndo o risco de ser igualmente paternalista e também fantasiosa, digo que fico feliz ao pensar que os jovens (uuh) dessa geração têm a chance de crescer tendo como referência uma série que leva o jovem a sério.

A aposta de Sam Levinson, criador da atração, era alta: contar histórias de adolescentes que já nasceram com uma tela de antes dos olhos e tem na relação com a tecnologia e as redes sociais uma experiência formativa que afeta, maximiza e dramatiza outras experiências formativas da idade, como os conflitos com os pais, a descoberta da sexualidade e o contato com as drogas. Com trilha sonora e direção de arte impecáveis, a série consegue transitar por esses temas polêmicos e sedutores equilibrada em finíssimas linhas que separam Euphoria das armadilhas fáceis da romantização, infantilização ou do tratamento irresponsável de questões sérias. Eu demorei um tempo para perceber que os personagens de Skins, sem exceção, precisavam de terapia, enquanto Euphoria coloca a saúde mental de seus personagens como uma das questões centrais em todos os arcos narrativos, com complexidade e nuance ao falar de diferentes identidades, traumas e conflitos. Terminei a série com vontade de ir a uma festa usando a mesma maquiagem das personagens da série, que certamente vão marcar época, mas feliz por essa fase já ter passado na minha vida, o que acredito ser o melhor jeito de se olhar para a adolescência.

Para saber mais: Masculindade x Feminilidade: O debate de padrões em Euphoria

Evil, CBS

Por Carol Alves

Se você gosta de séries no geral, com certeza já ouviu falar de Michelle e Robert King. O casal é responsável não só por The Good Wife, como também pelo spin-off The Good Fight e pela série Braindead, que infelizmente durou apenas uma temporada. Agora, os dois se aventuram em uma produção completamente diferente do que eles já fizeram antes. Evil, estrelada por Katja Herbers e Mike Colter, é mais um seriado que aborda a dinâmica do cético versus homem de fé, criado por Arquivo X há muitos anos atrás. Na história, Kristin é uma psicóloga recrutada pelo padre David para trabalhar como consultora em casos sobrenaturais. Eles não só partilham uma química incrível nas telas, como também seguram diálogos interessantes sobre as diferenças em suas crenças  impossível não pensar em Mulder e Scully. O vilão de Michael Emerson (que também viveu Ben Linus em Lost) é de tirar o fôlego, e se encaixa em uma conspiração que coloca em questão assuntos como bem o mal e como lidar com todas essas superstições no mundo atual e tecnológico.

Evil é uma série dinâmica, com um texto atual e importante, que não tem medo de ficar muito estranha sendo que, ao invés disso, abraça essa característica sem pensar duas vezes. Tudo que é ótimo nas séries de Michelle e Robert King está aqui, com alguns elementos extras para completar. E, o melhor, já foi renovada para segunda temporada.

Filhos da Pátria (Segunda Temporada), Globo

Por Jéssica Bandeira

A família Bulhosa saiu diretamente da época do Império para a Revolução de 30, quando o presidente Washington Luís foi deposto por Getúlio Vargas. Filhos da Pátria, série criada por Bruno Mazzeo, atingiu a maturidade nesta segunda temporada. Mesmo com um salto temporal de um século, Filhos da Pátria manteve-se fiel ao seu objetivo: fazer crítica social fantasiada de uma série sobre uma família que deseja vencer na vida. Teresa Bulhosa (Fernanda Torres) continua querendo entrar para a alta sociedade, ao passo que Geraldo (Alexandre Nero) permanece preso à máquina pública, sem outra opção a não ser “fazer o amor acontecer”, um eufemismo para corrupção.

Filhos da Pátria conseguiu, nesta temporada, traçar um paralelo muito interessante com o Brasil de 2019. Tudo começa com um golpe militar na década de 30, quando Vargas assume o poder. Um governo autoritário fantasiado de democracia assume, capitaneado por Vargas. Uma das cenas mais marcantes da temporada é Teresa batendo panelas na rua, dizendo “Tchau, querido!” e fazendo arminha com a mão. Uma imagem que simboliza demais o que vivemos neste momento. Dessa e de outras formas, a segunda temporada da série mostra como as coisas pouco mudaram. A escravização acabou, mas as empregadas são obrigadas a dormir na casa de suas patroas em um quartinho minúsculo. A máquina pública continua burocrática e corrupta. Até a abertura de Filhos de Pátria atingiu seu ápice. Nela, podemos ver operários trabalhando, embaixo, para um senhor que comanda tudo de cima. O rádio simboliza o poder da comunicação e manipulação. E o mais precioso: Fernanda Torres debocha da cultura bairrista do Rio Grande do Sul ao esmagar a erva dentro da cuia do chimarrão. Talvez a série não seja renovada mas, com certeza, ficará na memória.

Fleabag (Segunda Temporada), Amazon Prime Video

Por Mia

Criada por Phoebe Waller-Bridge, Fleabag é boa do início ao fim. No entanto, sua segunda e última temporada, que estreou neste ano, é excelente. A história da jovem adulta emocionalmente devastada, financeiramente quebrada e psicologicamente exausta passa de uma dramédia, da primeira temporada, para uma história de amor, na segunda.

A história de amor não é sobre o Padre Gato. Apesar de ele ser um dos pontos altos da temporada, a verdadeira história vai muito além dele e de seu romance com a protagonista. O primeiro passo para amar alguém é aprender a se amar, e é isso que Fleabag faz. Após toda uma temporada lidando com o luto e com escolhas prejudiciais a si mesma e a quem a cercava, Fleabag foi para a terapia, começou a lidar com seus traumas e já não se odeia tanto assim. É genial a forma como Phoebe Waller-Bridge nos conduz, durante somente 12 episódios, a nos identificarmos com uma protagonista que não é boa nem má: apenas real. A jornada dela não termina em um relacionamento, mas continua fora dos nossos olhos, agora sem a necessidade de se justificar e fugir de si mesma através de uma personagem inventada. Ser quem se é pode ser doloroso, e aceitar isso é um passo importante rumo ao amor real. Fleabag é perfeita por ser imperfeita, como todas as suas nuances.

Good Omens, Amazon Prime Video

Por Mia

Uma série infanto-juvenil que conquistou fãs de todas as idades, Good Omens, obra saída das mentes de Neil Gaiman e Terry Pratchett, foi brilhantemente adaptada neste ano. Leve, divertida e com uma excelente trilha sonora, a série criou todo um novo fandom a David Tennant e Michael Sheen e, só por isso, já sou muito grata. Mas, para além disso, num ano em que todas estivemos sobrecarregadas com as questões do (des)governo e o medo de ter a liberdade cerceada, foi bom demais encontrar escapatória numa obra tão bonita e empolgante.

Um anjo e um demônio tentam impedir o Armagedom. Só essa frase já me conquistaria, mas fiquei ainda mais animada ao saber que o anjo, Aziraphale, é Michael Sheen e o demônio, Crowley, é David Tennant. Ambos são excelentes e, a partir daí, não havia possibilidade de eu não gostar da série, ainda que ela não tivesse boa qualidade. Porém, esse não foi o caso. Good Omens é excelente no que se propõe. Ela nos promete um conto de fadas moderno, envolvendo um velho Mustang infernal, um anjo livreiro e uma amizade que dura milênios, desafiando completamente as leis do céu e do inferno. Apesar de ser focada no relacionamento entre os dois, ela também possui personagens femininas maravilhosas, como Anathema Device (Adria Arjona) e Agnes Nutter (Josie Lawrence), as bruxas da história. Com um universo mágico repleto de seres bíblicos, que não seguem as convenções sociais, e criaturas místicas, temos aqui a série perfeita para esquecer os problemas e mergulhar no encantamento.

Killing Eve (Segunda Temporada), BBC 

Por Juliana Bittencourt

Killing Eve é mais um exemplo de que séries, filmes e demais produções criadas e protagonizadas por mulheres são maravilhosas (e aqui generalizo sem um pingo de culpa). Ainda mais quando se trata de enredos já tão vistos e conhecidos pelo público, como o drama entre bandido e policial, porque o resultado é quase sempre algo novo e surpreendente. A série também veio para mostrar que a Phoebe Waller-Bridge, sua criadora e roteirista, é um gênio.

Se, na primeira temporada, Eve (Sandra Oh), uma detetive do serviço secreto britânico, e Villanelle (Jodie Comer), uma assassina de aluguel cheia de personalidade e estilo, descobrem uma a outra com raros e esperados encontros “cara a cara”, na segunda, a interação preenche a tela, o que só aumenta a atração mútua criada durante os episódios até aqui. Geralmente, essa tensão fica apenas no subtexto e não passa de algumas migalhas para que os fãs possam fazer possíveis interpretações. Mas, um dos méritos de Killing Eve é não ter medo de subverter e trazer cada pedaço da trama para a frente das câmeras, desde o relacionamento entre as duas até o lado obscuro e perigoso de Eve. São esses fatores que garantem uma temporada tão boa quanto a primeira. Por fim, as atuações continuam impecáveis, mas falar isso chega a ser um pleonasmo.

Para saber mais: Killing Eve: quebrando paradigmas nas narrativas de espionagem

Modern Love, Amazon Prime Video

Por Mia

Eu definitivamente não estava esperando por Modern Love. Quando ela estreou, no início de novembro, eu já havia fechado a minha lista de melhores do ano e nem imaginava que 2019 ainda me reservava uma boa surpresa. Mas ela, felizmente, aconteceu: Modern Love é uma das séries mais bonitas e delicadas que já assisti.

Com somente oito episódios, a primeira temporada conta histórias reais, originalmente publicadas na coluna de nome homônimo do The New York Times. Todas elas são sobre o amor, indo desde a amizade até às memórias do luto. Foram muitos os sentimentos assistindo a série, que consegue expressar momentos íntimos em um relacionamento de forma real. Uma mulher tenta disfarçar sua bipolaridade, com medo de não ser amada. Dois homens querem adotar uma criança, e encontram uma maneira pouco ortodoxa de fazê-lo. Um homem que ajuda outros a encontrarem o amor ainda não conseguiu viver direito seu próprio romance. Uma aluna começa a sair com um professor porque ele lhe lembra o pai, mas sem intenções amorosas. Uma mulher acha que seu porteiro interfere muito em sua vida quando, na verdade, ele é seu melhor amigo. São histórias singelas e sinceras, sem vilões ou heróis, apenas pessoas desejando o amor numa cidade caótica, como todos nós.

Mr. Robot (Quarta Temporada), USA Network

Por Natália

Planejada desde o início para durar cinco temporadas, Mr. Robot surpreendeu com o anúncio de que a série se encerraria em sua quarta temporada. Apesar do choque inicial, devo confessar que a ideia foi excelente. A quarta temporada possui um ritmo empolgante e se encaminha para um desfecho digno daquela que foi uma das produções mais singulares que a TV estadunidense nos ofereceu nos últimos anos.

Resumidamente, Mr. Robot é um drama criado por Sam Esmail que apresenta a história de Elliot Alderson (Rami Malek), um jovem programador que se divide entre o trabalho com segurança cibernética e suas ações como hacker vigilante. Ao longo das quatro temporadas, a série se destacou por sua complexidade narrativa e pelo espetáculo nada convencional que oferece visualmente. Sentirei saudades de Mr. Robot, mas nesse mundo com tantas séries decadentes que se arrastam até o limite para prolongar histórias que já se perderam no caminho, é um alívio ver Mr. Robot ir embora no mesmo alto nível com que estreou.

Olhos que Condenam, Netflix

Por Fernanda

Em 1989, o caso da “corredora do Central Park” ganhou todos os holofotes da imprensa norte-americana: uma mulher jovem e bem-sucedida foi estuprada e brutalmente violentada enquanto corria, à noite, em seu tempo livre, em dos grandes cartões-postais de Nova York. A violência que sofreu foi tão brutal que ela passou doze dias em coma e, quando despertou, tinha uma série de sequelas físicas como uma dolorosa lembrança daquilo que sua memória havia apagado. Em 1990, cinco adolescentes foram condenados diante de um júri pelos crimes. Durante doze anos, Korey Wise, Raymond Santana Jr., Yusef Salaam, Kevin Richardson e Antron McCray foram considerados estupradores. Em 2002, suas sentenças foram anuladas pela justiça; compensados financeiramente pela cidade e pelo estado de Nova York, os cinco homens, no entanto, jamais poderão recuperar suas adolescências perdidas no sistema prisional — e, embora tenham sido inocentados pela própria justiça que os condenou, viverão eternamente sob desconfiança de pessoas como o atual presidente norte-americano, que ainda hoje segue questionando a resolução dada ao caso em 2002. À época do julgamento, quando ainda era só um homem rico e excêntrico, Donald Trump chegou a pagar por anúncios de página inteira em jornais de grande circulação para demandar que a pena de morte voltasse a figurar na legislação do estado de Nova York.

Em 2019, coube à incrível Ava DuVernay contar, com muita sensibilidade, a história dos cinco garotos — e de suas famílias — antes, durante e depois da investigação, do julgamento e da prisão. Em seus quatro episódios, a minissérie retrata os perigos de um trabalho investigativo apressado e mal feito a fim não de efetivamente solucionar um crime bárbaro e cruel, mas saciar a sanha punitivista de uma sociedade que no fundo não está nem aí para as vítimas, e sim para o espetáculo. Os cinco garotos foram condenados apesar da falta de provas contundentes, das incongruências entre suas confissões, das inconsistências entre a narrativa apresentada pela promotoria e os fatos concretos a respeito do crime. Olhos que Condenam é um retrato bastante amplo de como o racismo estrutural destrói vidas inteiras e de como a “justiça”, quando parcial e irresponsável, pode levar a injustiças irreparáveis. DuVernay conseguiu extrair boas performances de cada membro de seu numeroso elenco, mas é o trabalho fenomenal de Jharrel Jerome interpretando Korey Wise o grande destaque da minissérie.

O último dos quatro episódios é dedicado inteiramente a Wise, que, com dezesseis anos, foi julgado e condenado como adulto, diferentemente dos outros quatro garotos. Sempre a quilômetros de distância da família, recebido como estuprador na prisão, Korey vive física e psicologicamente na solitária quase o tempo todo, e Jerome representa seu frágil estado emocional com muito carinho e cuidado. A hora final da série é particularmente dolorosa e desesperadora de acompanhar — sinal de que Ava, equipe e elenco fizeram um excelente trabalho. É arte, e arte muito bem feita, mas é arte que nos força a olhar para além de suas escolhas formais e estéticas e questionar quantos outros Koreys podem estar por aí, pagando — talvez com a própria vida, como gostaria o hoje presidente americano em 1989 — por crimes que não cometeram.

On My Block (Segunda Temporada), Netflix

Por Tati Alves

Excedendo expectativas, a segunda temporada de On My Block navega pelas deixas da primeira temporada e mostra um lado mais vulnerável dos seus personagens. Após o tiroteio na festa de Olivia, Ruby (Jason Genao) tenta lidar com o trauma que o episódio lhe deixou. Cesar (Diego Tinoco) foi expulso de casa e Monse (Sierra Capri) reflete na decisão de conhecer sua mãe. Jamal (Brett Gray) perde a cabeça quanto mais tempo passa guardando o segredo de RollerWorld.

A segunda temporada é mais especial por explorar personagens que nos deram um gostinho de querer mais na temporada anterior, como é o caso de Jasmine (Jessica Marie Garcia), que conhecemos um pouco mais da sua história e se torna uma pessoa importante para Ruby ao longo da temporada; e Oscar “Spooky” (Julio Macias), irmão de Cesar, que se envolve mais com o elenco e conseguimos relacionar um pouco mais com ele. Essa temporada fala mais sobre a violência e os traumas causados dentro da comunidade, porém também conseguimos ver como as pessoas da comunidade navegam isso. O lado cômico da série anda lado a lado com as cenas tristes e sérias equilibrando cenas atrás de cenas, que transformam os dez episódios em uma maratona que te deixa com vontade de mais.

Patrulha do Destino (Primeira Temporada), DC Universe

Por Isabela Reis

Uma série que se juntou ao crescente catálogo de projetos da DC Comics para as telinhas foi Patrulha do Destino (Doom Patrol, no título original). Criada para o serviço de streaming da editora, o DC Universe, conta a história de um grupo de desajustados que devem se manter isolados por terem características que os tornam peças quase impossíveis de se encaixar na sociedade. Abrigados em uma mansão pelo cientista Niles Caulder (Timothy Dalton), o Homem-Robô (Brendan Fraser), Crazy Jane (Diane Guerrero), Mulher-Elástica (April Bowlby), Homem-Negativo (Matt Bomer) e, mais tarde, o Cyborg (Joivan Wade), são obrigados a se unir para salvar o planeta das ameaças do vilão Sr. Ninguém (Alan Tudyk). Os personagens foram introduzidos pela primeira vez em Titãs, mas ganham uma roupagem nova no título próprio.

A graça de Patrulha do Destino é que a série não tenta esconder que é baseada em quadrinhos, e insere no enredo todos os elementos absurdos que são comumente encontrados nas páginas das HQs. Banhados a sangue e palavrões, os membros da equipe não seguem o senso tradicional de moralidade, e não é difícil vê-los tomar posições eticamente questionáveis. Também aborda temas difíceis como abuso, pedofilia, doenças mentais, adultério e homofobia de maneira sensivelmente sagaz, com os traumas e arrependimentos dos heróis sendo trabalhados gradativamente a cada episódio. É uma história de família e experiências dolorosamente humanas – mesmo que os próprios personagens já não se considerem pessoas de verdade.