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Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Cinema

Dentre os muitos braços da indústria do entretenimento, o cinema talvez tenha sido o mais visivelmente afetado pela pandemia — e, por esse motivo, também aquele capaz de demonstrar de forma mais óbvia como se adaptar (ou não) ao inesperado. 2021 começou com cinemas fechados, premiações remotas (parcial ou totalmente), filmes adiados ou diretamente lançados em streaming. Mas foi também o ano em que vimos Chloe Zhao se tornar a segunda mulher a receber um Oscar de Melhor Direção, e a primeira mulher não-branca a fazê-lo; uma conquista que merece ser lembrada e celebrada.

Ainda há muito para se discutir sobre o futuro do cinema e como a pandemia alterará, de maneira definitiva ou apenas momentânea, a maneira de se fazer e consumir cinema. Mas 2021 foi um ano memorável — de conquistas e perdas, mas também de muitas histórias.

A Crônica Francesa, Wes Anderson

Por Fernanda Irada

A Crônica Francesa, de Wes Anderson, relata histórias pitorescas que aconteceram na cidade ficcional de Ennui-sur-Blasé, sem desprezar a personalidade e história pessoal dos cronistas, tão interessantes quanto suas próprias obras. Sob o comando de um jornalista americano radicado da França interpretado ninguém menos que Bill Murray, presença obrigatória nos filmes do diretor, o longa entrega tudo o que os fãs de Wes Anderson esperam: paletas de cores, plano sequência e elenco impecável.

Baseado na admiração do diretor pela revista The New Yorker, o enredo conta quatro seções da revista: uma sobre o cotidiano da cidade, em “O Repórter Ciclista”; outra sobre um pintor encarcerado, em “A Obra-Prima Concreta”; os protestos e greves encabeçadas por universitários, em “Revisões a um Manifesto”; finalizando com uma pitada de culinária e perseguição policial  em “A Sala de Jantar Privada do Comissário de Polícia”. Tendo como inspiração algumas personagens reais, como Lord Duveen, retratado como Julian Cadazio (Adrien Brody); uma mistura de James Baldwin e A. J. Liebling, como Roebuck Wright (Jeffrey Wright), e os eventos narrados por Lucinda Krementz (Frances McDormand) foram baseados no artigo de Mavis Gallant “The Events in May: A Paris Notebook,” publicados pela New Yorker. Seja com cenas preto e branco ou coloridas de ambience vintage, Wes Anderson declara seu amor à revista, ao jornalismo e ao cinema francês.

Ataque dos Cães, Jane Campion

Por Tainara

Primeiro filme de Jane Campion depois de doze anos, Ataque dos Cães (The Power of the Dog), baseado no romance de Thomas Savage, se passa em 1925, em um rancho cercado por montanhas pontiagudas e quilômetros de paisagem árida e monótona em Montana . Lá, o bronco Phil Burbank (Benedict Cumberbatch) fez sua vida como pastor de gado, enquanto seu gentil irmão, George (Jesse Plemons), insatisfeito com sua realidade severa, encontra companhia no casamento com a viúva local Rose (Kirsten Dunst). Porém, Rose e seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee) desarranjam o cotidiano como Phil conhecia.

Campion navega pelo gênero do faroeste, que frequentemente trata da masculinidade, para travar o confronto entre o Oeste americano hostil e rígido e um Oeste do futuro e da civilidade. Nessa dinâmica, o elenco do filme brilha. Dunst carrega em todas as suas expressões e gestos a dor de sua personagem, enquanto Plemons encarna muito bem o homem contido e de poucas palavras em reação aos abusos do irmão. Centro do filme, Cumberbatch registra muito bem a brutalidade de Phil, que se mostra inicialmente apenas como um tirano, mas que é desnudado ao decorrer da narrativa com a aproximação de Peter, adolescente sensível mas com outras facetas a serem descobertas. Ataque dos Cães oferece uma experiência de apreciação sobre a relação entre os dois irmãos e suas diferentes visões de mundo, assim como masculinidade, desejo e relações de poder.

Duna, Denis Villeneuve

Por Tassiane

Uma das adaptações mais aguardadas de 2021, Duna, dirigido por Denis Villeneuve (Blade Runner 2049, A Chegada), foi certamente épico, assim como a adaptação clássica de 1965. O grande desafio de adaptar o início da trajetória profética do herói Paul Artreides foi acolhido com muito cuidado pelo legado que a obra de Frank Hebert conquistou no cenário da ficção científica.

A trama do filme prepara o terreno para um cenário messiânico. A família Artreides fica responsável por administrar o planeta Arrakis, mais conhecido como Duna devido às suas paisagens vermelhas e desérticas. Contudo, em contraste com cenário brutal, essa terra é a única fonte da “mélange”, ou “especiaria”, uma matéria-prima importante para inúmeros interesses políticos e econômicos — além de ser o que torna as viagens interespaciais possíveis. Tratando de uma obra tão complexa, Duna tem muito do que uma boa adaptação de livro precisa ter, e conta com atuações marcantes em um elenco de peso, estrelando Zendaya, Timothée Chalamet, Jason Momoa, entre outros.

Doutor Gama, Jeferson De

Por Iolly

Neste ano, foi lançado Doutor Gama, cinebiografia do advogado, jornalista e poeta brasileiro, conhecido por ter sido responsável pela libertação de mais de 500 escravizados. O filme de Jeferson De trata o tema da escravização de forma sensível, com enfoque na subjetividade do protagonista. Por essa razão, é recomendado para fins educativos e por todos que desejam conhecer a trajetória de vida impressionante de Luiz Gama.

Na sinopse, Luiz Gama, nascido livre, é vendido como escravizado pelo seu próprio pai. Ele consegue ser alfabetizado e reúne provas de sua liberdade. Passa, então, a atuar como advogado em prol da libertação de pessoas negras em situação de escravização. Esse filme é um marco, tendo em vista que no cinema e na televisão brasileira ainda há poucas representações de personalidades históricas negras, especialmente intelectuais, assim como de narrativas autobiográficas de ex-escravizados. No momento preciso, provoca a reflexão sobre a luta por direitos em tempos incertos.

Para saber mais: Doutor Gama: a luta incessante pela liberdade

Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, Jon Watts

Por Thay

Sim. Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é isso tudo e muito mais. Além de um encerramento impecável da trilogia iniciada por Jon Watts em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, é uma verdadeira carta de amor ao personagem — um dos mais queridos do universo Marvel — e aos fãs. Aqui não vou dar spoilers, mas se você ama o Cabeça de Teia, vai se emocionar e muito com a trama desse longa e com a interpretação impecável de Tom Holland. O ator, que sempre se mostrou verdadeiramente encantado em interpretar a mais recente encarnação de Peter Parker, se entrega de corpo e alma para o papel e o resultado é incrível, de fazer o mais cético dos fãs encher o peito de orgulho com o que é apresentado em tela grande.

Claro que muito do filme gira em torno da interpretação de Holland, mas não dá pra deixar de mencionar Zendaya, sempre perfeita como MJ, e o elenco que retorna das trilogias anteriores não deixa nada a desejar, entregando nostalgia e novidade em medidas quase iguais. Ademais, a narrativa de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é mais uma pecinha se encaixando no ambicioso universo Marvel que vai estendendo seus tentáculos mundo afora.

Para saber mais: Homem-Aranha: De Volta ao Lar; Homem-Aranha: Longe de Casa – novos tempos para o MCU?; Homem-Aranha no Aranhaverso: a vez de Miles Morales.

Identidade, Rebecca Hall

Por Tainara

A estreia da atriz Rebecca Hall atrás das câmeras traz à luz uma narrativa sensível e brutal. Adaptação do livro de Nella Larsen, Passing (1929), Identidade se passa nos anos 20, em Manhattan, e tem como centro o reencontro de duas mulheres: Irene (Tessa Thompson) e Clare (Ruth Negga), que reacendem sua amizade depois de anos separadas. O relacionamento entre elas, no entanto, está longe de ser fácil. Irene e Clare são mulheres negras de pele clara que podem se passar por brancas, mas enquanto a primeira raramente ultrapassa essa linha, a última a ultrapassou integralmente, a ponto de esconder sua verdadeira identidade para o próprio marido, John (Alexander Skarsgård), um racista convicto.

Filmado em preto e branco, com cenários pouco extravagantes e em proporção 4:3, o filme de Hall destaca a performance de seus atores e a angústia que Irene e Clare sentem, mas que não podem revelar. Identidade mostra como Irene e Clare, cada uma à sua maneira, transpassam os limites de suas identidades para reforçar o status social e driblar as repressivas normas que se forçam sobre diversos aspectos de duas vidas. O resultado é um filme elegante, delicado e devastador.

Noite Passada em Soho, Edgar Wright

Por Thay

A jovem Eloise (Thomasin McKenzie) é apaixonada por moda e vê a oportunidade de realizar seu sonho de se transformar em uma grande designer quando é admitida em uma faculdade em Londres. A transição da vida do interior que levava morando com sua avó para a cosmopolita e alucinante Londres é assustadora, mas Eloise segue em frente mesmo assim. A jovem precisa lidar com colegas pouco simpáticos, uma rotina de estudos e, como se não bastasse, o fato de que consegue ir para a década de 1960 quando vai dormir. Quanto está por lá Eloise acompanha a vida de Sandie (Anya Taylor-Joy), uma jovem que sonha em se tornar cantora e se apresentar nas grandes casas de show de Londres. É ao se apresentar para um teste que Sandie conhece Jack (Matt Smith), que promete ajudá-la a se tornar famosa — mas é claro que nada é tão simples quanto parece ser.

Noite Passada em Soho é um filme tenso, que te deixa grudada na cadeira querendo saber logo o que vem depois e desvendar o mistério que toma conta de Eloise e Sandie. O filme é um thriller psicológico que aos poucos vai mostrando suas camadas, desvendando as histórias entrelaçadas de Eloise e Sandie, quebrando pouco a pouco as sombras que envolvem as duas garotas separadas por quase sessenta anos. O glamour da vida de Sandie encanta Eloise em um primeiro momento, que começa a trazer as características da cantora para sua vida no presente, mas a estudante começa a perceber que nem tudo é música e diversão na vida da outra. Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy estão perfeitas em seus respectivos papéis, dando vida às suas personagens com maestria. A fotografia de Noite Passada em Soho é perfeita para nos deixar tão tensos quanto suas personagens, olhando por cima do ombro a cada esquina, com medo do que pode aparecer do outro lado. Noite Passada em Soho também é um dos últimos trabalhos concluídos por Diana Rigg, que faleceu em 2020.

Eternos, Chloé Zhao

Por Marina

Como boa marvete, o filme que mais tocou meu coração em 2021 tem que ser Eternos. Quem não gostou não entendeu o conceito. Eu poderia gastar parágrafos falando sobre como Chloé Zhao renovou a “fórmula Marvel” e criou mais que um filme de super heróis, mas uma história cheia de coração e humanidade.

Além disso, me apeguei a todos os personagens e ver como cada um ganha espaço na tela e um desenvolvimento digno tornou Eternos um dos meus filmes favoritos do MCU. O elenco está incrível e o filme valeu cada segundo! Além disso, um simples “my beautiful, beautiful Makkari” conseguiu tornar Druig (Barry Keoghan) e Makkari (Lauren Ridloff) meu novo casal favorito da Marvel.

Para saber mais: A trajetória de Chloé Zhao

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, Destin Cretton

Por Marina

Outro marco do MCU em 2021 que não pode ficar de fora da lista de Melhores do Ano é Shang Chi e a Lenda dos Dez Anéis, que apresentou um dos principais heróis asiáticos da editora e aqueceu meu coração do início ao fim. Trilha sonora incrível, cenas de ação épicas e um elenco perfeito foram a fórmula para um dos melhores filmes de origem do estúdio (e para a minha recente paixão pelo herói e por seu intérprete, Simu Liu). A dupla Katy (Awkwafina) e Shang é uma das melhores do universo cinematográfico Marvel e eu mal posso esperar pro futuro deles entre os Vingadores.

Spencer, Pablo Larraín

Por Thay

Spencer, filme de Pablo Larraín protagonizado por Kristen Stewart, não pretende ser uma cinebiografia comum. Muito pelo contrário, o roteiro da produção toma diversas liberdades criativas para contar uma história da Princesa Diana com a qual o grande público não está exatamente acostumado. Para além das diversas produções inspiradas nas vidas dos membros da família real britânica, Spencer consegue mostrar as rachaduras que não estão apenas na superfície de um legado de séculos e que quebra o seus sem pensar duas vezes. Em Spencer, Diana — uma Kristen Stewart impecável em seus gestos, falas e olhares — chega em  Sandringham House para os três dias de festividades natalinas junto dos parentes de seu marido, mas tudo o que ela deseja é fugir para o mais longe do lugar.

Impedida pelas amarras apertadas dos protocolos da família real, Diana sente-se sufocar diante do olhar de todos — da família, dos funcionários da rainha e, principalmente, da mídia. Ainda que não apareça de fato durante o longa, a pressão da mídia paira sobre a cabeça de Diana, deixando-a cada vez mais presa e sufocada em uma situação da qual não parece conseguir encontrar saída. Spencer explora as nuances de uma vida claustrofóbica, as paranoias que passam pela mente de Diana e se transforma em um filme que vai além da ideia central de contar mais uma história sobre a Princesa de Gales. Spencer se torna a narrativa de uma mulher e uma esposa, uma mãe, e uma pessoa podada por todos aqueles que deveriam protegê-la e optam por simplesmente olhar para o outro lado.

Para saber mais: Spencer: uma fábula de uma tragédia verdadeira

The Green Knight, David Lowery

Por Thay

Tramas do universos arthuriano sempre falam de perto com o meu coração, e não seria diferente com The Green Kinght. O longa dirigido roteirizado por David Lowery e protagonizado por Dev Patel é uma fantasia épica das melhores e conta uma das minhas tramas favoritas da lendas do Rei Arthur. Quando um misterioso cavaleiro surge no reino de Camelot, Sir Gawain (Patel), sobrinho do Rei Arthur, decide embarcar em uma missão para enfrentá-lo. O caminho até lá, no entanto, contará com desafios enormes, tais como enfrentar fantasmas, gigantes, enganadores e todo tipo de trapaça, o que coloca a vida de Gawain em risco.

Além de contar com um elenco carismático, The Green Kinght se tornou uma das adaptações mais bem sucedidas de uma história inspirada nas lendas arthurianas. O filme foi exaltado pela crítica especializada como um épico assombroso e hipnótico, visto que a fotografia é ligeiramente não convencional, nos fazendo mergulhar em um universo completamente à parte. A interpretação de David Lowery para um conhecido conto faz com que assistir a produção se torne algo imersivo, aquele tipo de produção que você termina de assistir e ainda fica um bom tempo sentado, apenas tentando digerir tudo o que acabou de acontecer. E, óbvio, olhar Dev Patel é sempre uma ótima distração, não somente por sua beleza, mas também por sua interpretação impecável de Sir Gawain.

Um Crush para o Natal, Michael Mayer

Por Paloma

Nos últimos anos, tenho me acostumado a esperar aguardar ansiosamente por aquele título delicioso que vai se juntar à minha mais nova categoria favorita de filmes: a comédia romântica LGBTQIAP+ de Natal. Se em 2019 tivemos um gostinho dessa editoria com Deixe a Neve Cair e Happiest Season entrou para a lista em 2020, Um Crush para o Natal (ou, no original, Single All The Way) chega agora para somar. No filme, Peter (Michael Urie) leva o melhor amigo Nick (Philemon Chambers) para passar o Natal com sua família. Chegando lá, a família trama para que os dois percebam que estão apaixonados e fiquem juntos.

Sem negar que ainda temos um longo caminho pela frente nos quesitos representatividade e volume de obras mais “diversas”, nós podemos pelo menos ter a pequena felicidade de maratonar filmes um pouco menos heteronormativos que o filme de Natal tradicional. Nesse quesito, Um Crush para o Natal merece nota MIL por levar em conta diversos incômodos e questões continuamente apontados no grosso das obras com protagonismo LGBTQIAP+. O primeiro acerto é o fato de que um dos protagonistas é negro. A representatividade racial basicamente termina por aí, o que ainda está muito longe do ideal, mas pelo menos é um personagem proeminente, querido e bem representado. Além disso, fiquei feliz em ver que não seria mais uma história de saída do armário. Muito pelo contrário. Peter é gay e isso não é uma questão para ninguém na família. Muito pelo contrário, todos se envolvem ativamente na sua vida amorosa e torcem para que ele encontre um amor e seja feliz. O que mais a gente pode querer de um filme de Natal?

Wendy Williams: What a Mess! (Lifetime)

Por Ana Azevedo

Você pode nunca ter assistido um programa da apresentadora americana Wendy Williams mas com certeza você a conhece pelos memes. Wendy começou sua carreira no rádio, um espaço dominado por homens, e logo conquistou sucesso por sua personalidade forte e por não ter medo de falar sobre assuntos polêmicos. Foi na TV que ela alcançou sucesso nacional e internacional, principalmente por falar sobre a vida das celebridades de uma maneira divertida, cheia de bordões e sem pudores.

No documentário lançado no começo de 2021, Wendy não fala sobre a vida das outras pessoas: pela primeira vez, Wendy fala abertamente sobre sua vida privada, discutindo momentos de alegrias e humilhações que ela passou desde a infância até o recente (e escandaloso) divórcio. Wendy explora, muitas vezes sem perceber, tópicos como dismorfia corporal, gordofobia, racismo, codependência e misoginia.  Mais do que saber sobre as fofocas de uma apresentadora de TV, o documentário serve de lição sobre os mais variados problemas que toda mulher, em especial mulheres negras, enfrentam todos os dias. Mesmo as que conseguem chegar no topo.

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