Iniciando a temporada de filmes natalinos, a Netflix lançou no início de novembro o filme Deixe a Neve Cair, adaptação da coletânea de mesmo nome escrita por John Green, Lauren Myracle e Maureen Johnson. Nela, os três contos inspiram novas histórias e a produção consegue dar um novo ar aconchegante que nos faz sentir o espírito natalino chegando mais cedo.
Atenção: esse texto contém spoilers!
O filme inicia com Julie (Isabela Merced) presa no trem indo para casa por causa da neve na estrada. Ela encontra por acaso Stuart Bale (Shameik Moore), um cantor famoso, quase como em um meet cute às avessas: quando o astro pop deixa seu celular cair no corredor do trem, Julie o chama para devolver o aparelho, porém ele a confunde com uma fã e o diálogo não deixa uma boa impressão dele para Julie. A conexão entre os dois não é instantânea e nem o romance é iniciado logo de cara, no entanto, mesmo vindo de universos diferentes ambos se encontram e se distraem com um objetivo em comum: dar um tempo em suas vidas reais e os dilemas que carregam.
Julie descobriu que foi aceita na Universidade de Columbia, em Nova York, e como qualquer adolescente de uma cidade pequena, ela quer ir embora de lá; o problema é que sua mãe está doente e talvez o próximo ano seja o último que elas possuem para estar juntas. O Natal é o feriado mais importante para a sua mãe e então Julie precisa que esse, em particular, seja especial até que possa tomar sua decisão.
Em outro ponto da cidade, Tobin (Mitchell Hope) segue Duke (ou Angie, interpretada por Kiernan Shipka) a uma festa onde eles encontram JP Lapierre (Matthew Noszka), um universitário que curte meditação e faz trabalhos voluntários. Tobin estava decidido a contar a Duke sobre seus sentimentos, mas ao ver a menina com outro garoto o ciúmes leva a melhor. O ponto mais alto da história envolve uma perseguição automobilística em que os três adolescentes confiam em Carla, o velho carro de Tobin, para fugir dos gêmeos Reston (Jon e Jaime Champagne) depois que eles roubam o galão de cerveja da festa.
A história de Duke/Angie, Tobin e JP poderia ter virado o clássico triângulo amoroso em que garotos se tornam rivais na luta pelo coração da mocinha, mas em todo momento se percebe o que há entre Tobin e Angie e, por mais que JP aparente ser a personificação dos estereótipos do gênero, ele se apresenta como genuinamente amigável e pronto para ajudar todo mundo. Na cena da igreja, quando Tobin e Angie estão cantando “Whole of the Moon”, canção do The Waterboys, e podemos ter a certeza de que as coisas vão se resolver entre eles, JP puxa Angie para dançar com ele enquanto Tobin toca no grande piano. Por mais que Tobin tenha deixado seu ciúmes atrapalhar o momento, JP não o fez para causar ciúmes ou ganhar o coração de Angie, mas sim porque eles estavam sendo adolescentes em uma aventura e se divertindo como se não houvesse consequência para os seus atos. A prova de que não há um triângulo na história é no final, depois de Tobin e Angie terem comunicado seus sentimentos, quando Tobin pergunta se eles ainda podem sair com JP porque ele é um cara legal.
Enquanto isso, Addie (Odeya Rush) monitora seu namorado pelas redes sociais e sai em sua caça depois de ele não responder suas mensagens e ainda estar on-line. Ignorando o conselho de sua melhor amiga, Addie precisa encontrá-lo e impedir que ele termine com ela e por isso briga com a amiga. A história de Addie envolve uma discussão sobre tecnologia com a lenda viva da cidade, uma mulher que veste papel alumínio e dirige um guincho (Joan Cusack), e uma reflexão sobre como essa geração está sempre conectada aos passos dos outros, mas nem isso é capaz de ter controle sobre as ações das outras.
Addie é solitária e tenta superar a negligência da mãe, que não quer nem passar a véspera de Natal ao seu lado, procurando carinho em pessoas que não a merecem e não ligam para os seus sentimentos, o que a faz esquecer de quem está ali sempre ao seu lado. Insistir na relação com o seu namorado é inútil e ela acaba percebendo que a relação mais importante que tem é com a sua melhor amiga, que sempre esteve ali esperando todas as desilusões dela de braços abertos e pronta para dar puxões de orelha quando fosse preciso. A história de Addie nos lembra que o amor romântico não é tudo e que existem conexões tão fortes e tão importantes quanto.
Dali para a Waffle House, a chegada de líderes de torcida faz Dorrie (Liv Hewson) rever seus sentimentos sobre Kerry (Anna Akana). Quando é ignorada pela menina ao lado de suas amigas, Dorrie precisa confrontar Kerry de frente e isso resulta em um beijo no banheiro da lanchonete que deixa Dorrie ainda mais confusa. Ela tinha certeza de que o primeiro encontro que tiveram foi ótimo, que elas se deram super bem e algo mágico e único havia acontecido, só que quando Kerry a ignora diversas vezes naquele dia, Dorrie precisa se colocar em primeiro lugar e não cair em brincadeiras que podem machucá-la.
Dorrie é uma adolescente abertamente queer que teve uma história com final feliz ao assumir sua identidade aos pais. Kerry, no entanto, tem medo de que sua história seja diferente. Em seu primeiro encontro, Kerry mentiu dizendo que já havia se assumido, porém, quando encontra Dorrie na Waffle House, ela sente medo da reação de suas amigas e ignora a menina. A história de Dorrie e Kerry poderia ter tomado vários caminhos, alguns que a gente já está cansado de ver no entretenimento, mas quando Kerry diz que Dorrie a inspirou e ela não tem medo mais de viver a sua própria história e beija a menina na frente de todo mundo, ato que é comemorado pelas amigas delas, nós sabemos que a magia do Natal está do nosso lado.
Por fim, mas não menos importante, Keon (Jacob Batalon) sente que o universo está contra ele quando a preparação para a sua festa é interrompida quando o voo de seus pais é cancelado por causa da neve e ele é chamado para cobrir um turno de última hora na Waffle House. Quando as líderes de torcida entram na lanchonete, Keon se pergunta se isso é um sinal do universo e começa a planejar uma festa ali mesmo com a benção do seu chefe.
A história de Keon é a união de todas as histórias, que terminam todas na Waffle House. Com a ajuda de Tobin, o galão de cerveja é o ponto alto de qualquer festa adolescente. Addie faz as pazes com Dorrie e a amizade das duas são seladas com um mini-porco de presente de Natal. Stuart encontra Julie na festa como se o espírito do Natal estivesse lhes dando mais uma chance antes do fim do feriado. Dorrie e Kerry têm o seu final feliz e Tobin e Angie têm o seu momento no telhado da Waffle House quase como saída de uma referência a Empire Records.
As autoras da adaptação Kay Cannon, Victoria Strouse e Laura Solon acertam ao trazer a história para um momento mais atual, mostrando as angústias adolescentes sobre o amor, amizade e futuro, e explorando cada personagem da obra original, lhes dando mais vida. Não é de agora que a Netflix explora o mercado jovem-adulto em seus longa-metragens, buscando com frequência adaptar obras literárias, mas ela também dá um passo adiante ao explorar o público jovem em comédias românticas majoritariamente dominadas por histórias de casais adultos, brancos e heterossexuais.
Deixe a Neve Cair faz bom uso de clichês sem reproduzir o que os fizeram envelhecer tão mal, e é um retrato de como podemos continuar amando esses mesmos clichês porque ainda conseguimos vê-los sem perpetuar estereótipos nocivos. Com a década em seu fim, Deixa a Neve Cair pode representar um vislumbre do que nos espera nos anos que seguirão; histórias que aquecem o coração e em que jovens, independente de suas diferenças, possam viver histórias de amor sem ressalvas, que se permitam arriscar tudo pelo momento e deixar para lidar com as consequências no dia seguinte — uma marca dessas narrativas e do que é ser jovem, afinal.