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In The End: The Cranberries e o último eco de Dolores O’Riordan

No dia 15 de janeiro, o mundo da música parou para contemplar a partida de um de seus grandes ícones: Dolores O’Riordan, vocalista da banda irlandesa The Cranberries. A morte da cantora aos 46 anos foi um choque para todos, já que a últimas notícias a seu respeito eram sobre sua estadia em Londres para uma gravação. Ela estava ativa, e a banda havia sinalizado estar preparando um novo álbum de estúdio.

Os dias seguintes foram um borrão: constantemente se falava sobre o seu súbito falecimento, homenagens eram feitas em todos os lugares, da parte de fãs e até por parte do governo irlandês. E enquanto nos despedíamos de Dolores O’Riordan durante o seu funeral público, o entoar da música “When You’re Gone” enchia os corações de pesar e trazia a pergunta: “E agora? Qual será o futuro da banda?”

The Cranberries nasceu em Limerick, em 1989, fundada pelos irmãos Noel e Mike Hogan, incorporando, logo em seguida o músico Fergal Lawler no projeto que inicialmente se chamava The Cranberry Saw Us, numa alusão a um trocadilho com “sauce” (molho, em inglês), já que cranberry é uma fruta tradicional na Irlanda. O’Riordan entrou na banda através de uma audição, e compôs a música que se tornaria um dos singles mais conhecidos do grupo, e uma das marcas da música dos anos 90, “Linger”.

Com seu primeiro álbum lançado em 1993, Everybody Else Is Doing It, So Why Can’t We?, a banda se consolidou com dois grandes singles, “Linger” e “Dreams”, baladas cujas notas conseguem transportar o ouvinte imediatamente para a década de 90. No álbum seguinte, No Need To Argue, de 1994, ouvimos sua música se projetar ainda mais com o single “Zombie”. “Zombie” é uma música com um instrumental bem mais pesado, o que se mescla perfeitamente com a letra crítica da canção, também assinada por Dolores, que foi escrita como um protesto à violência de extremistas protestantes e católicos no conflito norte-irlandês.

Nessa fase, The Cranberries nos presenteia, ainda, com um clipe que alterna entre cenas em preto e branco e uma Dolores completamente ornamentada em dourado, cercada de crianças vestidas de anjos, também em dourado e prateado.

Em um ambiente tão pouco receptivo para mulheres, como é o da música, e principalmente do rock, Dolores O’Riordan foi um dos estandartes que marcaram o rock alternativo da década de 1990. Juntamente com as bandas 4 Non-Blondes, Bikini Kill, Garbage, Hole e nomes como Alanis Morissette, Liz Phair, Kim Gordon e Gwen Stefani, o talento de Dolores e o seu timbre único conseguiram se expandir e alcançar audiências de um gênero musical que até hoje é muito dominado por vozes masculinas e músicos que são, em sua maioria, homens.

Entre diversas idas e vindas, álbuns novos e um período de hiato, The Cranberries havia lançado seu último álbum, Something Else, em 2017, com algumas faixas novas e a várias versões acústicas de suas músicas consagradas. O trabalho vinha acompanhado da promessa de um álbum novo com mais faixas inéditas, se não todas, além de uma edição especial comemorativa dos 25 anos do lançamento de Everybody Else Is Doing It, So Why Can’t We?. Com a morte de Dolores O’Riordan, no entanto, os três membros remanescentes tiveram que contemplar o que seria da banda: Dolores era a líder, a principal letrista, e a sua voz era o principal instrumento que caracterizava The Cranberries como tal.

“Pensamos sobre isto e decidimos que como [o álbum] é algo que começamos como uma banda, com Dolores, devemos seguir em frente e concluí-lo.” disseram Noel, Mike e Ferg em um post pela página pública da banda no Facebook em março de 2018 sobre os projetos inacabados. Anunciaram, também, que a banda não iria mais continuar após o lançamento do último CD, que foi chamado In the End.

Trabalhado com demos das músicas escritas e gravadas por Dolores O’Riordan antes de sua morte, In the End é um tributo à altura da artista que ecoa. O álbum traz em suas notas todo estilo muito característico da banda, com letras mais maduras, mas um sabor nostálgico perpassando cada uma das faixas. Ouvimos a aspereza dos vocais de Dolores em “All Over Now”, e então a profundidade de “Lost”, a revolta em “Wake Me When It’s Over”, e então a leveza de “Summer Song” e assim podemos ver o espectro das músicas já tão conhecidas da banda. Mais do que um tributo, o trabalho feito por Noel, Mike e Ferg em In the End é um epitáfio capaz de facilmente levar às lágrimas qualquer fã da banda e, possivelmente, também qualquer um que esteja apenas familiarizado com a sua trajetória musical.

A voz de Dolores O’Riordan marcou uma geração, e seu eco ainda não terminou de se projetar, como é possível ver em cada uma das faixas do último CD. Deixar ir embora uma memória que nos é tão cara nunca é fácil, mas ao nos apresentar In the End, os membros remanescentes de The Cranberries fizeram uma homenagem digna do talento com o qual Dolores O’Riordan nos presenteou ao longo desses quase 30 anos de carreira e foi o suspiro final com o qual pudemos dizer: descanse em paz, Dolores.