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Manifesto: a resiliência e autenticidade de Bernardine Evaristo

Manifesto: Sobre Nunca Desistir é uma gentileza em forma de livro de Bernardine Evaristo, ganhadora do prêmio Booker Prize em 2019 pelo romance Garota, Mulher, Outras. Nele, ela compartilha sua jornada de encontro à criatividade, ao mundo e a si mesma, trazendo à memória acontecimentos que a transformaram na pessoa e autora que é. Um processo que se desenrola no resgate da própria ancestralidade iorubá, passando pelo entendimento de como origem, raça, classe e gênero refletem em sua escrita.

Filha de uma professora inglesa e um operário nigeriano, Bernardine nasceu e cresceu em distritos no sul de Londres. Ela, os pais e mais sete irmãos moravam em um casarão e o dividiam com mais alguns hóspedes para complementar a renda. Bernardine relembra a infância nessa casa cheia, os contrastes entre as origens e personalidades dos pais — a mãe acolhedora, o pai sisudo — e o interesse pela leitura e escrita manifestados desde cedo.

Ela conta sobre o racismo que a família sofreu no bairro em que moravam e como essa experiência influenciou sua personalidade, sua forma de escrever e se engajar com a arte. O fato de ser biracial e ter crescido numa área predominantemente branca fez com que Bernardine criasse uma espécie de campo de força autoprotetor. A casa da família era constantemente alvo de ataques violentos, o que a deixava sempre em alerta. Eles também recebiam pouca ou nenhuma simpatia do restante da comunidade, inclusive na igreja católica que frequentavam.

“Uma criança precisa se sentir segura, pertencente àquele lugar, mas, quando você é pré-julgada antes mesmo de abrir a boca, a sensação é a de que não está segura, de que não pertence.”

Comunidade

Também foi na igreja que ela começou a fazer teatro ainda criança. Anos mais tarde, fundou com colegas da Faculdade Rose Bruford a companhia Teatro das Mulheres Negras, onde escreveu, dirigiu e produziu peças com personagens tridimensionais pensadas exclusivamente para atrizes negras. Uma forma de abrir oportunidades em uma área que reservava a essas mulheres apenas papéis secundários. Mais uma faceta do racismo exposta por Bernardine em Manifesto.

A autora traz um relato sincero e necessário sobre as dificuldades da vida artística, especialmente quando se trata de uma jovem mulher negra, vinda da classe trabalhadora na Londres dos anos 80. “Como alguém do gênero feminino e da classe operária e uma pessoa não branca, as limitações haviam sido definidas para mim antes mesmo de eu abrir a boca para chorar depois do choque de ter sido expulsa do útero aconchegante da minha mãe”, enfatiza ela.

manifesto

Quando conseguiu estabilidade na carreira, ampliou seu ativismo trabalhando pela inclusão de outros artistas negros nesse meio. Uma de suas iniciativas deu origem ao relatório Free Verse [Verso Livre], que descobriu que menos de 1% dos livros de poesia publicados no Reino Unido eram de poetas não brancos. Insatisfeita com o percentual, Bernardine abriu um programa de mentoria, The Complete Works, para fazer algo a respeito. O programa orientou 30 poetas ao longo de dois anos.

Bernardine escreve sobre importância de criar comunidades para conectar escritores negros, criar pontes entre gerações e transformar o ofício da escrita em algo possível para essas pessoas. Viver de arte, seja ela qual for, impõe seus próprios obstáculos. Mas esses obstáculos se multiplicam a depender de alguns recortes sociais, como raça e classe.

Diáspora

“Como escritor, meu projeto tem sido explorar a diáspora africana — passado, presente, real, imaginária — de múltiplas perspectivas.”

Ao revisitar a história da própria família, a autora conta como sua origem multicultural lhe proporciona um olhar apurado e rico para a construção de narrativas e personagens complexas, o que torna sua literatura muito autêntica. Ela criou um estilo particular de escrita que batizou de ficção de fusão, uma forma de estruturar o texto de ficção em versos. Herança dos anos escrevendo poesia, mas também da vontade de experimentar.

O Manifesto de Bernardine reforça a ideia de que é preciso encontrar maneiras de se proteger contra as injustiças de uma sociedade preconceituosa, mas também reagir a elas e ajudar a moldar novos caminhos. Assim como fizeram seus antepassados nigerianos e seus pais no Reino Unido, com muito esforço dada as adversidades de cada período e lugar. Mas ainda assim o fizeram.

Longe de defender meritocracia, ela divide sua experiência de vida como se fosse uma de suas mentorias. Consciente do mundo em que vive, inspira a crença em si mesmo como ponto de partida para quem deseja desafiar aquilo que lhe foi imposto antes do nascimento. Com leveza e bom-humor, Bernardine estimula os leitores a serem resilientes e trabalharem para alcançar o que acreditam que merecem. Como boa professora (Bernardine leciona escrita criativa na Brunel University e é presidente da Royal Society London), ela sabe que uma das melhores formas de ensinar é servindo de exemplo.

manifesto: sobre nunca desistir

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras.


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