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Friends – The Reunion: como lidamos com a passagem do tempo?

Friends foi uma série feita entre os anos 1990 e os anos 2000 e é cheia de erros e acertos — mas muito, muito mais acertos. Provavelmente é a série com mais fãs pelo mundo, pessoas que assistiram a série na TV, tiveram seus boxes de DVDs ou alugavam na locadora (sim, assistir uma série dava um trabalhão) e depois deram uma surtada de alegria quando a série entrou nas plataformas de streaming (hoje em dia, na HBO Max). Por que toda uma geração de pessoas é tão apegada a essa série?

Simples: foram muitos anos acompanhando as histórias desses seis personagens e muitos outros mais, revivendo essas histórias em momentos bons, em momentos ruins, entre amigos, sozinhos ou assistindo um episódio na hora do almoço. Para mim, e muitas pessoas que conheço, Friends foi a série que crescemos assistindo, com que aprendemos inglês e, por muitos motivos, com personagens que, de alguma maneira, se tornaram nossos amigos também. Desde o seu fim, em 2004, centenas de rumores a respeito de uma possível reunião do elenco pipocaram pela internet: um filme, um episódio a mais, uma temporada, um especial. As especulações foram feitas mil vezes, por isso só acreditei que o especial realmente aconteceria quando o trailer foi lançado pela HBO Max.

No meio da pandemia, essa notícia parecia um presente embalado com um laço de fita em cima. Dito isso, as minhas expectativas para esse especial não eram baixas. Anos esperando por essa notícia, com um pouco de medo de que estragassem uma coisa tão preciosa pra mim, e enfim ela tinha chegado. O primeiro ponto positivo é que não seria um episódio, um filme ou uma continuação. Pessoalmente, nunca quis nada assim porque acho que Friends tem um bom final, aquele momento da vida daquelas pessoas acabou ali e eu nunca vi sentido em procurar uma continuação. Mas a ideia de ver o elenco todo junto novamente era algo que me agradava muito, porque a interação entre eles todos era muito gostosa de acompanhar.

Assistir The Reunion seria como ver um álbum de fotos antigas, de momentos muito bons da vida, olhando as imagens e comentando com as pessoas em volta sobre esse ou aquele dia. Ao invés disso, foi como ver algumas fotos numa caixa meio bagunçada, com alguns recortes aleatórios guardados juntos e tentando reviver aqueles momentos, mas sem tempo para isso. Ou seja, foi bom, a nostalgia estava ali, mas poderia ter sido muito melhor.

O especial acontece em uma hora e meia, o que seria tempo mais do que suficiente, se não quisessem fazer tantas coisas ao mesmo tempo. A direção tentou combinar o reencontro do elenco, leituras de roteiro, a aparição de vários atores que haviam sido convidados da série, depoimentos dos criadores, depoimentos de fãs ao redor do mundo e muitas celebridades aparecendo em um “talk show” com James Corden. Tentando fazer um pouco de tudo, acabaram não fazendo nada com muita profundidade e o especial tem um ritmo acelerado demais, que faz com que a gente não consiga absorver totalmente o que está acontecendo. Simplesmente não há tempo para isso, já que logo em seguida a coisa muda de figura e entra em outros rumos. Como eu imaginava, foi algo que despertou muita nostalgia e que faz a gente rir, chorar, se divertir… mas rápido demais.

Friends

Algo que me chamou muito a atenção durante o especial foi a reiteração constante da ideia de que “nada havia mudado”, em diversos aspectos. Numa tentativa de fazer com que as coisas parecessem estáticas no tempo, ouvimos que o elenco ainda é super próximo, que todos são super amigos, que ainda acham graça das piadas da série, que o cenário onde gravavam ainda estava ali, como se nada houvesse se movimentado. Ainda que seja completamente impossível que tanta coisa permaneça igual depois de 17 anos terem se passado, esse parece ser um dos fios condutores da narrativa: nada mudou, ainda somos iguais.

Vemos que alguns dos atores estão genuinamente felizes por estarem ali, revivendo aquele momento de suas vidas, em especial Jennifer Aniston e Matt LeBlanc, que demonstram ser os que estão se divertindo mais com toda a situação. Por outro lado, Matthew Perry parece não embarcar tanto assim nessa ideia — não sabemos exatamente, mas imaginamos o tamanho dos fantasmas que ele enfrentava na época da série, o que faz com que voltar para esse momento não seja tão divertido, possivelmente trazendo mais sofrimento do que felicidade.

Mas o que fica claro é que muita coisa mudou, sim, que aquelas pessoas não são mais as mesmas e que a relação entre elas não é o que costumava ser. E nem poderia ser, claro. Como numa reunião de colegas de classe, que se reencontram depois de muito tempo, percebe-se que aquelas amizades, companheirismo, aquele afeto incondicional talvez já não seja mais tão intenso. Elas ainda são pessoas que têm muito carinho pelo que viveram juntas e se amam genuinamente, mas não da mesma forma. É perceber que aquela amizade, que fazia muito sentido naquele contexto e naquele momento, hoje talvez não se encaixe tão bem nas suas vidas. Penso na importância de poder deixar as coisas no passado. Reencontrar amigos é ótimo, mas nem todas as coisas que vivemos precisam ser eternas.

Friends

Ainda para completar a ideia de que o tempo parou, Friends: The Reunion mostra seis pessoas com mais de 40 anos e nenhuma ruga no rosto. Há algo que me incomoda em ver essas pessoas tentando permanecer com o mesmo rosto que tinham aos 20 anos, querendo rir das mesmas situações de que riram aos 20 anos. Soma-se a isso o fato de que Friends sempre falou sobre pessoas vivendo suas vidas aos vinte-e-tantos anos e cria-se uma ode à juventude, a um período muito específico da vida que parece ser colocado em um pedestal pela sociedade. Me parece claro que a sociedade ocidental não aprendeu a conviver com o fato de que envelhecemos. Por que é tão difícil para todos nós lidarmos com o fato de que o tempo passa?

Se essa pressão para ser eternamente jovem é algo que afeta a todos, é preciso dizer que as mulheres são muito mais afetadas. Antes do especial de Friends ser sequer anunciado, as três atrizes principais eram constantemente julgadas por sua aparência sempre que uma foto nova circulava na internet. Courtney Cox é constantemente criticada pelo exagero nos procedimentos estéticos (“cheia de botox!”), enquanto Lisa Kudrow é atormentada pela falta deles (“coitada da Phoebe, está muito envelhecida…”); enquanto isso, Jennifer Aniston sempre louvada por parecer muito jovem (“parou no tempo, linda, perfeita!”). Estamos falando de três das atrizes mais bem pagas da história da televisão, que fizeram a série de maior sucesso que já existiu e ainda continuaram suas carreiras. Mulheres lindas e talentosas. E, mesmo assim, os comentários sempre são feitos com relação à aparência delas. Não apenas isso, mas comentários que se baseiam na comparação da aparência que têm hoje e da que tinham nos anos 2000.

Friends: The Reunion me fez pensar muito sobre a relação que temos com a passagem do tempo. Qual é o lugar que o passado ocupa nas nossas vidas? Em que medida ele precisa ser sempre revisitado, simulado, revivido? Como lidamos com o fato de que todos nós envelheceremos? Por que temos tanto medo de aparentar em nossos rostos a passagem do tempo? O que significa, de fato, uma ruga ou um fio de cabelo branco? Não existem respostas fáceis para essas perguntas, mas proponho uma reflexão sobre elas, sobre o que significa o tempo na nossa vida, na nossa aparência e nas nossas relações. Conheço uma pessoa que aos 60 anos diz que envelhecer é uma dádiva porque significa que estamos vivos, mesmo num mundo cheio de adversidades, e que isso é o mais lindo que pode acontecer a alguém. Hoje, no meio de todas as crises que estamos vivendo, não posso deixar de concordar.