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Mulheres japonesas: histórias que você precisa conhecer

Nós sabemos que muitas mulheres tiveram seus nomes apagados da história. Mesmo aqueles que se mantiveram registrados, sempre geram dúvidas entre os pesquisadores sobre sua veracidade: “será que ela realmente existiu?”, “será que não foi o marido dela que fez isso?”, “uma mulher, nessa época, criar isso? Impossível”. Claro que esses questionamentos não ocorrem só no Ocidente. No Oriente também há muitos casos de mulheres que foram esquecidas ou que têm sua existência e criações constantemente colocadas em dúvida. E mais do que isso, suas histórias nunca chegam aos nossos ouvidos. Que tal conhecer algumas delas e um pouco de suas histórias?

Imperatriz Consorte Jingū

Quando pensamos em samurais, a primeira coisa nos vêm em mente são os personagens de filmes, representados por homens fortes, habilidosos e disciplinados. Nunca pensamos em uma mulher. No entanto, você sabia que elas existiram? Sim, as onna bugueisha (女武芸者), as mulheres samurais. Eram mulheres inteligentes, fortes e habilidosas em ciências, matemática, literatura, e também no uso de armas como o naginata (薙刀 — espada longa) e o kaiken (懐剣 — punhal). Elas eram treinadas na arte marcial Tantōjutsu (短刀術), estilo usado em todo o Japão, na época. Lutavam em guerras, protegiam suas casas e famílias, e não eram subordinadas aos seus maridos. Uma das onna bugeisha mais famosas foi a Imperatriz Jingū (神功天皇, 169 d.C. – 269 d.C.). Ela foi imperatriz do Japão, que governou depois da morte de seu marido. Devido uma reavaliação da história japonesa e aos poucos relatos de sua existência, seu nome foi apagado dos registros, tornando-a, apenas, uma “lenda” (mesmo aparecendo em livros importantes da história do país).

Segundo o Nihon Shoki (日本書紀), um dos livros mais antigos sobre a história japonesa, a imperatriz organizou e liderou uma investida contra a Coréia, trazendo a vitória para o Japão. No entanto, há poucos registros sobre esse evento e muitos historiadores conservadores o consideram falso, apesar de haver na Coréia relatos escritos de uma grande invasão japonesa ocorrida na mesma época. Vale deixar registrado que a história e a sociedade japonesa passaram por grandes mudanças e, nelas, a mulher sempre foi a mais afetada. Figuras femininas importantes foram apagadas ou diminuídas em revisões históricas, portanto, é possível que a imperatriz possa ter existido, apesar de não haverem registros abundantes de sua vida como há de outras onna bugueishas. Seu nome pode ter sido retirado da história, como ocorreu e ocorre com muitas mulheres ao longo do tempo e em diferentes países. Outras onna-bugueisha que podemos citar são Tomoe Gozen (巴御前? , 1157 – 1184), que lutou nas Guerras Genpei, e Nakano Takeko (中野 竹子, 1847–1868), líder de um exército feminino.

Murasaki Shikibu

Murasaki Shikibu (紫式部) foi uma dama de companhia, romancista e poeta, durante o período da história japonesa conhecido como Heian. Acima de tudo, foi autora do livro Genji Monogatari (源氏物語 — O Romance de Genji), escrito entre 1000 e 1012, considerado não apenas o primeiro romance japonês, mas o primeiro romance do mundo, o primeiro romance psicológico e o primeiro romance histórico. Sua autora faz parte de um grupo de mulheres da corte japonesa que dominou a literatura da época e escreveu alguns dos livros e poemas mais importantes da história do Japão.

Grande parte da literatura antes desse período era escrita por homens, o que dificultava a identificação das mulheres com as histórias. Assim, essas escritoras resolveram criar sua própria literatura, mostrando sua visão de mundo, contando suas histórias, angústias e vidas, fazendo com que esse período fosse dominado por elas. As mulheres dessa época tinham muitas limitações no seu estilo de vida, ainda que aquelas que viviam na corte tivessem condições melhores do que outras mulheres, a vida permanecia repleta de restrições e opressões. As damas eram proibidas de sair em público, com exceção de determinados eventos, e passavam quase a vida inteira presas dentro de casa. Sua educação era rígida, embora fossem proibidas de aprender a escrita chinesa kanji (considerada erudita, utilizada apenas por homens), por exemplo. Muitas delas, entretanto, conseguiram aprender em segredo, como Murasaki, que sabia ler e escrever perfeitamente.

Além disso, essas mulheres tinham um caminho traçado em suas vidas: casar com um nobre e, após deixarem de ser sua esposa (substituídas por outras mulheres, ou devido à alguma outra situação) tinham que se tornar monjas, ou seja, uma vida difícil e na pobreza. Muitas dessas damas encontraram na literatura o refúgio de uma realidade sem opções. O livro de Murasaki é o mais importante dessa literatura por ser extremamente complexo e cheio de personagens. Apesar disso, a narrativa mantém uma coerência quase inacreditável, com uma descrição psicológica aprofundada de seus personagens principais e secundários. Em uma longa narrativa de cerca de 1.100 páginas, acompanhamos o personagem Genji e toda sua vida, desde seu nascimento até sua morte. Considerada como um dos 100 maiores escritores e gênios da literatura mundial, a obra de Murasaki influencia a literatura japonesa até hoje. Uma mulher que, mesmo em sua época, subordinada aos homens ao seu redor e considerada inferior a eles, tem seu nome marcado na história mundial.

Izumo no Okuni

O kabuki (歌舞伎) é o famoso teatro japonês, que possui características peculiares, como a dança, maquiagem e atuação característica. Hoje, ele é conhecido como uma forma de teatro em que só há atores homens, que interpretam tanto os papéis masculinos como os femininos, sendo proibido para as mulheres subirem no palco. No entanto, nem sempre foi assim, afinal, o kabuki foi criado por uma mulher. Izumo no Okuni (出雲の阿国), uma miko (espécie de sacerdotisa), criou um novo estilo de dança dramática em 1603. Esse estilo cômico era uma mistura de dança, canto e atuação. Nele, mulheres interpretavam papéis masculinos e femininos. Logo, tornou-se tão popular que se espalhou por outros grupos, surgindo rivais, que aperfeiçoavam o estilo.

Com o tempo, muitas atrizes, aclamadas pelo público masculino por sua sensualidade, começaram a se prostituir para ganharem a vida. Muitos problemas surgiram nessas apresentações, principalmente devido ao fato de reunirem muitas classes sociais diferentes em um mesmo espaço. Isso fez com que o shogunato (regime feudal japonês) proibisse que mulheres se apresentassem, jogando a culpa de todos os problemas na sensualidade feminina. Mesmo após essa proibição, e do kabuki passar a ser representado apenas por rapazes jovens, a prostituição voltou a ocorrer, agora com os atores homens, o que levou o governo a também proibi-los da prática do kabuki. Assim, o kabuki passou a ser interpretado, apenas por homens adultos, que faziam tanto os papéis masculinos como os femininos, como é até hoje. Infelizmente, as mulheres não puderam retomar sua própria criação, mas não permaneceram paradas. Hoje em dia o nome Takarazuka Revue está cada vez mais devolvendo as mulheres japonesas o palco, que é seu por direito.

Risa Junna e Reon Yuzuki

Kobayashi Ichizo fundou o Takarazuka Revue (宝塚歌劇団), uma companhia de teatro formada somente por mulheres. Poucos anos após a sua primeira apresentação, ele se tornou muito popular e, hoje em dia, conta com um público de cerda de 2,5 milhões de pessoas por ano, em grande maioria mulheres. No Takarazuka, tanto os papéis femininos como masculinos são interpretados apenas por atrizes. As que interpretam homens são as otokoyaku (em japonês, papel de homem); e as que interpretam mulheres são as musumeyaku (em japonês, papel de mulher). As mulheres que participam da companhia tem que ser habilidosas, pois o teatro aceita poucos membros novos, sendo, as vagas oferecidas muito disputadas. As candidatas treinam cerca de dois anos em canto, dança, música, atuação, e em outras artes. A companhia é dividida em cinco trupes com atrizes jovens e uma sexta com mulheres mais velhas. Houveram tentativas de inserir atores homens, mas todas as vezes eles foram dispensados devido à recusa das atrizes.

Apesar de seu fundador não ser uma mulher, o Takarazuka é muito importante para a história feminina no Japão, pois foi o esforço e talento das atrizes tornou esse teatro tão popular. A fama também está relacionado ao seu público feminino fiel, que encontrou no Takarazuka e em suas atrizes, um espetáculo fantástico para se identificarem, seja com os papéis masculinos ou femininos, já que o kabuki é totalmente masculino.

Risa Junna (純名りさ), nascida em 1971, é uma atriz e cantora japonesa, que participou do Takarazuka Revue como uma atriz especializada em papéis femininos. Ela treinou por dois anos na escola Takarazuka Music School, e se formou sendo a primeira de sua turma. Entrou para a companhia em 1990. Após sua aposentadoria no Takarazuka Revue, continuou trabalhando como atriz na televisão, no cinema e em comerciais. Ganhou o prêmio Melhor Canção Original no Golden Horse, do filme Midnight Fly, em que, além de cantar a música tema, atuou ao lado de outras atrizes famosas.

Reon Yuzuki (柚希 礼音), enquanto isso, nasceu em 1979. Yuzuki é uma atriz de Takarazuku especializada em papéis masculinos. Em 2009 tornou-se a maior estrela da companhia. A atriz tem como habilidades canto, sapateado, balé e dança clássica japonesa. Em 2010 Yuzuki recebeu o Prêmio Rookie de Teatro da Agência para Assuntos Culturais no 65º Festival de Artes da ACA. Em 2013, liderou a primeira turnê taiwanesa do Takarazuka Revue, e em 2014 realizou seu primeiro show no Nippon Budokan, arena no centro de Tóquio. Ela é a segunda atriz especializada em papéis masculinos, do Takarazuka, a fazer show no Nippon Budokan.