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Schmigadoon!: o refúgio dos clichês e dos musicais

Você conhece a sensação de assistir algo novo mas, ainda assim, saber exatamente como a produção irá terminar? Com um final clichê digno de uma novela da Globo onde tudo acaba bem quando termina bem. Não há nada como dar play naquele filme que já assistimos incontáveis vezes e para o qual sempre corremos quando precisamos de uma mensagem positiva e de conforto. E é exatamente essa a sensação que fica ao assistir Schmigadoon!, a mais nova série musical da AppleTV+, cujo os seis episódios já estão disponíveis no serviço de streaming. Além de toda mensagem positiva que a série aborda para honrar alguns musicais que se tornaram clássicos, trazendo-os em uma roupagem atual, Schmigadoon! se tornou para a comunidade de apaixonados pela Broadway em um abraço quentinho em tempos tão estranhos como o que vivemos, principalmente com o os palcos fechados por tanto tempo.

Atenção: este texto contém spoilers

Em Schmigadoon!, acompanhamos a história de Melissa Gimble (Cecily Strong, indicada duas vezes ao Emmy por Saturday Night Live) e Josh Skinner (Keegan-Michael Key, vencedor do Emmy por Key and Peele), um casal em meio a uma crise de relacionamento. Para reparar a relação abalada, os dois vão para um retiro de casais e acabam se perdendo na floresta. Desesperados para encontrar uma saída, se deparam com uma cidade peculiar onde as pessoas vivem como se estivessem presas em um musical. Esse é o maior pesadelo de Josh, que odeia musicais, mas o paraíso de Melissa, fã de carteirinha do gênero. Essa disparidade entre os dois é só o começo e simboliza as diferenças que os levou até ali.

Enquanto Melissa quer lutar para aprimorar o relacionamento, Josh o acha suficiente da maneira como está. Então eles se veem no meio de uma cidade pequena onde todos cantam e dançam, e, como se já não estivessem vivendo loucuras o suficiente, são informados por meio de um duende interpretado por Martin Short, que para sair de lá precisam encontrar o verdadeiro amor — o que choca um pouco o casal, porque, se eles estão juntos, não deveriam ser o verdadeiro amor um do outro? E o que seria então o conceito de verdadeiro amor? Como se encontra isso?

A questão é que ao descobrirem que a única maneira de retornarem para onde vieram é junto do verdadeiro amor, que aparentemente não são os dois, Josh e Melissa acabam terminando o relacionamento ali mesmo. Logo é cada um por si nessa cidadezinha parada em um musical de 1940 com direito a referências para os apaixonados pelos clássicos como A Noviça Rebelde, Oklahoma, Carrossel, Sete Noivas Para Sete Irmãos, No Sul Do Pacífico e outros. Com um olhar novo e certo ar de piada, a série traz muitos trocadilhos ainda que tenha seus diálogos bem contidos referenciando textos dos musicais originais. Melissa comenta com Josh que ninguém morre nos musicais, e depois acaba citando vários em que isso de fato acontecia.

A produção não deixa de olhar para os problemas que existiam nos roteiros desses clássicos, a começar por elencos totalmente brancos, e a maneira como eram escritas as personagens femininas — em sua maioria, atuando somente como adereços para o personagem masculino. Melissa, inclusive, ganha um número musical sobre como a gravidez acontece que claramente é uma paródia muito divertida de “Do-Ray-Me” de A Noviça Rebelde.

Surpresos com a notícia de que talvez não fossem o amor verdadeiro um do outro, Josh e Melissa seguem caminhos diferentes pela cidade. Enquanto Melissa procura um lugar para que eles possam morar, Josh vai atrás de uma saída da cidade. Os dois acabam conhecendo outros interesses amorosos, como Danny Bailey (Aaron Tveit), que na cidade é conhecido como um patife, o eterno solteiro rebelde, mas ocorre que ele não é tão ruim quanto a sua reputação na cidade o faz parecer. Às vezes a reputação é somente a junção de coisas que as pessoas pensam da gente, mas que não são necessariamente verdadeiras. Josh continua tentando sair da cidade e, como última alternativa, procura a professorinha do lugar, Emma Tate (Ariana DeBose), cujo casamento nunca foi algo de seu interesse. Josh acaba conquistando a professora, que é vista pela cidade como solteirona.

O Doutor Lopez, vivido por Jaime Camil, inicialmente é apresentado como o único médico da cidade, um homem rígido e cheio de preconceitos, mas no fundo ele também não é assim. Betsy (Dove Cameron) é uma jovem doida para casar e agarra a oportunidade que lhe é apresentada, até por ter um pai muito rígido e viver em uma cidade onde a mulher só é respeitada como esposa de algum cara — e, assim como acontece com os outros personagens, há muito mais sobre Betsy do que a superfície apresenta. Ainda assim, vemos poucos desses personagens e uma segunda temporada seria uma ótima oportunidade para conhecê-los melhor, vendo-os quebrar seus respectivos estereótipos, e tendo suas tramas aprofundadas com o tempo. Todos esses personagens acabam cruzando o caminho de Josh e Melissa, fazendo-os mudar como pessoas.

Schmigadoon! brinca com a ideia de verdadeiro amor e com as tramas típicas de enredos românticos, como o casal que se apaixona perdidamente à primeira vista, com direito a performance musical. Acredito que aqui esteja a resposta para a procura de Josh e Melissa, que no decorrer dos anos em que estavam juntos já tinham seus problemas a enfrentar, mas eram ignorados por Josh, com seu ar de deboche, e acentuados por Melissa que queria controlar tudo. Essa resposta pode ser clichê e logo vemos no piloto como tudo vai se resolver, mas é ótimo acompanhar o desenrolar da história e enxergar o casal encontrando o próprio caminho, até perceber o fim da jornada para o amor verdadeiro. Logicamente, é algo que só é óbvio e linear na TV, o que torna tudo tão mais saboroso de se acompanhar.

Com grandes nomes do universo da Broadway, como os já citados acima, a série traz números musicais como “Tribulation”, cantada por Kristin Chenoweth, ganhadora do Tonys de Melhor Atriz Coadjuvante em 1999 — a performance em Schmigadoon, a propósito, foi gravada em uma tomada. Chenoweth interpreta a vilã Mildred Layton na produção da AppleTV+, que conta ainda com Alan Cumming, como o prefeito MenLove da cidade musical, que “esconde” sua homosexualidade por estar preso aos estereótipos da época, An Harada interpretando Florence Menlove, que nos entrega uma performance  maravilhosa sobre o quão diferente seu marido é em “He’s a Queer one, That Man o’Mine”.

Schmigadoon!  é um refúgio seguro nesse momento, e ao assistir os seis episódios, nos sentimos compelidos a dançar e cantar. Chegamos ao fim da história com a esperança de dias melhores e de podermos, também, mudar para melhor, assim como os moradores da cidade e os turistas, Josh e Melissa. A série foi produzida por Cinco Paul em parceria com Ken Dario, e dirigida por Barry Sonnenfeld — que, ironicamente, disse odiar musicais, mas que já fez as pazes com o gênero.