Categorias: MÚSICA

Além das fórmulas: a trajetória e o legado do f(x) no k-pop

Quando estudamos matemática na escola, um tópico obrigatório é a função. Nas aulas do colégio, aprendemos que para obter o f(x) — o valor da função —, é preciso antes descobrir o número que o x representa para, assim, chegar ao resultado final. No final dos anos 2000, a SM Entertainment, um dos grandes conglomerados do k-pop, traria a ideia da função matemática para o conceito de seu novo girl group: o f(x). Lançado em 2009, o grupo multinacional inicialmente com cinco integrantes — Victoria, Amber, Luna, Krystal e Sulli — surgiria na cena do k-pop com a proposta de ser um grupo diferente e versátil. Assim como a função, em que o valor de x é diretamente ligado ao resultado final, o quinteto entregaria conceitos diferentes a cada lançamento, sem seguir uma única imagem.

A expectativa em torno do f(x) era grande e a SM, no showcase de lançamento do grupo, declarou convicta: as garotas iriam se tornar um grupo feminino como nunca havia sido visto antes. E com uma estreia tão recente, quem poderia contestar essa afirmação? Apenas o tempo. Hoje, 12 anos após a estreia do grupo, que esteve oficialmente em atividade de 2009 a 2016 e depois se tornou um quarteto com a saída de Sulli em 2014, vemos que a declaração não foi exagero. Celebrado pelo público e pela crítica, o f(x) fez história por nunca se prender a um status quo do que um girl group deveria ser.

Dos conceitos às músicas, o quinteto abraçou um lado mais experimental que o destacou dos outros grupos e o tornou um dos atos mais inovadores e vanguardistas do k-pop. A raiz no pop eletrônico, sempre presente durante toda a carreira, e as combinações inusitadas entre diferentes gêneros musicais criaram um som distintivo que ainda hoje, é a marca registrada do f(x) e vale a pena ser conhecido.

O primeiro ano: “LA chA TA” e “Chu~”

f(x)

Em agosto de 2009, a SM apresentou o f(x) em um teaser misterioso. Vestidas em roupas pretas e com quase nenhum destaque em seus rostos, o vídeo destacava as habilidades de dança do grupo, intitulado na época de estreia como “Asia Pop Dance Group”.

A estreia do f(x) viria em setembro do mesmo ano, com o single “LA chA TA”. A música apresenta o som mais eletrônico do grupo em uma proposta mais leve, que funciona bem para o début e as diferenciam de outros lançamentos de girl groups lançados no mesmo ano. Outros pontos fortes também são a letra, que é convidativa e chama o público a conhecê-las, e o MV, que explora e valoriza os charmes individuais de cada integrante.

Dois meses depois, em novembro, o grupo já teria um novo lançamento: “Chu~”. A música tem uma proposta eletrônica mais forte do que “LA chA TA” e traz diversas referências a contos de fadas, com um f(x) sonhador que anseia pelo beijo do crush. Também no mesmo single, temos “Step by Me” e “You Are My Destiny”, que seguem os tipos de b-sides clássicas entre os girl groups de k-pop: uma música mais bubblegum pop e uma balada que destaca as habilidades vocais do grupo. São escolhas seguras e bem executadas, mas que em um grupo que se propunha a ser diferente, não conseguem relevar o que o torna especial.

NU ABO: o novo sangue no k-pop

f(x)

Este já não seria o caso com NU ABO, o primeiro EP do grupo, lançado em 2010. Se em “LA chA TA” e “Chu~” o f(x) apenas deu pequenas amostras do que as tornavam diferentes, em NU ABO elas mostram ao que vieram, sem espaço para dúvidas. O nome, com referência aos tipos sanguíneos A, B e O, é a declaração definitiva do girl group: elas são o “novo sangue” do k-pop. Tudo sobre a música é impactante, desde as batidas fortes até o styling exagerado, que abraça a excentricidade que elas cantam na letra.

Em “Mr. Boogie”, segunda faixa de NU ABO, é hora do f(x) apresentar seu lado mais confiante. Com o “Mr. Boogie/ If I want to/ I can have you” [“Senhor Boogie/ Se eu quiser/ Eu posso ter você”], as garotas entregam uma das melhores b-sides dançantes de sua carreira. Já em “Ice Cream” e “ME+U”, faixas que dão sequência ao EP, voltamos a conhecer o lado mais bubblegum pop do grupo, mas com o “elemento x” que faltava em “Step By Me”.

Enquanto “Ice Cream” segue uma fórmula mais tradicional de uma música pop, sem grandes surpresas, “ME+U” brinca mais com esses elementos. A b-side que inspirou o nome do fandom do grupo (MeU) traz vocais propositalmente mais agudos e infantis para combinar com o instrumental à la 8-bit. Os adlibs, em especial os do refrão, enriquecem essa sonoridade, como uma alusão aos efeitos sonoros de videogames.

“Surprise Party” funciona bem em sequência. Sem um pop tão eletrônico, a faixa ajuda a desacelerar o EP e segue com a temática de amor juvenil e inocente presente nas letras de “Ice Cream” e “ME+U”. “Sorry (Dear Daddy)”, dueto entre Luna e Krystal, encerra o álbum. A interpretação das duas e a letra, que narra o pedido de desculpas de uma filha para o pai, faz a balada soar sincera e genuinamente adolescente como a maior parte do público do grupo na época.

O sucesso comercial com “Pinnochio (Danger)” e “Hot Summer”

f(x)

Enfim, em 2011, o f(x) lançaria seu primeiro álbum: Pinnochio. Com uma imagem menos rebelde que NU ABO, o quinteto parece mais estabelecido em sua identidade — agora, não é preciso mais provar que elas são diferentes. Isso se reflete em “Pinnochio (Danger)”, single promocional do álbum, que traz a sonoridade eletrônica característica do grupo com uma leve guitarra ao fundo.

“Sweet Witches”, como já denuncia o nome, é puro pop açucarado e por isso, divide opiniões. Enquanto para alguns pode ser demais, para outros — e aqui eu me incluo — é doce como deveria ser. A letra é lúdica, divertida e coloca o f(x) como bruxas que preparam um remédio mágico, capaz de acabar com o cansaço da pessoa amada. A composição não fica para trás e junto com os vocais, nos ambienta no cenário fantástico da música, que com o passar dos anos, se manteve como uma das melhores b-sides do grupo.

O perigo que o f(x) alerta em “Pinnochio (Danger)” ganha proporções maiores em “Dangerous”. A guitarra acompanha o tom raivoso da letra, em que as garotas colocam o ponto final em uma relação que só as deixam confusas. “Beautiful Goodbye”, que vem em sequência no álbum, também fala sobre o fim de um relacionamento, mas de modo mais emotivo. É uma balada que relembra um primeiro amor e como ele vive em pequenas memórias, mesmo depois do término. Adoro a forma como a letra consegue criar esse cenário com diferentes exemplos, desde a diferença do tamanho das mãos até os encontros em frente ao portão da escola.

“Gangsta Boy” flerta com o hip-pop e traz o lado mais desobediente do f(x) para o álbum: elas batem o pé e insistem em um garoto que nem a família ou as amigas aprovam. Já em “Love”, um dos destaques do Pinnochio, a teimosia vem de forma diferente. Tão apaixonadas, elas não querem conceber o fim de um amor, mesmo que ele já não seja como antes. Esse estado de negação é a forma que elas, ainda imaturas e vivendo suas primeiras experiências amorosas, tentam se prevenir de se machucarem. Por isso, pedem: “Se eu preencher meu coração com você/ eu espero que ele não se encha de lágrimas”.

“Stand up!”, composição da banda indie coreana Peppertones, é a música mais otimista do álbum. Os destaques ficam para a forma como o f(x) canta o refrão, demarcando bem os pontos de exclamação (“Stand Up! Wake Up!”),  e para o ótimo instrumental após os refrãos. Paixões adolescentes voltam a ser a temática do Pinnochio nas últimas três faixas. Em “My Style”, a letra que fala sobre as batidas do coração aceleradas pela eminente aproximação do crush é acompanhada por instrumentos de banda marcial. Já “So Into U” vai mais para o R&B, mas ainda com uma pegada pop, para criar o clima romântico de uma declaração de amor.

Pinnochio finaliza com a animada “Lollipop”, faixa com a participação do SHINee. Vistos como grupos irmãos por serem da mesma empresa e terem uma proposta experimental parecida, a combinação f(SHINee) dá certo assim como na versão anterior da música, lançada anteriormente em chinês para promover um celular com a participação da boyband M.I.C. Quase dois meses depois, o f(x) relançaria o Pinnochio em sua versão repackage, com o single “Hot Summer”. Vibrante e colorida, a música foi um sucesso e até hoje, é lembrada como um dos principais hits de verão do k-pop. Na tracklist do repackage, também foram incluídos os singles anteriores “LA chA TA” e “Chu~”, além de “…Is It OK?”, participação do grupo na trilha sonora do k-drama Paradise Ranch.

Electric Shock: o lado mais lúdico do f(x)

f(x)

Em “Eletric Shock”, segundo EP do girl group, o f(x) sai do lugar comum e eleva seu conceito a um novo patamar. Como se fossem meninas brincando de faz de conta, o quinteto coloca roupas esvoaçantes e coloridas, cabeças falsas de animais e partem para a floresta, onde criam sua própria fantasia acompanhadas de um urso. A ideia parece bizarra demais? Talvez. Mas esse é um conto de fadas do jeito f(x): incomum e único.

Além da estética diferente, o EP lançado em 2012 também amplia a versatilidade musical do grupo e entrega letras mais maduras, que acompanham a idade das garotas e de seu público. A primeira prova disso é o single do álbum, também com o nome “Electric Shock”. Faixa mais eletrônica do f(x) até então, a música compara a experiência de se apaixonar a um choque elétrico e até incorpora a palavra na letra: cada sílaba de “전기충격” (“jeongichunggyeok”, ou “choque elétrico” em português) inicia uma linha do primeiro e segundo verso.

Se a mensagem do single parece distante do visual do álbum, Min Hee-Jin, na época direta criativa da SM e a mente responsável por todos os conceitos do f(x), explica que as duas se relacionam por meio de diversos elementos, mas em especial pela presença do urso.

“O álbum está repleto de símbolos. Nós colocamos a foto de um urso na capa e este foi um elemento importante para representar o significado de “choque elétrico”, ao mesmo tempo que também retrata o psicológico dos membros do f(x). O urso é um animal que pode matar uma pessoa. Mas se você apenas ajustá-lo um pouco, ele também é um ursinho de pelúcia que muitas crianças abraçam para dormir. Em vez de simplesmente representar essa mensagem de “choque elétrico” por meio do amor, esse simples choque pode ser assustador para outras pessoas. É tudo uma questão de ironia”. (tradução livre)

Enquanto para alguns se apaixonar é como levar um choque, “Jet” mostra que o amor também te leva às alturas como um jato. O refrão vibrante simboliza bem essa metáfora, como se atingíssemos uma velocidade rápida demais para parar essa paixão. Em “Zig Zag”, o f(x) nos convida a conhecer seu mundo fantástico. Um dos trabalhos mais experimentais do grupo, a faixa é uma aventura musical por completo, da composição à letra. A mistura dos tambores com a guitarra elétrica é a trilha sonora para uma viagem entre rios safiras e florestas de fondue de queijo, em que o quinteto nos guia para longe da rotina diária.

A próxima faixa do EP, “Beautiful Stranger”, é uma colaboração apenas entre Amber, Luna e Krystal, que brilham na vibe mais urbana e hip-hop da música. Outro destaque é a letra, que descreve como é se apaixonar por uma pessoa tão diferente de você que parece de outro mundo. De volta ao bubblegum pop, o f(x) entrega a divertida “Love Hate”. O ritmo acelerado acompanha a letra sobre uma relação que varia constantemente entre amor ao ódio. Já para encerrar o EP, temos a excelente “Let’s Try”. A última faixa do Electric Shock valoriza os vocais das garotas e leva influências do reggae, com uma letra que nos questiona: se você não está feliz onde está, por que não tenta ir para outro lugar?

Diferente de “Zig Zag”, em que a fuga da rotina é momentânea e ocorre apenas na imaginação, “Let’s Try” nos convida a mudar nossa realidade. Seja um relacionamento, um trabalho ou qualquer outra esfera da sua vida: se te faz infeliz, talvez seja hora de ir embora e começar um novo capítulo.

Pink Tape: o k-pop em sua maestria

“Love exists but with an absence of eternity” [“O amor existe, mas com a ausência da eternidade”]. Assim começa a narração de Krystal no art film do Pink Tape, o segundo e mais aclamado álbum do f(x), lançado em 2013. O vídeo funciona como trailer do filme de romance do f(x), que é a temática central e a proposta artística que permeia todo o trabalho.

O formato cru do art film apresenta as garotas entre projeções de vídeo, véus e bolhas de sabão, em gravações que propositalmente aparentam ser íntimas e amadoras, como segredos que elas apenas revelam para nós. A ideia, proposta por Min Hee-Jin e executada por estudantes de cinema, revolucionaria a forma como os teasers podem fortalecer o conceito dos trabalhos no k-pop.

Além do art film, a divulgação das imagens teasers como fotonovelas também fortaleceu o storytelling do Pink Tape. A estética retrô e a escolha de Kai, integrante do boy group EXO, para representar o interesse amoroso funcionam perfeitamente para criar a atmosfera romântica do álbum.

Com toda essa temática, não é estranho que o amor seja um assunto recorrente nas músicas. Mas compará-lo a um dente de siso? A metáfora inusitada é quem guia “Rum Pum Pum Pum”, single do Pink Tape. Eleita uma das melhores músicas de girl groups de todos os tempos pela Billboard, a faixa é o f(x) no seu melhor: instigante, peculiar e magnético. “Rum Pum Pum Pum” é uma música que te faz prestar atenção desde o início. A melodia exerce uma força sedutora, que os vocais aveludados de Krystal complementam: “Olá, você já deve ter ouvido falar de mim/ o seu dente de siso”. Os riffs de guitarra combinados ao sample de “Little Drummer Boy” e até o break com samba (!) criam uma faixa única, com uma letra estranha e genial ao seu próprio modo.

Em sequência, temos “Shadow”, umas das b-sides mais celebradas não apenas do f(x), mas de todo o k-pop. A faixa, que já havia sido apresentada anteriormente no art film do álbum, é um dos trabalhos mais experimentais do grupo. Com vocais inocentes e uma melodia que lembra as caixinhas de músicas, “Shadow” tem a atmosfera retrô e romântica que é a alma do Pink Tape. A letra, sobre uma sombra apaixonada pelo seu dono, é intencionalmente doce e aterrorizante — tudo depende da perspectiva.

O ar quase etéreo de “Shadow” dá lugar a “Pretty Girl”. A faixa mais hip-hop traz metáforas e referências a histórias infantis para nos apresentar uma terra estranha, onde as pessoas obedecem apenas a uma linda garota. Na letra, o f(x) assume novamente o papel de bruxas — mas ao contrário de “Sweet Witches”, como antagonistas. Por isso, elas se comparam a Bruxa Má do Oeste, a grande vilã de O Mágico de Oz. O mundo guiado pela beleza muda quando elas jogam um feitiço, que faz com que todas as meninas daquela terra tenham o mesmo rosto da linda garota. Assim, quando a aparência dela se torna comum, ela perde o poder que exerce sobre as outras pessoas.

“Achou que ia durar para sempre?
Por muito, muito tempo? Linda garota princesa?
Você sempre foi a personagem principal
Mas agora é diferente”

Do mesmo modo que critica os padrões de beleza, “Pretty Girl” celebra aquilo que nos torna singular além da aparência — no fim, é isso que nos torna especiais. É uma mensagem empoderadora, mas que não perde sua diversão com o tom debochado, em um estilo vilanesco típico de filmes adolescentes, que por vezes o grupo assume na música: destaque para os repetidos “ew” ao fundo do rap de Amber. São pequenos detalhes, mas que em um apanhado geral, constroem bem a faixa.

O f(x) essencialmente eletrônico volta com tudo em “Kick”. A faixa é uma produção tipicamente Hitchhiker: experimental, repetitiva e por vezes, caótica. É uma b-side ame ou odeie, mas que tem a cara do f(x). O vai e vem das batidas cria o cenário para as manobras de skate mencionadas na letra, que aqui também servem como metáforas para descrever o que é se apaixonar.

Mas, e agora, como fazer para deixar claro o interesse por alguém? Em “Signal”, o f(x) explica: é preciso sintonizar bem para pegar os sinais. A faixa é uma das melhores b-sides do álbum e tem uma vibe retrô impecável. Adoro a forma como os trechos em inglês de Krystal — o “Turn on the radio/ Stay tuned” [“Ligue o rádio/ Fique ligado”] — no início da música e Amber — “I’ll be an astronaut/ I’m searching on into space/ Turn on my radio, can you hear me?” [“Eu serei uma astronauta/ Estou procurando pelo espaço/ Ligue o rádio, você consegue me ouvir?”] — soam distantes, como se de fato as ouvíssemos pelo rádio.

Em “Step”, no maior estilo não-somos-como-as-outras-garotas, o f(x) deixa o salto alto de lado e aposta nos tênis para uma das faixas mais empolgantes do Pink Tape. Já a nostálgica “Goodbye Summer”, que vem em sequência, desacelera o ritmo do álbum com uma composição mais acústica, que leva co-autoria de Amber. Não há melhor maneira de descrever “Goodbye Summer” do que como o clichê do “friends to lovers” em forma de música. A letra traz dois pontos de vista: o da garota, interpretado pelo trio Amber, Luna e Krystal, e do garoto, cantado por D.O., integrante do EXO. Durante a faixa, os dois amigos relembram a época da escola, em que estavam sempre juntos, e se arrependem de nunca terem declarado seus sentimentos.

Se em “Jet” se apaixonar tem o impacto e a velocidade de um jato, “Airplane” amadurece essa ideia e compara um relacionamento amoroso a uma viagem de avião. O nervosismo e incerteza do início da relação, assim como o presente na decolagem, leva à alegria de viver um amor, que te deixa no céu de tamanha felicidade. Mas quanto tempo essa viagem dura? E quando ocorrerem as turbulências, o que será dessa relação? “Airplane” é um EDM-perfection e uma das b-sides mais interessantes do k-pop. A faixa ressalta as forças do grupo — o som eletrônico e o canto falado — e tem uma produção impecável, que como em outras músicas do Pink Tape, cria a ambientação ideal para as metáforas ganharem vida.

O f(x) volta a assumir seu lado feiticeira com a atrevida “Toy”: “Hey, quando todos estiverem dormindo nessa noite/ Devo fazer alguma mágica?”. A faixa é o convite do grupo para as garotas assumirem o controle e como elas, deixarem de ser “pequenos e fofos brinquedos” na mão de quem não as leva a sério.

“Eu não vou esperar eternamente por alguém
Que vai brincar comigo desse jeito
E depois me jogar fora
Amigos, acordem e não liguem pra nada”

“No More” é o mais próximo que o f(x) chega do soul. Composta originalmente para Ariana Grande, que chegou a gravá-la com o nome de “Boyrfriend Material”, a faixa ressalta as ótimas harmonias do grupo e fala sobre uma amiga manhosa como uma “raposa”, que sempre muda a personalidade de acordo com quem ela está saindo.

O fio dessa ideia — a face que você apresenta ao outro quando têm algum interesse romântico — também está em “Snapshot”, mas de maneira diferente. Inspirada nas músicas de teatro vaudeville, elas criam a trilha sonora de um espetáculo em que interpretam uma versão impecável de si mesmas. Mas criar essa imagem perfeita também tem seu preço: o que acontece quando elas deixarem esses truques de lado?

Dominadas pelo desejo e pelo êxtase de viver essa paixão, como Krystal narra no art film, elas adiam encontrar essas repostas. Mas em “Ending Page”, última música do Pink Tape, chega a hora de confrontar o lado mais temido do amor: o fim. Na faixa, as garotas sabem que o relacionamento não funciona mais e o término é eminente; ainda assim, elas não conseguem colocar um ponto final, incertas sobre a nova versão de si mesmas que irão encontrar após virarem a última página desse romance. Mais próxima de uma balada pop rock, “Ending Page” arremata o Pink Tape com melancolia, mas sem fazer com que o álbum perca sua força. Os vocais mais graves (destaque para o timbre da Sulli) e a letra mais introspectiva traduzem os sentimentos de uma despedida dolorosa, mas necessária.

Red Light: o f(x) e o mundo real

f(x)

Do conceito feminino e retrô de Pink Tape, o f(x) assume seu lado mais subversivo com Red Light. O terceiro álbum do grupo, lançado em 2014, é o último trabalho com a participação de Sulli, que ainda nas promoções do comeback entraria em hiatus e posteriormente, sairia oficialmente do girl group em 2015.

Red Light vai na contramão de tudo o que se espera de um grupo de k-pop com lançamentos na temporada de verão (o álbum foi lançado no começo de julho, no ápice desse período). Para o f(x), nada de conceitos alegres e coloridos: o quinteto aparece com roupas pretas, meia maquiagem e tapa-olhos. Segundo Min Hee-Jin, a ideia é retratar as garotas como se fossem “crianças que amam sonhar e com uma forte autodefesa que finalmente encontram a realidade”.  Nesse contexto, a imagem agressiva e dark é criada como uma armadura para enfrentar o mundo real, mas que não funciona na prática — é uma proteção ilusória.

Essa é uma ideia também presente na capa do álbum, que lembra os cartazes de procurados do velho-oeste, e em outras fotos do Red Light. O olhar feroz e a postura defensiva que o grupo assume nos coloca em estado de alerta: o f(x) está pronto para atacar. No entanto, uma análise mais atenta revela que essa é apenas uma pose, como se jogadas ao mundo real, elas ainda só conseguissem se proteger de forma infantil, da mesma forma que crianças pegam objetos aleatórios (vide a máscara respiratória e o controle remoto dos carros de brinquedo) e imitam armas com as mãos em suas brincadeiras.

Ainda que as habilidades e os recursos delas não sejam os ideais, isso não impede o f(x) de enfrentar a realidade. Por isso, “Red Light”, single do álbum, é uma música em estado de alerta — as garotas reconhecem os perigos desse mundo [“Ei, espere um momento/ Sob a regra da selva o mais fraco é comido”] e avisam: “Você será pisado se perder o foco”.

A letra de “Red Light” abre espaço para diversas interpretações. Independente do contexto que faz mais sentido para você, a ideia do single e do álbum é, como Min Hee-explica, contrapor o mundo real com o dos nossos desejos.

“Red Light foi uma mensagem de aviso expressa em uma imagem maior. Tabu e anseio. Utopia e distopia. Realidade e ideal. Ao apresentar todos esses códigos contraditórios juntos, eu queria mostrar de um lado o que o mundo nos proíbe; do outro, o que você anseia pelos seus ideais; ou como às vezes esses pensamentos podem existir de forma paralela. A meia maquiagem também pode ser entendida no mesmo contexto. Treze fotos teasers foram divulgadas todos os dias, das 9h às 21h, de hora em hora. O 9 e 13 também são números que muitas pessoas consideram tabus latentes. Eu queria romper com todos os tipos de estereótipos.” (tradução livre)

Além do conceito visual, essa dualidade também existe na sonoridade e na temática do Red Light. “Milk”, segunda faixa do álbum, já demonstra isso. A b-side começa da maneira mais inusitada possível, com uma cacofonia de sons que vai de um gato miando ao barulho de uma arma sendo recarregada. Individualmente, pode soar estranho, mas como a música vem logo em sequência de “Red Light”, a transição soa até natural.

Essa dualidade também está presente em toda a faixa, na linha tênue que existe entre o inocente e o sexy na letra, na melodia e nos vocais do grupo. A composição com elementos das músicas tradicionais indianas ajuda a criar essa sensualidade misteriosa, que faz “Milk” ser um dos destaques da carreira do grupo. “Butterfly”, outro ponto alto do álbum, soa mais etérea, graciosa como o voo de uma borboleta. Os sintetizadores lembram músicas pop dos anos 80, mas em uma versão repaginada e que tem a identidade do grupo.

“Rainbow”, por sua vez, muda completamente a rota. É explosiva, mais hip-hop, com o f(x) em seu momento mais girl crush. Diferente de Édith Piaf, que vê o mundo sob lentes cor de rosa quando está apaixonada, o f(x) o enxerga de forma tão colorida como um arco-íris. A ideia delas estarem embriagadas de amor cai bem com o ritmo acelerado e os repetidos “Kongdak Kongdak Mujigae” [“Boom boom arco-íris”] da música. Cores também aparecem na excelente “All Night”, que é o f(x) na sua versão disco. Já “Vacance” soa como uma férias de verão deve ser: alegre e despreocupada.  Musicalmente, as duas faixas não saem fora do comum, mas ainda têm aquele fator f(x) que faz elas terem um toque especial.

“Spit it Out”, “Boom Bang Boom” e “Dracula”, que vêm em sequência, já entregam uma proposta completamente diferente. “Spit it Out” é a mais eletrônica e agressiva de todas, com uma das metáforas mais intrigantes das letras do grupo — aqui, o amor vira algo comestível. Para alguém que não aprecia o afeto delas como deveria, as garotas exigem que ele “cuspa” o coração delas para fora. Já “Boom Bang Boom” é o f(x) clássico, bem atrevido e confiante. As garotas transformam o jogo de sedução em uma luta de boxe que já tem seu ganhador — elas, claro. Cada refrão simula um novo round, em que um novo ataque é acompanhado de um “boom bang boom”. Os “Are you ready for it? Rah!” [“Você está preparado para isso? Rah!”] fazem a faixa ficar ainda mais divertida.

“Dracula” é a faixa mais sombria do grupo. Os barulhos de trovão, junto com a voz distorcida e os gritos no início da música, apresentam a história de terror do Red Light: um Drácula que suga a vida das pessoas e se aproveita de pessoas solitárias. A letra em dois pontos de vista — a do Drácula e do f(x), que alerta sobre ele — é bem construída e faz a narrativa ficar mais rica.

Voltamos para o mood verão do álbum com “Summer Lover”, música em que Amber participa da composição. A irmã de “Vacance” é um amor de verão jovem e alegre, que te contagia e faz você querer se apaixonar como a letra da faixa. Das várias facetas do amor presentes na discografia do f(x), uma que não tinha tanto destaque era o seu lado mais vulnerável. “Paper Heart”, última faixa do Red Light, abraça esse tema de forma honesta. A aparência forte e orgulhosa é apenas uma fachada que esconde o medo delas se entregarem por completo a um amor, que parece bom demais para ser verdade. Por isso, as garotas pedem: tenha cuidado com meu coração de papel.

“Paper Heart” segue a recém-tradição dos últimos trabalhos do grupo de terem faixas mais sentimentais no final dos álbuns. A b-side encerra o trabalho de forma consistente, como um sucessor à altura do Pink Tape e que reflete o amadurecimento do conceito do grupo.

4 Walls: a fórmula como quarteto

Não é porque o f(x) cresceu que elas deixaram seu lado sonhador e imaginativo de lado. 4 Walls, quarto e último álbum do grupo, lançado em 2015, é prova disso. Igualmente aclamado como os seus antecessores, o trabalho atualiza a imagem do grupo e o apresenta oficialmente como um quarteto após a saída de Sulli. Considerando que o nome f(x) vem da matemática, é interessante observar como ela aparece com mais força no conceito do 4 Walls. Isso começa com a ênfase no número 4, cuidadosamente explorada em todo o trabalho visual do álbum. A inspiração na geometria tem um propósito: a ideia de que mesmo com a saída de Sulli, o f(x) ainda era um grupo sólido e completo.

Assim como na geometria, em que os pontos são a base de todas as figuras geométricas, Victoria, Krystal, Luna e Amber são a nova base do f(x). Por isso, as iniciais de seus nomes — V, K, L e A — aparecem como pontos que ligam linhas; estas, por sua vez, formam os retângulos e quadrados das novas logos do grupo (vide 1 e 2), que enfatizam a nova formação como quarteto. As letras também aparecem combinadas ao nome do grupo como a função f(V+K+L+A), que tem o 4 Walls como seu resultado final: um álbum mais maduro e coeso que seus antecessores.

Diferente dos outros trabalhos do grupo, 4 Walls tem uma estética mais minimalista e sofisticada, que também se traduz nas fotos teasers e no styling do grupo durante o período. Já a ideia das quatro paredes é trabalhada em seu sentido literal com uma exposição especial realizada em uma galeria de Seul. O evento, algo incomum no k-pop, foi realizado antes do comeback e contava com projeções de fotos e vídeos do photoshoot do álbum.

Enquanto single, “4 Walls” é uma música essencialmente house, mas com uma suavidade que por vezes, até a torna delicada. O MV sem coreografia (que por sinal, é incrível) resgata a matemática de forma mais abstrata, com uma temática centrada na teoria do caos e seu efeito borboleta, em que cada ação das integrantes do clipe desencadeia eventos improváveis, que por sua vez, criam novas dimensões.

De volta ao álbum, vamos para “Glitter” — que, quem diria, é uma das músicas mais românticas do f(x), ao descrever um amor que brilha como estrelas e fogos de artifício. Diferente de como o nome sugere, a faixa fica apagada no conjunto da obra, mas não deve ser subestimada: é como uma pequena joia, que brilha e reluz de sua própria forma.

“Deja Vu” é empolgante do início ao fim e um dos melhores trabalhos EDM do f(x). A ideia do déjà vu parece ser intencionalmente trabalhada na letra com a inclusão de nomes de outras músicas do grupo. Alguns trechos que me fazem pensar isso são o “Estou tão tonta, sei que você é perigoso” (uma possível referência a “Dangerous”, de Pinnochio) e “O arco-íris que está ao seu redor” (uma alusão a “Rainbow”, de Red Light), que descrevem sentimentos antigos que ressurgem na nova paixão.

O que fazer quando aquilo que tanto ansiamos nas nossas fantasias se torna real? O f(x) traz essa questão para “X”. Com elementos do funk e disco, a faixa é uma das b-sides mais diferentes do grupo, mas inegavelmente f(x) — difícil pensar em qualquer outro ato do k-pop que conseguiria entregar algo parecido. Não à toa, a faixa leva o “X” no nome: a variável essencial do grupo. Outro ponto que faz “X” ser tão boa é como ela é sexy e divertida do jeito menos óbvio possível. A melodia carrega a tensão da letra, que começa com toques nas mãos e explode no último refrão, quando enfim acontece o beijo. Os adlibs que lembram gemidos são excelentes e complementam perfeitamente o contexto da música: é como se cada um deles descarregasse a adrenalina que existe em cada novo toque.

Prontas para uma noite mágica e envolvente, o f(x) nos entrega o house fenomenal de “Rude Love”. Aqui, não há mais espaço para os joguinhos de “X”: a hora é agora. Por isso, elas cantam em uníssono, sem rodeios: “Eu estou te querendo, baby”. “Diamond” vem em seguida com seu hino ao amor próprio, que ganha força nas batidas hip-hop. Na letra, as garotas celebram suas diferentes facetas e se comparam ao diamante, que leva anos para ser formado e mesmo com a aparência delicada, transmite força.

Se em Red Light as garotas peculiares e sonhadoras conhecem a dura realidade, “Traveler” é o grito de frustração delas com o mundo adulto. Mas como fugir da rotina excruciante do dia a dia? A solução do grupo é viajar. Para dar coro à voz do f(x) inconformado, Zico, na época ainda integrante do boy group Block B e hoje um dos nomes de maior destaque do hip-hop sul-coreano, participa do rap.

Já em “Papi”, f(x) mostra quem são as patroas. Com o “B O S S, C E O/ Ei, eu sei a resposta/  Eu te mostrarei como o mundo é meu!” do início, o girl group entrega uma das músicas mais poderosas do álbum. Junto com “Rude Love” e “Cash Me Out”, que vem em seguida e é uma regravação de Zara Larsson, as três são hits certos para qualquer boate. Para fechar o álbum com chave de ouro, temos “When I’m Alone”. A faixa, composta originalmente por Carly Rae Jepsen para o álbum E•MO•TION, é solitária, introspectiva e conclui perfeitamente a sonoridade eletrônica do 4 Walls, sem fazer com que o álbum perca o fôlego.

Do futuro que não veio ao legado

Depois de três álbuns sólidos e aclamados lançados em sequência, o que o f(x) poderia trazer de novo ao k-pop? Infelizmente, essa foi uma pergunta que nunca chegou a de fato ser respondida. Após o 4 Walls, o grupo não lançou mais álbuns e entraria em um hiatus não oficial até 2020, quando as integrantes não renovaram seus contratos com a SM Entertainment e as atividades foram encerradas.

Diversos são os motivos que podem explicar a falta de lançamentos do grupo nesse período. Primeiro, temos as tensões diplomáticas da China com a Coreia do Sul por causa do THAAD, que dificultaram as promoções de Victoria, membro chinesa, com o grupo. Nesse meio tempo, como acontece naturalmente com outros grupos de k-pop, as outras integrantes também começaram a ter mais projetos individuais: Amber e Luna, por exemplo, lançaram álbuns solos, enquanto Krystal focou mais em seus trabalhos como atriz.

No fim, o que parece pesar mais é o modo como o grupo ficou em segundo plano para a SM. Essa sempre foi uma questão chave para entender o f(x), que mesmo sendo bem-sucedido, nunca foi o foco das atenções da empresa. O exemplo mais claro disso é como o girl group só teria o nome oficial do fandom e o primeiro show solo de sua carreira após sete anos de atividade, um tempo absurdamente grande em comparação a qualquer outro ato no k-pop.

Além disso, não podemos ignorar a “maldição dos sete anos”, tempo que geralmente duram os contratos dos grupos e artistas de k-pop, costuma atingir os girl groups em cheio. Dificilmente vemos algum continuar ativo depois desse período, o que reflete a dificuldade da indústria musical sul-coreana, assim como a da música pop mundial como um todo, em lidar com o envelhecimento das mulheres.

Por todas essas questões, o fim das atividades do f(x) durante o seu ápice e com as integrantes tão jovens (Krystal, que era a integrante mais nova, tinha acabado de completar 21 anos em 2015) soa tão prematuro. Apenas vislumbramos possibilidades de como o grupo poderia vir a crescer com os singles lançados após o 4 Walls: “Wishlist”, música para o projeto de natal Winter Garden da SM; “All Mine”, para o SM Station; e “Cowboy”, b-side do single do 4 Walls em japonês. Mesmo sendo lançamentos pequenos, sem qualquer promoção, as três faixas são acima da média e refletem a força da maturidade sonora que o f(x) alcançou no último álbum.

No entanto, é irônico pensar que a própria forma como o grupo nunca esteve no radar principal da SM também explica a razão dele ter sido tão diferente. Proposital ou não, o f(x) ganhou a fama de ser o ato hipster do k-pop, como um grupo que lança tendências em vez de segui-las. Não à toa, a fama do girl group foi além da Coreia do Sul e o fez ganhar os títulos de “maior grupo pop vivo do mundo” pela revista SPIN e “um dos atos mais empolgantes do pop no planeta” pela Vice.

Mesmo em 2021, a discografia do f(x) se mantém como uma das mais aclamadas no pop sul-coreano. Pela Billboard, o grupo conquistou o posto de melhor álbum e b-side de k-pop da última década com Pink Tape e “Shadow”. Quebrando os preconceitos que existem com as músicas de artistas idol, o girl group foi o único grupo feminino de k-pop com um trabalho na lista do Melon e do jornal Hankyoreh de melhores álbuns da música coreana.

Hoje, não há dúvidas de que o f(x) é um dos maiores exemplos de como o k-pop pode ser criativo e experimental no mainstream, sem seguir obviedades. O legado do grupo vive hoje nos seus fãs, nas jovens que elas inspiraram mas, especialmente, na forma os grupos femininos atuais conseguem explorar diferentes conceitos, narrativas e estilos musicais.


** A arte em destaque é de autoria da colaboradora Duds Saldanha.