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Horror PG-13: classificação indicativa e o público jovem no horror

A história da produção e distribuição de obras cinematográficas, embora possua trajeto singular em cada parte do mundo, se desenvolve atrelada a um esforço comum por regulamentação no que diz respeito aos conteúdos adequados para cada faixa etária. Para o cinema estadunidense, um marco nessa regulamentação é o surgimento do PG-13 em 1984, um sistema de classificação indicativa, após filmes como Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984), Gremlins (1984) e Poltergeist (1982) colocarem em pauta o tipo de conteúdo que se pode considerar adequado para crianças e adolescentes.

Atualmente, os Estados Unidos organizam os conteúdos audiovisuais em Rated G (público em geral — todas as idades admitidas); Rated PG (sugestão de orientação parental — algum material pode não ser adequado para crianças); Rated PG-13 (pais fortemente advertidos — algum material pode ser impróprio para crianças menores de 13 anos); Rated R (restrito — menores de 17 anos requerem o acompanhamento dos pais ou adulto responsável) e Rated NC-17 (adultos apenas — não são admitidos menores de 17 anos).

No Brasil, temos o sistema de Classificação Indicativa – ClassInd que determina as faixas etárias adequadas para cada tipo de conteúdo e as condições de acesso. De maneira resumida, o sistema nacional tem como critério de análise a presença de drogas; violência; sexo e nudez. A partir da intensidade com que esses elementos aparecem nas obras e considerando determinados atenuantes ou agravantes, organiza-se as produções com indicação livre, 10 anos, 12 anos, 14 anos, 16 anos e 18 anos.

Esses sistemas classificatórios, embora inicialmente possam ser vistos como uma ferramenta para auxiliar os pais e responsáveis na escolha do tipo de conteúdo a ser consumido por crianças e adolescentes, são também cercados de controvérsias envolvendo pânico moral e as transformações culturais que ocorreram junto ao desenvolvimento desses sistemas. Mas, o que, exatamente, esses sistemas classificatórios significam para o gênero de horror e a importância dos filmes de horror indicados para os mais novos?

Classificação Indicativa - Filme de terror - Poltergeist (1982)

Acredito que se há um lugar para se iniciar essa discussão, esse deve ser composto pelos filmes que colocaram o PG-13 em pauta. Poltergeist (1982), por exemplo, recebeu inicialmente um Rated R devido ao uso de efeitos sonoros extremos — e inovadores para a época — como um modo de intensificar as cenas assustadoras dentro do filme. Entretanto, o estúdio conseguiu uma apelação revertendo essa classificação para apenas PG, tendo em vista que o filme tinha um apelo family-friendly. Analisando mesmo agora, mais de 30 anos após o lançamento do filme, é difícil dizer qual das interpretações era a mais adequada. Afinal, Poltergeist tem um apelo familiar, mas também cenas de horror com efeitos sonoros marcantes e assustadores. Essa dualidade, foi justamente o que fez Poltergeist ser visto por autores como Newman Kim como uma anomalia no gênero de horror, já que o filme conseguiu ser lido pela crítica e pela audiência como, ao mesmo tempo, um filme de horror e um filme familiar.

Os casos de Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) e Gremlins (1984) são ainda mais emblemáticos, já que ambos receberam um Rated PG que foi contestado pela crítica e pelo próprio público. Um exemplo do teor dessas contestações é a crítica de Roger Ebert publicada em 8 de Junho de 1984 no Chicago Sun-Times:

O filme em si fica desagradável, especialmente numa cena envolvendo um monstro que é jogado em um micro-ondas […] quanto à cena do micro-ondas, tive a sensação desagradável de que em breve estaríamos lendo notícias de jornal sobre crianças que foram para casa e tentaram fazer a mesma coisa com o gato da família.

Assim como a crítica acima, diversas outras contestações em torno de Gremlins e Indiana Jones e o Templo da Perdição pareciam estar preocupadas não só com o que as crianças poderiam ver nesses filmes, mas também com o que poderiam fazer inspiradas pelos filmes. Levando em conta esse tipo de preocupação, a CARA (Classification & Ratings Administration) passou a aprimorar o PG-13 como uma linha que separa aquilo que é aceitável para crianças entre 10 e 12 anos, mas excessivo para crianças abaixo dessa idade.

Classificação Indicativa - Filme de terror - O Sexto Sentido (1999)

Com isso, teve-se o início não só de uma nova categoria para a classificação de filmes em geral, mas também de uma espécie de nicho dentro do cinema de horror. Court Mann, em um artigo sobre a influência do PG-13 no horror, destaca que até 1999 só existiam quatro filmes PG-13 entre os 20 de maior bilheteria no mundo. Entretanto, esse cenário começou a mudar a partir do lançamento de O Sexto Sentido (1999). Entre 2000-2009 e 2010-2019, o número de filmes PG-13 entre as maiores bilheterias de horror seguiu como quatro em cada década. A diferença é que esses filmes se firmaram como os mais influentes e rentáveis para suas respectivas épocas. O Grito (2001), Os Outros (2001), O Chamado (2002), Cloverfield (2008), Guerra Mundial Z (2013), Insidious (2013) e Um Lugar Silencioso (2018) são exemplos disso.

Atualmente, vemos não só com um constante desenvolvimento de novos títulos PG-13, como é o caso de Scary Stories To Tell in the Dark (2019), Happy Death Day (2017) e sua sequência Happy Death Day 2U (2019), mas também remakes como Black Christmas (2019). Esse último foi, inclusive, bastante questionado pela classificação PG-13 já que tanto a versão original de 1974, como o remake de 2006 foram filmes de Rated R, conhecidos pelo grau de violência empregado ao longo da obra.

De acordo com Sophia Takal, roteirista e diretora do mais recente Black Christmas (2019), a proposta do novo filme era fazer com que as mortes fossem muito mais artísticas e mais sobre o que acontece fora de quadro e não exatamente nas cenas. A diretora explicou ainda que acredita que há um lugar real para esse filme e que há muito para se contribuir com o diálogo sobre misoginia e violência contra mulheres. Nesse sentido, a obra foi repensada para uma audiência formada principalmente por meninas mais jovens, e daí viria a importância do lançamento na categoria PG-13.

A visão de Sophia Takal, embora não seja compartilhada por muitos daqueles envolvidos tanto no consumo, como na produção dentro do cinema de horror, revela uma preocupação essencial em torno da sustentação de um gênero. Não se pode esperar a sobrevivência de um gênero como o horror sem pensar a respeito da formação de novos fãs. É nesse sentido que os filmes PG-13 já citados neste texto, mas também animações como Scooby-Doo (1969 – presente) e Coragem, o Cão Covarde (1997-2002) ou animes como Another (2012) e Attack on Titan (2013 – presente), se destacam como trabalhos capazes não só de explorar a linguagem do horror para um público mais novo, mas muitas vezes responsáveis por introduzir esse público à ideia de sentir medo como forma de entretenimento.

Classificação Indicativa - Filme de terror - The Craft (2020)

Produzir esse tipo de conteúdo, embora necessário, não é uma tarefa simples em tempos de internet. O próprio Black Christmas (2019) de Sophia Takal foi extremamente criticado por não ser “assustador de verdade”. Bem, poderíamos discutir a respeito do que significa ser “assustador de verdade”, mas me parece que de todas as críticas que o novo Black Christmas poderia receber essa é a mais comum e mais rasa. Afinal, a proposta do filme é justamente ser visto por um público que talvez não esteja preparado para ver o que um adulto consideraria “assustador de verdade”.

Classificações indicativas são um guia de consumo, mas inevitavelmente também um guia de produção, ou seja, as obras são pensadas para serem direcionadas para determinados públicos. Isso não isenta nenhum filme de crítica, mas pede que boas críticas sejam capazes de entender aquilo que o filme propõe alcançar, com a abordagem que escolheu.

Nesse sentido, é um alívio perceber que grandes produtoras do gênero de horror como a Blumhouse e a Ghost House seguem investindo em filmes PG-13. Sabemos que existe um claro interesse financeiro devido a rentabilidade desse nicho. Porém, há também a importância de dar aos mais novos sua chance de se descobrir no gênero de horror, assim como outras gerações puderam fazer isso com Poltergeist (1982), O Sexto Sentido (1999) ou O Chamado (2002).

Para finalizar, vale ressaltar que em outubro deste ano o remake de Convenção das Bruxas (1990), que será lançado no HBO Max, deve aumentar a lista de filmes que trabalham com elementos do horror para um público mais novo. Seja qual for o resultado entregue no novo filme, ficamos aqui na expectativa de que as críticas, principalmente on-line, possam ir além do famigerado “infantil demais”.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!

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