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The Land Is Inhospitable And So Are We: Mitski é muito mais que “sad girl music”

As canções de Mitski — cantora e compositora nipo-americana que acabou de lançar seu sétimo álbum de estúdio The Land Is Inhospitable and So Are We — são frequentemente rotuladas como “sad girl music” [música de garota triste, em tradução livre]. O termo não tem uma definição exata, mas é bastante popular nas redes sociais, sobretudo entre a GenZ e as “adolescentes de vinte e poucos anos”. Basicamente, trata-se de uma espécie de subgênero musical, caracterizado por músicas melancólicas — com melodias próximas do indie pop/rock — e letras sentimentais, que falam sobre solidão, relacionamentos complicados e a agonia de viver em um mundo em colapso.

Além de Mitski, as playlists das sad girls costumam incluir Lana del Rey, Weyes Blood, Mazzy Star, Billie Eilish, Fiona Apple, Japanese Breakfast, Olivia Rodrigo, Clairo, e Julien Baker, Lucy Dacus e Phoebe Bridgers (que juntas formam o grupo Boygenius). E, apesar das vozes serem majoritariamente femininas, artistas como The National, Radiohead, Sufjan Stevens e The Smiths também são geralmente incluídos no gênero.

Em um artigo para a Harper’s Bazar, a autora Laia Garcia-Furtado defende o lado positivo (por mais contraditório que soe) das “músicas para garotas tristes”. Para ela, as composições rotuladas como “sad girl music” são uma forma de representar a experiência de jovens adultas em um mundo que não foi feito para elas. Assim, essas músicas são como um conforto para as garotas que não se contentam em viver em uma realidade patriarcal permeada por injustiças. Ela ainda afirma que:

“Quando a sociedade te chama de uma ‘sad girl’, é um eufemismo para qualquer pessoa que discorde do status-quo.” 

No entanto, ao contrário dessa visão mais otimista, há quem considere que o termo “sad girl music” é um limitador para artistas femininas, além de um reforço para estereótipos de gênero. Em um artigo para o jornal estudantil da Universidade da Califórnia, Daily Bruin, a autora Katy Nicholas argumenta que quando colocamos as músicas de cantoras femininas que expressam seus sentimentos dentro da mesma caixinha, limitamos as individualidades e as mensagens únicas que cada artista deseja transmitir. Como exemplo, Nicholas cita músicos como Khalid e Hozier, que também têm canções bastante sentimentais e emotivas, mas que não são reduzidas a um subgênero, enquanto artistas femininas como Phoebe Brigders, Lucy Dacus e Mitski são logo encaixadas na playlist Sad Girl Starter Pack do Spotify. Isso faz com que a complexidade e a particularidade das canções sejam ignoradas e reduzidas a músicas para garotas tristes.

Aliás, em entrevista para a Crack Magazine — na época de lançamento de seu penúltimo álbum Laurel Hell, em 2022, — a própria Mitski declarou:

“O termo ‘sad girl’ já era redutivo e fatigante cinco, dez anos atrás e ainda é hoje. Vamos aposentar essa coisa de ‘sad girl’. ‘Sad girl’ já era.” 

Apesar dessa declaração, muitos fãs da cantora continuam a classificar suas canções como “sad girl music”. É interessante notar que, assim como os vários cores (emocore, balletcore, cottagecore) e estéticas que vêm sido impulsionadas pelo TikTok, a onda da “sad girl” também pode ser considerada uma trend entre “pessoas cronicamente on-line”. Nesse sentido, é curioso perceber o contraste com a forma como a própria Mitski lida com essa realidade hiperconectada. Além de ser extremamente reservada em relação à sua vida pessoal, a artista saiu das redes sociais há alguns anos, tendo suas contas atualizadas por sua equipe.

Inclusive, após Be The Cowboy — seu álbum de maior aclamação — seguido pelo indie pop  desesperançoso Laurel Hell (lançado no final do período pandêmico), havia boatos de que Mitski se aposentaria da vida artística. Felizmente, em julho deste ano, a cantora anunciou a renovação do contrato com sua gravadora e o lançamento de um novo álbum. O anúncio foi feito em vídeo, em suas contas no Instagram e no TikTok, onde já acumula mais de 1 milhão de seguidores e é cultuada em certos nichos da rede.

Para quem a acompanha por um tempo, foi uma surpresa vê-la fazendo tantos vídeos comentando e divulgando seus singles nas redes sociais. E esse novo modo de lidar com o ambiente on-line tem dado resultados: a música “My Love Mine All Mine” alcançou o 1º lugar nos charts do TikTok da Billboard e ficou na posição 49º no ranking geral, sendo a primeira vez que a cantora entrou para o Top 50.

Depois dessa longuíssima introdução, defendo que o mais novo álbum de Mitski, intitulado The Land Is Inhospitable And So Are We (em tradução livre: a terra é inóspita e nós também), a consolida como uma artista que está além de charts, trends e do gênero “sad girl music”.

The Land Is Inhospitable And So Are We entrou para a minha lista pessoal de obras que me fazem sentir muito, mas que são difíceis de serem analisadas criticamente. Como explicar, racionalmente, o motivo de um arranjo musical e de uma combinação de frases me emocionar? Para além das letras poéticas, a estética das músicas de Mitski é algo que se destaca especialmente nesse álbum. O coral religioso em “Bug Like An Angel”, os resquícios de country em várias faixas e a incorporação de sons da natureza em “I’m Your Man” tornam The Land Is Inhospitale And So Are We o contrário do que seu título indica: é algo que faz nos sentirmos vivas.

Sobre o conteúdo, as letras falam sobre devoção e culpa, onde sentimentos pessoais são colocados em paralelo com a religiosidade. Na primeira faixa do álbum, e também single, “Bug Like An Angel”, Mitski canta em tom confessional:

“When I’m bent over, wishin’ it was over
Makin’ all variety of vows I’ll never keep
I try to remember the wrath of the devil
Was also given him by God”

Outra temática bastante presente no álbum é o amor e o ato de amar. Ao dissecar a letra de “My Love Mine All Mine” para o site Genius e na sua própria conta no Tiktok, Mitski comenta que “amar é a melhor coisa que eu já fiz, a coisa mais bonita. Melhor do que qualquer canção que já escrevi, que qualquer item material que eu tenho, que qualquer conquista. E eu desejo, que, após morrer, eu pelo menos deixe esse lindo amor no mundo”.

Em composições anteriores, Mitski deixa transparecer a angústia, sentimentos de insuficiência e o anseio por ser amada — o que muito contribuiu para seu rótulo de “sad girl music” — contudo, assim como em álbuns anteriores, as canções de The Land Is Inhospitable And So Are We não são apenas lamentações ou “músicas emotivas demais”. Do mesmo modo que artistas como Sufjan Stevens e Ethel Cain, a forma e os arranjos musicais de Mitski moldam o tom confessional do seu conteúdo.

Se em Bury Me At Makeout Creek (terceiro álbum lançado em 2014) e em Puberty 2 (quarto álbum lançado em 2016), Mitski canta sobre se tornar adulta em uma realidade hostil e busca pelo amor, pela aceitação e pela felicidade, em The Land Is Inhospitable And So Are We ela parece estar mais em paz com o que tem a oferecer. Amar é suficiente, independente de ser amada de volta. No entanto, sendo a Mitksi, é claro que o álbum continua recheado de angústias, culpa, solidão e a necessidade de encarar os próprios defeitos, o que só deixa suas canções ainda mais reais e identificáveis.

Mas, para além de tentar compreender letra por letra ou encaixar o álbum em uma caixinha de músicas para garotas tristes, The Land Is Inhospitable And So Are We nos faz sentir e nos mostra que amar é suficiente, e às vezes o melhor ou a única coisa que nos resta fazer.