Categorias: LITERATURA

Girls Like Girls: amadurecimento e amor na obra de Hayley Kiyoko

O primeiro amor dói. Em parte, porque acompanha o amadurecimento necessário da adolescência e porque nem sempre estamos prontos para entender o que significa amar alguém. E quando esse primeiro amor marca também a descoberta da própria sexualidade, a confusão sentimental pode ser ainda maior, principalmente se não há apoio ou acolhimento por perto. O livro Girls Like Girls (2023), de Hayley Kiyoko, segue esta montanha russa de emoções de um relacionamento na adolescência entre duas jovens, com toda alegria e excitação, mas também com a tristeza e a desilusão.

A obra, na verdade, é uma expansão do universo apresentado no videoclipe de 2015 da música de mesmo nome, lançada por Kiyoko. A atriz, cantora, compositora e escritora, que estava trazendo a público a sua sexualidade na época, queria fazer canções sobre ser lésbica e estar apaixonada por uma mulher.

“Fala uma coisa que você nunca contou para ninguém. Eu demorei para responder. ‘Bem, eu nunca disse para nenhum dos meus colegas compositores, mas sou lésbica.’ Qual é a coisa sobre a qual você sempre quis escrever? ‘Sobre o fato de eu ser muito lésbica.'” (p. 316)

Girls Like Girls

Elementos do clipe continuam no livro, como a bicicleta amarela de Coley, a dança de Sonya e a surra que Coley dá no namorado de Sonya — que pode ser colocado como o antagonista — porque sim, ela defende a mulher que ama. Contudo, além de um fan service para quem vem assistindo ao clipe desde o lançamento em modo replay, a história e as personagens ganham mais profundidade e subtramas.

Coley é uma adolescente de 17 anos obrigada a se mudar para uma cidadezinha no interior do Oregon (EUA) após a morte da mãe. Ela passa a morar com o pai, que a abandonou ainda pequena. Lidando com o luto pela mãe e o ressentimento com o pai, Coley tenta fugir de qualquer sentimento. Mas em um dia quente de verão, ela é quase atropelada por um carro com um grupo de adolescentes e acaba conhecendo Sonya. Assim que vê a garota, Coley se encanta.

“Ela tem uma beleza inquestionável. A maioria das garotas tem uma beleza mais ou menos, e não estou sendo hipócrita nem nada. Eu mesma me incluo nesse grupo […]. Mas essa garota… ela é linda. É de parar o trânsito. É linda a ponto de fazer as pessoas perderem a linha de pensamento.” (p. 20)

As duas vão se aproximando após este encontro, compartilhando vivências, sonhos e segredos. Elas tentam mostrar uma à outra quem são de verdade, expondo suas fragilidades e se arriscando nessa confiança mútua. Por ter sido inspirada em uma música, em algumas partes do livro, quando as personagens estão postando no LiveJournal — que pode ser comparado ao nosso finado e querido MSN —, são mencionadas diversas músicas dos anos 2000 que marcaram a trajetória de toda sáfica pré-adolescente, como “My Happy Ending”, da Avril Lavigne. A história tem outro diferencial, em comparação ao clipe, que é nos oferecer o ponto de vista das duas, ajudando o leitor a compreender como cada uma é afetada pelas ações que ocorrem ao longo da trama. Apesar da narrativa se concentrar em Coley, ter acesso ao ponto de vista de Sonya é fundamental para entender a complexidade da relação delas. Porque amar é a parte fácil; o complicado são as bagagens que vêm junto.

Sonya é a garota rica da cidade, popular e uma dançarina excepcional — e, se depender da mãe, será uma campeã de dança de grande sucesso. Sonya sofre com o controle excessivo da mãe e as expectativas jogadas em cima dela, não só quanto a carreira, mas como pessoa também. Estar apaixonada por Coley é ir contra todas as regras que a fazem ser aceita pelos amigos e pela família. Sonya toma algumas decisões bem ruins que quebram a relação de confiança que criou com Coley, mas não porque seja egoísta ou uma pessoa ruim, apenas por ter medo. O amor, independente de quando acontece, é um risco. Você precisa ser verdadeiro consigo mesmo para dar este passo. Neste ponto, são os personagens secundários e suas histórias que fazem a diferença.

“Coley aparece toda noite. Na minha cabeça, no meu coração, no meu corpo. Ela se enfia debaixo da minha pele, trazendo vida, e não consigo fazer nada. E nem quero. É tudo o que eu tenho dela agora. […] Se eu ficar quieta e imóvel aqui. Talvez eu me transforme em uma estátua de pedra. E aí talvez minha mãe fique feliz. E aí talvez essa dor passe. Por que não consigo deixar Coley para trás?” (p. 258-259)

É enquanto tenta esmagar este sentimento que Sonya acaba se aproximando de Faith, antiga rival das competições de dança, durante um acampamento. Faith é tudo que Sonya tem medo de ser. Ela assumiu sua sexualidade, mas a mãe rompeu com ela e os pais se divorciaram. Faith é divertida, consciente de si mesma e está vivendo tudo que tem direito, incluindo se relacionar com outras garotas. Mas para Sonya, Faith é o exemplo de tudo que ela pode perder se decidir viver o que sente por Coley.

“Não posso ser como Faith. Só posso ter lembranças de beijos nos trilhos, dos olhos de Coley brilhando ao me ver como se eu fosse especial, e sei que nunca vou ter nada disso de novo. Alguém olhando para mim como se me entendesse, porque de fato me entende.” (p. 270-271)

Enquanto isso, Coley encontra no restaurante em que trabalha outras vivências LGBTQIAPN+ que mostram ser possível viver um amor assim mesmo em uma cidade conservadora. Coley, após a decepção com Sonya, acaba encontrando apoio no pai, a quem tentava afastar de todas as maneiras. Ao longo do livro vemos os dois tentando encontrar um equilíbrio e tentar fazer dar certo, mesmo com as mágoas e a dor da perda. Sem Sonya, Coley não tinha ninguém mais com quem pudesse conversar e ter algum tipo de apoio. Curtis reconhece seus erros e está disposto a dar tudo de si para estar com a filha. Tudo isso dá uma base para Coley que acreditava ser impossível ter, deixando mais forte para lidar com Sonya.

O contraste entre as redes de apoio cada uma exemplifica duas jornadas que pessoas LGNTQIAPN+ acabam vivenciando. Sonya vive um relacionamento tóxico com Trenton, que mantém por ser uma forma de fugir do que sente por Coley. Mente e esconde o que está sentindo da única amiga que poderia apoiá-la por medo da rejeição. Somente quando já está esgotada de viver mentindo para si mesma é que ela se arrisca.

“Eu a beijo mais uma vez. Um beijo doce e simples que nunca tínhamos trocado antes. O tipo de beijo que só é possível quando não há tristeza ou preocupação, ou apreensão com coisas ruins. O tipo de beijo que diz oi e amo você e estava com saudades e sempre vou estar do seu lado.” (p. 315)

Girls Like Girls é uma história sobre luto, amadurecimento e autoaceitação que merece uma continuação. Hayley Kiyoko colocou suas próprias vivências na obra e atendeu aos diversos pedidos de fãs que queriam ver mais de Coley e Sonya após o clipe. Agora, a lesbian Jesus — como foi apelidada pela comunidade — precisa nos mostrar o relacionamento de Sonya e Coley, os desafios do colégio e quem sabe um pouco delas descobrindo o mundo, indo para faculdade. Porque garotas que amam garotas não é algo novo*, mas elas terem um final feliz na mídia, é.


Referências

PONTO, Louie. GIRLS LIKE GIRLS: o clipe da Hayley Kiyoko virou livro. YouTube. Postado em 27 de junho de 2023. Link: https://www.youtube.com/watch?v=mByhS44YDYk&ab_channel=LouiePonto. Consultado em 4 de outubro de 2023.

*Trecho da música “Girls like Girls”: “Girls like girls like boys do / Nothing new”


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