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Da W Series à F1 Academy: presença feminina

Anunciada em 2018, a W Series era uma categoria exclusivamente feminina que tinha como objetivo dar oportunidades para as pilotos assim como servir de “categoria de base” para o desenvolvimento de novos talentos. Diferentemente de categorias como a F3 e a F2, na W Series as pilotos não precisavam pagar pelos assentos. Assim, para escolher as competidoras que ocupavam as 23 vagas disponíveis no grid, sendo 18 para pilotos regulares e 5 para reservas, era realizada uma seletiva. Esse sistema de “entrada franca” era importante devido a dificuldade das pilotos conseguirem patrocínio, de modo que a categoria diminuiu as barreiras financeiras que impedem as mulheres de progredirem no automobilismo.

Na época de seu lançamento, a criação de uma categoria de fórmula exclusiva para mulheres recebeu críticas por estar, aparentemente, perpetuando uma noção segregacionista dos esportes à motor. Mas, apesar de homens e mulheres poderem competir juntos nas categorias automobilísticas, Catherine Bond Muir, fundadora e CEO da W Series, em entrevista à Forbes, destacou a categoria como uma resposta à sub-representação feminina no esporte. Tomando como exemplo a Fórmula 1, considerada o “pináculo do esporte à motor”, fica claro o que Muir quer dizer. A última mulher que disputou uma corrida oficial na F1 foi Lella Lombardi, na temporada de 1976, há mais de 45 anos. Em 2014, Susie Wolff chegou a participar de um treino livre pela Williams, mas nunca conseguiu disputar uma corrida na Fórmula 1.

W Series

Como aponta a jornalista Julianne Cerasoli no texto “Categoria 100% feminina como experimento”, a criação de uma modalidade feminina poderia ser interessante como um campo de estudos para entender as necessidades das mulheres do ponto de vista físico. Assistindo pela TV não parece que os pilotos fazem muito esforço físico e por isso, vez ou outra, surgem discussões se pilotos são ou não atletas. Mas, dirigir um carro a mais de 200km/h, como é o caso dos carros da Fórmula 1, 2 e 3, exige uma preparação física que considere da Força G até o desgaste físico causado por temperaturas elevadas. Durante o Grande Prêmio de Singapura, uma das corridas mais fisicamente desafiadoras do calendário da F1, os pilotos enfrentam altas temperaturas e podem chegar a perder 4kg durante a corrida.

No entanto, embora argumentos sobre a fisicalidade dos esportes a motor sejam comumente  utilizados para dificultar a entrada de mulheres no mundo do automobilismo, essa questão precisa ser levada em consideração, mas sob outra ótica. Isso porque, assim como quase tudo, os cockpits não foram pensados para corpos femininos. Questões sobre a ergonomia dos monopostos também demonstram como a não consideração do corpo feminino dentro do automobilismo parte de uma noção de exclusão mais ampla, que afetou e afeta a vida de mulheres em várias áreas da sociedade.

Uso os verbos no passado ao me referir a W Series  porque, em 2022, a categoria foi encerrada prematuramente devido a questões financeiras. A categoria não recebeu a quantia prevista de um investidor e decidiu focar na arrecadação para 2023, cancelando as últimas três corridas da temporada. O anúncio do encerramento antecipado foi um balde de água fria para todos os envolvidos na categoria e, mesmo que, na época, Muir continuasse otimista sobre o futuro, pilotas que participavam da W Series já começavam a ser anunciadas em outras competições o que levantava dúvidas sobre a continuidade da competição.

W Series

Enquanto não tínhamos notícias sobre a continuidade da W Series, as atenções se voltaram para a F1 Academy. Anunciada em novembro de 2022, a F1 Academy é uma iniciativa que tem, assim como a W Series, o objetivo de aumentar as oportunidades de formação para pilotos mulheres. Diferentemente da W Series, que sustentava um sistema de “entrada franca”, no entanto, na categoria fundada pela F1, as pilotos precisam investir um valor de 150 mil euros, valor que corresponde ao financiamento da própria F1 Academy.

Entretanto, provavelmente, por ter sido anunciada logo após o encerramento precoce da temporada de 2022 da W Series, a iniciativa foi recebida com certo ceticismo, já que, a falta de mobilização da F1 para salvar a W Series levanta questões sobre o quão interessada a F1 realmente está em oferecer oportunidades e diminuir as desigualdades dentro das categorias. Atrelada a essas questões, a competição também foi alvo de diversas críticas, principalmente no que diz respeito ao seu funcionamento e transmissão das corridas.

Uma das questões sobre o funcionamento da competição é que não ficava claro o que aconteceria com a campeã, isto é, não ficava claro se a campeã garantiria uma vaga em outra categoria, por exemplo. Na W Series, Jamie Chadwick, que foi tricampeã da competição, retornou ao grid após o seu bicampeonato porque não conseguiu levantar fundos suficientes para ingressar na F3 ou F2. A F1 Academy, assim como a W Series, é uma categoria voltada para a formação de pilotos, um ponto de partida para jovens talentos, assim, indagações sobre o quanto as academias de pilotos e outras competições estão interessadas em importar talentos da categoria feminina são relevantes.

Acerca da transmissão, a crítica consistia no fato de que NÃO haveria transmissão da temporada. E foi assim. Para atualizar o público, eram disponibilizados nas redes sociais fotos e resumos, mas a corrida em si não era transmitida. Essa decisão resultou em críticas, uma vez que a essência da categoria é proporcionar visibilidade e promoção tanto às corridas quanto as pilotos. Apenas no encerramento da temporada, que aconteceu junto com um fim de semana da F1, houve transmissão ao vivo pelo YouTube.

Ao longo da temporada de 2023 da F1 Academy, e mesmo após o seu encerramento, novidades entusiasmantes foram sendo divulgadas. Dentre elas, o anúncio de que as corridas acontecerão no mesmo final de semana da F1, o que, além de dar visibilidade para a competição, pode facilitar questões relacionadas à transmissão das corridas, e de que em 2024 as 10 equipes que compõem a Fórmula 1 irão se juntar ao grid da F1 Academy, que contava apenas com 5 equipes. Isso levou algumas equipes que não possuíam pilotos mulheres em suas academias, como é o caso da McLaren, a buscar jovens talentos para desenvolver. Nesse contexto, Bianca Bustamante se tornou a primeira mulher a integrar o Programa de Desenvolvimento de Pilotos da McLaren.

Mas, enquanto isso, o que aconteceu com a W Series? Em junho de 2023, a W Series entrou no sistema de administração judicial. Esse sistema é acionado quando as dívidas são maiores que o patrimônio do devedor e é uma forma de gerar confiança frente a possíveis investidores, uma vez que as finanças do empreendimento passam para a supervisão de terceiros. No entanto, em 2024, itens da W Series foram colocados a leilão.

É difícil imaginar a existência da F1 Academy sem a W Series. A W Series foi uma iniciativa que chamou atenção para a questão da sub-representação feminina no esporte, mostrando que há pilotos mulheres com potencial para ser desenvolvido, o que falta é o interesse e o suporte das equipes e patrocinadores. Além disso, a categoria inspirou meninas ao redor do mundo e criou referências como a tricampeã Jamie Chadwick.

A W Series não falhou porque chegou ao fim, aliás o fato da competição ter acabado por falta de investimentos demonstra, guardada as devidas proporções, o porquê é tão difícil se manter no automobilismo. Mas, dois passos para frente e um para trás ainda é um passo para frente.