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Pobres Criaturas: doce, violento e fascinante

Com sua quinta indicação ao Oscar, Emma Stone é um dos destaques dessa temporada de premiações, seja como atriz, seja como produtora de Pobres Criaturas (2023). O filme estreou como favorito ao principal prêmio do cinema estadunidense, e foi apresentado como uma versão feminina de Frankenstein, na qual embarcamos em uma realidade fictícia, futurista e vitoriana, marcada por cores fortes e oníricas.

Este é o mundo a ser descoberto por Bella Baxter (Emma Stone), mulher que é trazida de volta à vida após uma tentativa de suicídio. É um erro, contudo, apresentar a obra como uma “versão feminina” do livro escrito por Mary Shelley: primeiro, porque Frankenstein já é a criação de uma mulher; segundo, porque, ainda que protagonizado por Bella, Pobres Criaturas é uma obra adaptada e dirigida por um homem — o que não a invalida graças à dupla presença de Stone. O filme ainda cai em alguns padrões que remetem ao olhar masculino: em um primeiro momento, a narrativa de uma criatura com corpo de mulher adulta e o cérebro de um bebê traz muitos desconfortos — não foram poucas as leituras de pedofilia. Porém, ao entender Bella como uma criatura que é a metáfora de mulher, é possível ver e compreender a riqueza da materialização e corporeidade da atriz.

Pobres Criaturas

Bella existe pelo controle de um homem, sua pesquisa e experimentação em seu corpo, sem que tenha consciência, escancarada por não saber quem era antes e sem poder ter acesso à informação. A descoberta de mundo da personagem começa dentro da casa de God (Willem Dafoe), com todas as restrições de uma rotina e controle entre criador e criatura, estendida para o primeiro homem externo que se interessa pela beleza, pureza e inocência. Na cena do primeiro passeio de Bella, Max McCandles (Ramy Youssef) ainda sente empatia, até certa pena, da personagem, entretanto, quando Bella descobre sua sexualidade e que é capaz de sentir prazer — ou, como diz, que pode ter felicidade a qualquer momento —, ele logo a repreende, a constrange e joga como argumento os bons costumes da sociedade.

Sua inocência, aliada ao desejo pelos prazeres do mundo, atrai o controle de outro homem, Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), que a deseja pelo fácil controle que consegue ter. Se por um lado ele acreditou estar usando-a, ele também é apenas um meio para o que ela está buscando. A partir do momento em que o sexo não é mais suficiente para fascinar Bella, ela apenas sai em busca de uma aventura: a da conhecer o mundo que está ali para ela.

“Eu me aventurei e não encontrei nada além de açúcar e violência. É muito encantador.”

Pobres Criaturas

A personagem descobre, então, os horrores da humanidade, a morte, e toma consciência do controle a que está submetida. Na sequência do navio, na cena de “Você está no meu sol”, ao ter o livro jogado ao mar, ele é rapidamente reposto e, a partir de então, a companhia de Wedderburn já não é mais desejada. Já no momento do filme que se passa em Paris, corremos o risco de cair em um discurso que parece empoderado, mas parece ser mais uma metáfora feita às pressas e de forma genérica sobre o controle da mulher sobre seu corpo.

Após viver suas aventuras, Bella volta para casa por conta da doença de God e o faz reconhecer que ela não é mais um experimento dele e sim um ser por si só. O casamento com Max ainda é um desejo dela e ainda reforça os possíveis controles que um pode ter sobre o outro, uma vez que Max se mostra entregue ao charme e mistério que ela sempre carrega. A sequência final mostra um Wedderburn que não consegue aceitar o fim do seu controle sobre Bella e como isso a tira do eixo, portanto vai atrás do marido da mulher cuja vida um dia ela viveu. Conduzida pela curiosidade de saber quem um dia foi, aceita ir com o ex- marido, e isso se torna mais uma sequência de controle, que a esse ponto da narrativa se torna repetitivo e cansativo.

Em meio às idas e vindas das disputas pelo controle de Bella Baxter, somos levados a mergulhar no fascinante universo de uma mulher que, por meio de sua sexualidade, de suas relações, suas leituras e seu desejo pulsante de enxergar além das limitações impostas, finalmente assume o controle sobre si mesma. Essa jornada revela não apenas a luta pelo domínio externo, mas também a conquista interior da autonomia e da identidade pessoal.


Pobres Criaturas recebeu 11 indicações ao Oscar nas categorias de: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz (Emma Stone), Melhor Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino e Melhor Cabelo e Maquiagem.