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Romance Real: o conto de fadas moderno de Clara Alves

Na biografia de Clara Alves, disponível em seu próprio site, a escritora aponta que começou no universo dos livros muito nova e com apenas oito anos de idade já havia escrito o primeiro deles, mas foi apenas aos catorze anos que passou a levar o sonho realmente a sério. De lá pra cá, esse sonho foi se concretizando, página por página, por meio de sua imaginação inspirada e a estreia de Conectadas, lançado pela Editora Seguinte, selo jovem da Companhia das Letras, em 2019, só alicerçou ainda mais o nome de Clara entre os autores nacionais de sucesso. Conectadas esteve na lista de Mais Vendidos da Revista Veja e da Amazon, e recebeu o selo Cátedra Unesco de Literatura da PUC-Rio.

Conectadas, com três anos desde a data de estreia, também aparecia no primeiro lugar no Ranking Nacional de Livros de Ficção no mês de março desse ano, em dados divulgados pela Nielsen-PublishNews, enquanto seu segundo livro, Romance Real, que entrou em pré-venda no site da Amazon no mês de abril, chegou ao topo da lista de mais vendidos em menos de 24 horas, mostrando que a autora cativou de fato sua audiência, sedenta por mais de suas histórias.

Romance Real chega às prateleiras com um enredo cativante por si só, reunindo um conto de fadas moderno, representatividade e comédias românticas do jeito que a gente gosta. Na trama conhecemos a história de Dayana, uma jovem que precisa se mudar para Londres e passa a viver com o pai e sua segunda família, pessoas com quem ela não tem intimidade e nem apreço. Dayana, fã de One Direction, sempre quis conhecer a terra da rainha, mas as circunstâncias em que isso acontece não poderiam ser piores: além de ter que lidar com o luto devido ao recente falecimento da mãe e a culpa que carrega pelo fato, a jovem precisa viver com o pai que as abandonou, reencontrando-o depois de dez anos distante, e sua nova família.

Esse, que seria um dos períodos mais difíceis da vida de Dayana, acaba por receber um novo colorido quando, passeando pelo Palácio de Buckingham, ela se depara com uma charmosa ruiva fugitiva que mudaria sua estadia em Londres para sempre. As duas começam a desenvolver uma relação logo no primeiro encontro, com toda a falta de jeito característica da adolescência e com o deslumbramento adorável de se sentir demais, e logo estão ajudando uma a outra a passar pelos problemas que surgem em suas vidas.

A narrativa de Clara Alves permanece tão cativante quanto em Conectadas, mas com o diferencial do amadurecimento característico da experiência adquirida ao longo dos anos de ofício. A Londres de Clara é tão real (com o perdão do trocadilho) e palpável que é fácil imaginar Dayana em todas as locações descritas pela autora, com One Direction no último volume nos ouvidos, e a companhia de uma garota ruiva que seria tudo quanto inesperada. Romance Real é mais um tijolinho na carreira já promissora da escritora, inserindo temas relevantes para os jovens adultos e com o diferencial de ter um tempero completamente nacional.

A seguir, você acompanha a entrevista que Clara Alves gentilmente concedeu ao Valkirias.

Nos agradecimentos de Romance Real, você conta como a trama começou a tomar forma em 2018, à época do casamento do Príncipe Harry com Meghan Markle, e como esse era “um conto de fadas para quem nunca teve a oportunidade de se enxergar em um”. Nos últimos anos a literatura com personagens LGBTQIAP+ tem expandido seu alcance, deixando de ser algo de nicho e atingindo um público cada vez maior, mas não me parece que o mesmo ocorra com protagonistas gordas. Como foi a construção de Day para esse romance?

Clara Alves: Acredito que em termos de diversidade, ainda precisamos percorrer um longo caminho. Isso é algo que eu sempre tento trazer nas minhas histórias — não apenas em relação à sexualidade, mas aos corpos, cores, classe social. Tanto porque isso é necessário, porque essas pessoas existem e também precisam se ver retratadas nas histórias (e como protagonistas), mas também porque é um exercício de empatia para mim: sair da minha caixinha, enxergar outras vivências, me colocar em outros lugares que fujam da minha própria bolha. Não é uma tarefa fácil; é preciso pesquisa, respeito, mente aberta, saber ouvir. Mas acho que no fim o resultado é sempre positivo, tanto para o autor como para o leitor.

Uma das minhas maiores inspirações pra criação da Dayana foi a Noelle Downing, que é uma modelo gorda que eu acompanho há anos no Instagram. Sempre fui apaixonada pelo estilo e fotos dela, então quando a usei como base pro primeiro rascunho da Dayana eu sabia que isso significaria também escrever uma personagem gorda. Talvez seja justamente pelo que Romance Real representa: um conto de fadas para quem nunca se viu em um. Então eu queria uma personagem que representasse bem isso. Que se sentisse confiante com o próprio corpo, com sua sexualidade; que também tivesse suas inseguranças aqui e ali porque ninguém é de ferro, mas que no fim das contas isso não fosse uma questão, nem o ponto central da história, porque o enredo da Dayana era outro.

Romance Real tem dramas familiares, um romance adorável e envolvente e Londres como plano de fundo um combo presente em várias comédias românticas. No livro, Um Lugar Chamado Notting Hill é referenciado em diferentes ocasiões como sendo o filme favorito da mãe da Day. Além desse filme, alguma outra narrativa serviu de inspiração para Romance Real?

C.A.: As histórias que mais me inspiraram a escrever Romance Real foram justamente as comédias românticas que cresci assistindo: além de Um Lugar Chamado Notting Hill, tem Tudo Que Uma Garota Quer, Garota Mimada, O Diário da Princesa e, é claro, a própria Cinderela. Mas enquanto escrevia o livro algumas outras foram surgindo e também me inspiraram bastante: Vermelho, Branco e Sangue Azul, Sua Alteza Real e Espere Até Me Ver de Coroa foram algumas delas.

Como você criou Dayana e a Diana? A personalidade delas, que tipo de menina seriam e o amor de uma delas pela One Direction (que eu sei que você ama!)? Elas são tão reais (sem trocadilhos, juro) que ao final da leitura foi como se eu as conhecesse desde sempre! Como foi esse processo de criação das duas personagens? O quanto há de você em Dayana e Diana?

C.A.: É engraçado porque me perguntam muito isso sobre Conectadas, e eu sempre digo que a Raíssa e a Ayla são metades de mim. Mas as DiDay são bem diferentes da minha personalidade num geral. A Day tem algumas coisinhas de mim como o amor por uma banda britânica (a minha favorita era McFly, na verdade, e a Dayana que me apresentou e fez eu me apaixonar pela 1D), pela Inglaterra e pela realeza. Ela é carioca e odeia o verão, assim como eu. Mas é desbocada, estressadinha e um pouco carente demais pro meu gosto. Mas a história de Romance Real nasceu em torno da personalidade da Day; sem ela, todo o enredo teria seguido outro caminho, então essa parte foi muito fácil de desenvolver. Ela simplesmente apareceu para mim desse jeito.

A Diana foi um pouco mais difícil de entender. Especialmente porque, diferentemente de Conectadas, aqui não temos ponto de vista alternado. Então a Diana sempre seria retratada pelo olhar da Dayana. Isso significa que ela tem todo esse ar de mistério, até um pouco de bad girl, porque é assim que a Day a enxerga. Mas, como todo bom clichê adolescente, eu queria que a Diana fosse justamente a personagem por quem a mocinha e os leitores se apaixonam: a personagem que, apesar da pose, é uma verdadeira princesa. Linda, amorosa, compreensiva, e com a dose certa de segredo pra deixar todo mundo curioso, hahaha.

Dayana se identifica como bissexual e Diana como pan. Ter esse tipo de representação, tão às claras e sem estereótipos nocivos, é imprescindível principalmente pelo fato de que muitas produções se esquivam de chamar as coisas como são, preferindo usar termos guarda-chuva como queer (principalmente em produções estrangeiras). Quais cuidados você tomou para escrever suas personagens por meio dessa ótica de representatividade, mostrando um relacionamento saudável tanto na esfera amorosa quanto familiar?

C.A.: Quando eu escrevi Conectadas, eu estava no processo de me assumir como bissexual. E é muito curioso como justamente a sexualidade da Ayla eu acabei nunca dizendo de fato. Talvez porque eu estivesse tão imersa no processo, que isso não me pareceu relevante na época. Eu só queria me entender. E sentia que a Ayla estava passando por isso também. Mas depois que o livro foi lançado, comecei a receber muitas mensagens de leitores perguntando se a Ayla era bi ou pan. E foi quando entendi que não falar provoca esse tipo de confusão. Leva à falta, ao questionamento, à busca por representação. Foi uma crítica que levei no coração, porque sabia que as pessoas estavam certas. É importante falar. É importante que as pessoas entendam. Eu quero que a minha literatura tenha essa função, sabe? Então quando escrevi Romance Real, essa conversa sobre a sexualidade das duas era algo que eu precisava que entrasse. Por mim e pelos meus leitores.

Eu também queria muito não falar sobre saída do armário em Romance Real. Bom, pelo menos não como enredo principal. Eu já tinha feito isso em Conectadas e estava pronta pra seguir em frente, e acho que a maioria dos meus leitores também. Às vezes, tudo que a gente quer é ver duas garotas sendo boiolas, sem tretas. Então nesse livro temos duas protagonistas que já se entendem e se aceitam. Mas é claro que a gente sabe que enquanto vivermos num mundo heteronormativo nossa vida sempre vai ser uma eterna saída do armário. Por isso a Day precisou vivenciar essa situação de um jeito ou de outro. Com a Georgia. Com a Lauren. E com o pai. Eu tentei fazer isso do jeito mais natural possível, que não ficasse forçado, como se vivêssemos num mundo cor-de-rosa, mas de forma que não se tornasse algo gigante na narrativa, porque não era o que ela pedia. Mas não é fácil dosar. Escrever é sempre um trabalho de análise, pesquisa, prestar atenção (ao seu redor, na vida dos outros), conversa. E a minha vivência, assim como a de outros amigos da comunidade, é o que mais me ajuda na hora de desenvolver esses diferentes tipos de representação.

Romance Real também tem espaço para falar sobre o trauma da perda e como é difícil lidar com o luto, principalmente na adolescência, uma época em que sentimos tudo com muita intensidade. Como você decidiu inserir essa questão na vida da protagonista e como foi trabalhar com esse tema no livro durante a narrativa?

C.A.: Todo o enredo de Romance Real surgiu em torno dessa morte e de como a Day lida com o luto, então decidir inserir essa questão na narrativa foi a parte mais tranquila. Mas não foi fácil me colocar no lugar dela e entender seus sentimentos, suas motivações, nunca tendo perdido alguém próximo a mim. Por outro lado, acho que não é difícil imaginar perder alguém que a gente ama tanto. Tanto que eu mesma choro toda vez que releio o capítulo em que a Dayana enfim se perdoa e aceita a morte da mãe. Eu sabia que isso seria pesado para a Day, essa garota que já teve que lidar com o abandono paternal, e agora estava perdendo a mulher que cuidou dela e a amou, como o pai nunca fez. Eu sabia que isso geraria uma revolta muito grande nela, assim como provocaria em mim se eu estivesse no seu lugar. E somando-se ao fato de que ela é uma adolescente, temos a receita perfeita para o desastre. Talvez por isso eu tenha tido tantos bloqueios com Romance Real: porque mais do que Conectadas, essa é uma história regida por emoções. Não são os acontecimentos externos que direcionam o enredo, mas o que a Dayana sente e como ela vai reagir ao mundo.

Sobre escritoras: quem são as suas favoritas e as suas inspirações? E como foi sua experiência ao escrever um conto de fadas moderno em Romance Real?

C.A.: Atualmente, minhas maiores inspirações são: Casey McQuiston, Alice Oseman, Leah Johnson e as brasileiríssimas Ray Tavares, Maria Freitas, Ana Rosa e Lola Salgado. Eu sou fã de clichês, então é claro que Romance Real é um xodozinho. Eu amo poder pegar essas narrativas que tanto fizeram parte da minha adolescência, mas agora trazendo a representatividade que eu nunca tive.

Seu processo criativo mudou muito de Conectadas para Romance Real? O que você sentiu que melhorou, ou se adaptou, de um livro para o outro?

C.A.: Acho que o que mais mudou foi minha percepção sobre a escrita e sobre o meu processo. À época de Conectadas, eu acreditava em muitas regrinhas que hoje eu vejo que não se encaixam no meu estilo de escrita. Também acho que venho desenvolvendo melhor minha construção de personagens, que é algo em que sempre tive muita dificuldade. Mas também sinto que fiquei mais travada pra escrever, porque agora a escrita carrega uma responsabilidade muito maior na minha vida. Há os ônus e os bônus, haha.

Alguma possibilidade de, no futuro, Dayana e Diana se encontrarem com Raíssa e Ayla, de Conectadas? Quem sabe a criação de um “Claraverso”?

C.A.: É raro eu escrever histórias em que os universos se entrelacem, mas… quem sabe? Já dizia Justin Bieber, “nunca diga nunca”.

“Uma garota fugindo do palácio da rainha da Inglaterra era o maior ato de insubordinação que eu poderia encontrar. E eu estava bem puta da vida com a Inglaterra no momento.”


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