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As explorações sonoras e confissões humanas de Willow em lately i feel EVERYTHING

Há um consenso que estéticas e sonoridades que dialogam com o pop rock/punk dos anos 1980, 1990 e 2000 estão super na moda — e aí é só lembrarmos de nomes como Olivia Rodrigo, Machine Gun Kelly, Miley Cyrus e, especialmente, Willow. Em seu mais recente álbum, lately I feel EVERYTHING, a cantora mergulhou profundamente no pop rock, mas engana-se quem acha que ela está apenas surfando na onda do momento. Para Willow, o desejo de lançar um trabalho que dialogasse com o rock já vem de muito tempo, devido à influência de sua mãe, Jada Pinkett-Smith.

Nos anos 2000, Jada foi vocalista da Wicked Wisdom, uma banda de nu-metal estadunidense, com Willow acompanhando a mãe durante as turnês do grupo. Em diversas entrevistas, a jovem mencionou como a sua experiência com o gênero musical foi entrelaçada — e, durante muito tempo, enrustida — pelo racismo e sexismo que sua mãe sofria na época, como uma mulher negra e líder de uma banda de metal. “Foi menos um medo interno e mais uma preparação para o fato de que existem muitas pessoas que pensam que uma garota negra como eu não deveria estar tocando punk ou pop punk”, como afirmou em entrevista à NPR, em julho deste ano.

Desde seu primeiro álbum, ARDIPITHECUS, de 2015 e passando pelo projeto THE ANXIETY, de 2020, com Tyler Cole, Willow sempre conciliou muitos gêneros musicais. Isso também acontece em lately I feel EVERYTHING, porém, neste disco, a cantora decide focar mais nos subgêneros do rock — sendo este, a propósito, um movimento autenticamente negro — e embarcar em temáticas profundas sobre si.

A busca de Willow pela transparência

A vontade de Willow em explorar a temática pop rock já é muito bem introduzida em “t r a n s p a r e n t s o u l”, primeira faixa do álbum que conta com a participação de Travis Barker — mais conhecido por ser o baterista do blink-182, um dos grandes nomes do pop punk estadunidense. O próprio título da canção já apresenta a proposta intimista de Willow no álbum: a menina, que sempre esteve rodeada pela fama e exposição desde que nasceu, agora enfrenta a realidade e transcende limites sonoros e sociais ao tentar mostrar, de fato, quem ela é e como se sente.

A próxima faixa, “F**K You”, é uma canção que dialoga com o movimento punk riot grrl. Ao ouvi-la, é impossível não se lembrar de grandes nomes do movimento, como Bikini Kill, Sleater-Kinney, entre outras. Com um total de 36 segundos, a faixa transporta o ouvinte à temática presente na próxima canção, “Gaslight”. Nela, Willow narra a quebra de um ciclo de violência psicológica e dependência emocional, “apaga a luz do gás” (uma referência metafórica ao termo gaslighting) e vai do caos à leveza do amor próprio e autoconhecimento. Por mais que as guitarras e a bateria de Travis Barker nos remetam à ferocidade do rock, a performance vocal de Willow se junta a instrumentos tocados de forma mais melódica, fazendo jus ao caminho percorrido pela personagem.

“I had to tell her just stop messing with my head
And love me instead
It’s not official but I think it’s common sense
Or am I insane?” — “Gaslight”

“Eu tive que falar para ela parar de brincar com a minha mente
E, ao invés disso, me amar
Não é oficial, mas acho que é senso comum
Ou eu sou louca?” — “Gaslight”

O pop rock e a experimentação de Willow

A próxima do disco, “don’t SAVE ME”, é uma das músicas que mais fogem da fórmula pop rock presentes em outras canções, uma vez que mistura o gênero musical, mas também conta com a experimentação sonora comum de Willow. No início da música, os sons rebobinados dão a sensação da cantora estar se voltando ainda mais para o seu interior, tentando se isolar do mundo e fugir dos problemas e embates que ele impõe. O uso de sintetizadores e os solos de guitarra narram essa luta interna e, por mais que assuma a dificuldade em se colocar no mundo, Willow também propõe um recomeço.

A canção “naive” também se destaca devido à convergência com o rock experimental, lembrando os trabalhos solo de Hayley Williams e de grupos como Wolf Alice. Na música, Willow aborda o conflito entre a vontade de viver uma vida amena em uma realidade violenta e desigual. Essa é uma canção corajosa e expõe, de forma conflituosa, a importância (e o desafio) de buscar a leveza em meio ao caos.

“I just wanna listen to the rain fall
While I sit up in my room, I get a phone call
It’s my n***** sayin’, ‘Can you pick us up?
We got shot by rubber bullets at a protest in the Bronx’
And I nevеr notice when the night goes sour” — “naive”

“Eu só quero ouvir a chuva cair
Enquanto eu sento no meu quarto, recebo um telefonema
São os meus amigos dizendo: ‘você pode nos buscar?
Fomos baleados por balas de borracha em um protesto no Bronx
E eu nunca noto quando a noite fica azeda” — “naive”

A sequência “Lipstick” e “Come Home” também nos apresenta uma sonoridade mais experimental e garage e, mais uma vez, Willow segue com as questões existencialistas acerca da solidão, do amor e sobre sentir-se presa em si mesma. Gradativamente, o pop rock vai voltando ao álbum a partir de “4ever”, uma canção que também aborda os conflitos e desencontros de uma relação amorosa, mas agora de forma mais leve, melódica e até excessivamente motivacional. Se antes as sonoridades e composições vociferavam as dores de Willow, a partir de “4ever”, as canções trazem tais problemas de forma mais resignada e motivacional. A revolta ainda existe, mas agora a cantora as apresenta de forma mais otimista e vibrante.

Ainda debatendo sobre solidão e ansiedade, “XTRA” é a canção mais inusitada do álbum, com uma sonoridade nu-metal que se junta aos raps de Tierra Whack. E isso também segue em “G R O W”, a união tão aguardada entre Willow e Avril Lavigne. O tradicional pop rock também está presente na composição, ao retratar os dilemas internos de uma jovem. Aqui, já não há versos tão poéticos e aprofundados como é possível encontrar em outras faixas do disco, entretanto, isso não elimina a beleza de ver o encontro de duas gerações representados por Willow e Avril, junto à bateria de Travis Barker.

Em “¡BREAKOUT!”, parceria com a banda Cherry Glazerr que encerra o álbum, Willow decide chutar a porta ao dialogar com o pop punk. Mesmo diante de todas as questões abordadas no álbum, ao final, ela assume: “I’ll heal my mind/ I don’t wanna be chained down on my mind” (“Eu vou curar a minha mente/ Eu não quero ser acorrentada em minha mente”). Se antes Willow convidava o público a adentrar em sua mente e alma, agora a própria convida, tanto o ouvinte quanto a si própria a sair.

As performances de Willow também são um ponto alto da era pop rock da cantora. Ela entrega estética e estilo no videoclipe de “t r a n s p a r e n t soul” (o único que saiu até então), nas performances visuais e também em apresentações ao vivo. O clipe de “t r a n s p a r e n t soul” é cheio de simbologias e apresenta, visualmente, as temáticas propostas pela jovem em todo o álbum, além do encontro da cantora com a sua suposta “alma transparente”.

Em lately i feel EVERYTHING, Willow explora diversos subgêneros do rock e não só nos convida a conhecer um pouco mais sobre suas emoções e a sua relação com a ansiedade, mas também comprova o seu controle e poder vocal ao explorar notas e tons vocais de forma impressionante. A cantora se sobressai nas canções mais intimistas e experimentais, como na sequência “don’t SAVE ME”, “naive”, “Lipstick” e “Come Home”, enquanto, em outras faixas, entrega o som mais industrial e tradicional do pop rock. Buscando analisar sentimentos internos e sensibilidades humanas nas sonoridades e composições, algo que já é comum em seus trabalhos, Willow narra com muita beleza a busca em se tornar totalmente transparente. Por fim, ainda em entrevista à NPR, Willow diz:

“Quero dizer a todas as meninas negras e morenas que elas podem gritar, podem rosnar, podem cortar o cabelo, jogá-lo para o lado, pintá-lo. Elas podem fazer o que quiserem. Elas podem fazer qualquer tipo de música e melhor do que qualquer pessoa que elas tenham visto. Quero dar a garotas como eu essa confiança e essa sensação de poder e beleza. Essa é a única razão pela qual faço qualquer coisa.”