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Plastic Hearts, de Miley Cyrus: uma viagem ao rock’n’roll dos anos 80

Quando ouvi o álbum Plastic Hearts, me apaixonei pela sonoridade, pelas letras, por tudo. A sensação que senti foi de “eu já não ouvi isso antes?” misturado com “será que esse disco é novo mesmo?”. O disco era definitivamente novo, lançado em novembro de 2020, mas a resposta à primeira pergunta era simultaneamente sim e não. Não, eu nunca tinha ouvido isso antes: Miley Cyrus esteve no pop e no country, mas esse álbum está longe de ser uma festa em Nashville. Mas me dei conta de que sim, eu já tinha ouvido isso antes: durante toda a minha infância e adolescência, quando passava horas assistindo clipes na saudosa MTV e era obcecada pelo rock dos anos 80. A estética musical desse disco é uma mistura ótima de vários sub-gêneros do rock, uma homenagem generosa a uma década de músicas poderosas, dramáticas e muito sexys. Miley trouxe tudo isso e o fez muito bem, deixando a gente com essa sensação de déja-vu musical e ao mesmo tempo com a certeza de que se trata de algo novo e diferente.

Plastic Hearts

O conteúdo das letras tem tudo a ver com o momento da vida de Miley, que havia acabado de passar pelo processo de divórcio, depois de um casamento que durou cerca de um ano, fruto de um relacionamento com várias idas e vindas ao longo de dez anos. Suas composições falam muito sobre expectativas com relação às outras pessoas e aos relacionamentos, sobre abrir mão, deixar ir e ter, em retribuição, o direito de também partir. A primeira música do álbum é “WTF Do I Know?”, que fala exatamente sobre o processo de superação de algo que se acreditava ser para sempre, mas que chegou ao fim. Sem sutilezas, sem tentar agradar a ninguém, com doses iguais de sofrimento e rebeldia. Também relaciono esta música à fama de “escandalosa” que Miley carregou por muitos anos, e que foi muito usada contra ela na época do divórcio.

“You want an apology? Not from me 
Had to leave you in your own misery 
So tell me, baby, am I wrong that I moved on and I 
And I don’t even miss you?”

“Você queria um pedido de desculpas? Não de mim
Tive que o deixar na sua própria tristeza
Então me diga, baby, eu estou errada porque segui em frente 
e eu nem sinto saudades de você?” 

“Plastic Hearts”, a música que vem na sequência e também batiza o álbum, é cheia de uma vibe californiana e uma letra que fala sobre “corações de plástico que querem sentir algo”, mesmo que efêmero, mas não conseguem sentir nada durante a noite toda. Sobre a sensação de vazio que acompanha inevitavelmente qualquer fim e que dificilmente é preenchida de imediato. Um pedido desesperado: “me mantenha acordada a noite toda, eu só quero sentir alguma coisa”. Tudo isso envolto numa melodia gostosa de um final de dia na praia. Em seguida, “Angels Like You” chega totalmente diferente, uma música onde encontramos de novo a Miley de “The Climb”, agora com um pouco mais de rancor e uma voz incrível. Aqui, ela canta sobre um relacionamento que parecia errado desde o início e assume uma culpa que pode ou não se real, voltando de novo para o fato de que foi muitas vezes retratada pela mídia como rebelde e instável. Dizendo que é, sim, tudo que disseram que ela seria e que há orgulho nisso, há a certeza de estar agindo de acordo com quem se é, de acordo com o que se acredita ser o certo.

“I know that you’re wrong for me
Gonna wish we never met on the day I leave
I brought you down to your knees
‘Cause they say that misery loves company
It’s not your fault I ruin everything
And it’s not your fault I can’t be what you need
Baby, angels like you can’t fly down hell with me
I’m everything they said I would be”

“Eu sei que você é errado pra mim
Vou desejar que não tivéssemos nos conhecidos no dia que eu partir
Eu fiz você ficar de joelhos
Porque eles dizem que a tristeza ama companhia
Não é sua culpa que eu estrago tudo
E não é sua culpa que eu não posso ser o que você precisa
Baby, anjos como você não podem voar até o inferno comigo
Eu sou tudo aquilo que eles disseram que eu seria”

Além da letra bem escrita, chamam atenção os riffs de guitarra e os backing vocals (da própria Miley), bem característicos dos anos 1980 e que tornam a música ótima. O disco segue com “Prisioner”, com a participação de Dua Lipa, que talvez seja a música mais conhecida do álbum até agora. O clipe de “Prisioner” deixa bem clara qual é a proposta do álbum todo: imagens que poderiam ter sido filmadas num ônibus de turnê de qualquer banda de hard rock, muitas roupas de couro e sensualidade, com uma pitada de bizarrice — mas, dessa vez, tudo isso com duas mulheres poderosíssimas, já que a maioria dessas bandas eram compostas só por homens. Uma boa mistura de rock e pop, duas das maiores vozes do presente unidas para celebrar esse estilo — algo que Dua Lipa também fez no seu álbum Future Nostalgia, de 2020.

A música seguinte é “Gimme What I Want”, que combina letra e melodia em uma música muito sensual e agressiva ao mesmo tempo — essa combinação já foi feita muitas vezes antes e “Gimme What I Want” poderia ser, sem muita dificuldade, uma música do Motley Crue na sua fase mais moderninha. As referências de Miley para Plastic Hearts ficam bem evidentes, de maneira geral, com uma sonoridade muito diferente de tudo que ela já havia feito até então. Em seguida, “Night Crawling” (minha música preferida do álbum), com participação de Billy Idol — cantor inglês que foi sucesso do hard rock e do pop punk nos anos 1980. “Night Crawling” é a cara do pop punk, com uma batida dançante e os vocais espelhados e sintéticos dos anos 1980, soando o mesmo tempo muito moderna e diferente. A combinação dessas vozes deu super certo e se encaixou perfeitamente, sendo uma das músicas que mais dão o tom do álbum.

“Midnight Sky” é a segunda canção mais tocada do álbum na internet (até o momento em que escrevo esse texto), uma música poderosa, com uma batida que é puro new wave e uma letra redentora, para cantar alto e dançar a noite toda. Sua letra é sobre a liberdade de se sentir bem consigo mesma, a sensação de uma calmaria boa depois da tempestade. Ouvindo essa música é impossível não pensar em Stevie Nicks, que participou do álbum com um remix que reuniu a já citada “Midnight Sky” com o sucesso “Edge of Seventeen”, formando a chamada de “Edge of Midnight”, uma produção que funciona como poucos remixes são capazes de fazer.

“Yeah, it’s been a long night and the mirror’s tellin’ me to go home (home)
But it’s been a long time since I felt this good on my own
Uh, lotta years went by with my hands tied up in your ropes
Forever and ever, no more”

“É, foi uma noite longa e os espelhos estão me falando para ir pra casa
Mas faz muito tempo desde que eu me senti tão bem sozinha
Muitos anos se passaram com as minhas mãos presas pelas suas cordas
Para todo sempre, não mais”

“High” é uma das músicas que mais lembram outros álbuns da Miley, com menos sintetizadores e mais destaque para a sua voz. Uma música sobre coração partido, sobre o sentimento de ainda estar contaminada pela presença do outro, mesmo quando ele já não existe mais. Um pouco mais romântica, mostra um trabalho delicado de composição e explora bem a potência da voz dela, que sabemos ser enorme. “Hate Me” vem em sequência como uma música mais fraquinha, mas ainda dentro da pegada do álbum, com uma letra que fala também sobre despedidas.

A última das participações desde disco é de ninguém menos que Joan Jett, em “Bad Karma”, uma música que é a cara de Jett: cheia de graves que combinam com sua voz rouca e sensualidade, onde ela demonstra o seu poder com uma letra que fala sobre ser uma mulher que não liga para o que os outros pensam. Uma música muito boa, mas que não explora todo o potencial de nenhuma das duas cantoras, embora valha pelo ponto positivo de vê-las, dois ícones da cultura pop, cantando juntas. Já “Never Be Me” volta para a vibe das primeiras músicas, remetendo a todo o drama do hard rock presente nos trabalhos de Guns N’ Roses, Bon Jovi, Skid Row, Whitesnake e mais um monte de bandas fizeram precisamente isso nos anos 1980. É mais uma canção que nos deixa com a sensação de já ter ouvido algo do tipo antes, tantas são as rimas musicais. Uma música bem gostosa e que fala sobre nunca poder ser o que o outro espera — mais uma vez, sobre as expectativas que colocam em cima dela.

“But if you’re looking for stable, that’ll never be me
If you’re looking for faithful, that’ll never be me
If you’re looking for someone to be all that you need
That’ll never be me
(Hard as I try)”

“Mas se você está procurando por estável, nunca será eu
Se você está procurando por leal, nunca será eu
Se você está procurando por alguém que será tudo que você precisa
Nunca será eu
(Por mais que eu tente)”

Por fim, “Golden G String”, encerra as músicas originais do álbum com maestria, com a mesma sonoridade sintética, elaborada, muito rica em elementos que remetem a tudo que ela se propôs a fazer ao longo de Plastic Hearts. No final, além do remix com Stevie Nicks, temos dois covers ao vivo de “Heart of Glass”, da Blondie e “Zombie”, da The Cramberries. Tanto os covers quanto as participações deixam bem claro qual foram as referências de Miley neste álbum, uma sonoridade clássica, que deixou muitos frutos e que merece ser sempre celebrada.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!