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Walking Like We Do: a caótica vida adulta no pop rock do The Big Moon

Em um entediante dia de pandemia, eu ouvia música aleatoriamente no computador, a fim de achar mais uma obsessão musical para consumir minha alma. Como uma boa misturinha de millenial com gen z, estava ouvindo a nata dos artistas do indie rock pós 2010, dentre eles um dos meus grupos favoritos, o Haim. Eis que o algoritmo do YouTube colocou em minha tela pixelada, após as irmãs do rock, quatro inglesas andando de bicicleta e cantando sobre encontrar a luz em meio a um mundo caótico. A frase “but every generation probably thought they were the last” (“mas toda geração provavelmente pensou que era a última”, em tradução livre), me atingiu como um meteoro melódico na voz de Juliette Jackson, a vocalista, letrista e guitarrista do The Big Moon, e me trouxe a sensação familiar e confortável que eu sentia com as músicas do Haim e do Wolf Alice.

O pop rock dançante, jovial e feminino do The Big Moon encantou meus ouvidos logo de cara — somado ainda ao clipe fofo da faixa “Your Light” —, e me fez passar as semanas seguintes ouvindo o segundo álbum de estúdio do grupo, Walking Like We Do, em looping. Um ano depois dessa descoberta que tornou o The Big Moon uma das minhas bandas favoritas e à tempo da Semana do Rock, o texto de hoje é sobre o modo incrível como o álbum do The Big Moon é um escapismo para tempos nebulosos e um retrato do que é ser uma mulher solteira e jovem nos seus 20 anos, tudo isso com teclados, guitarras nostálgicas e clipes divertidos.

O surgimento da banda

The Big Moon nasceu por meio do Facebook, como uma versão moderna da ascensão da banda feminina The Runaways nos anos 1970: Juliette fez uma publicação procurando por garotas jovens e apaixonadas por rock que queriam formar uma banda, encontrando, por meio dos amigos de amigos (e assim por diante), as mulheres que iriam compor o quarteto com ela: Celia Archer (baixo), Soph Natahn (guitarra solo) e Fern Ford (bateria). Assim surgiu a banda inglesa que, em pouco tempo, ganhou o cenário local no Reino Unido, se apresentando no Glastonbury e ganhando o Prêmio NME de Melhor Clipe Musical com o MV de “Sucker”, faixa de seu primeiro álbum, Love In The 4th Dimension

A fama do The Big Moon nas ruas de Londres se deu, principalmente, devido à leveza com que o grupo se apresenta, transmitindo a sensação de que elas são “amigas fazendo música enquanto se divertem”, o que se reflete no som e nos clipes gravados por elas. Um exemplo disso é o próprio vencedor do NME, “Sucker”, e o clipe da oitava faixa do álbum (e minha favorita, pessoalmente), “Take a Piece”, que recria de modo cômico o clipe de “I Want It That Way”, do Backstreet Boys — millennials, corram aqui que essa referência foi pra vocês.

Atualmente, a banda segue fazendo pequenos shows na Grã Bretanha e iniciou um projeto de covers com a vocalista do falecido Hole, Courtney Love, nomeado Bruises of Roses, que começou após a veterana descobrir que Juliette Jackson estava dando aulas de violão online durante a pandemia. Com uma mistura de pop noventista, garage rock e letras poderosas, Juliette Jackson e sua trupe de garotas do rock destacam-se cada vez mais no cenário da música europeia. Em Walking Like We Do, elas destrincham a crise existencial de ser um adulto ainda preso na jovialidade e uma mulher num mundo politizado e feminista, tudo isso com humor e maturidade, fatos que tornam o álbum tão agradável quanto divertido.

Escapismo, rompimentos e crises existenciais

Recebendo nota 79 no Metacritic, Walking Like We Do abre com o desabafo confuso de “It´s Easy Then”, que, envolta de piano e coros de fundo, retrata uma crise frente à confusa vida moderna, ou, como descrito por Juliette, “um pequeno ataque de pânico, mas reconfortante no final”. E é a sensação proporcionada pela faixa de abertura que guia o restante do álbum: não está nada bem, mas em meio ao caos é possível encontrar uma escapatória. E no caso do The Big Moon, a resposta, seja para a crise política mundial afinal o álbum saiu durante o governo Trump e após o incêndio da Torre Grenfell em Londres ou para um rompimento, é a música.

“‘Estamos vivendo tempos de muita ansiedade e às vezes você só precisa de uma música para se sentir melhor’, explica ela [Juliette]. Ela quer que os ouvintes tirem uma sensação de ‘liberdade de tudo com o que você está se preocupando'”. — Trecho da matéria Conheça The Big Moon, a banda que faz canções reconfortantes para tempos preocupantes, do ABC.

Seguindo a ordem do álbum, temos “Your Light”, uma faixa repleta de bateria eletrônica, melodias dançantes e frases que marcam o ouvinte ao exporem a incerteza da juventude. É uma música que gruda, te fazendo dançar, ao mesmo tempo que cria uma narrativa plural. O trecho “We were promised the world, but so was everyone else” (“Fomos prometidos para o mundo, mas todo mundo foi”, em tradução livre) retrata a frustração das gerações pós anos 1990 em se adequarem ao contexto ao seu redor, após serem feitos para crer que eram únicos e especiais. A mensagem da música vai além da necessidade de se encontrar em um mundo caótico, algo que todas sentimos, e passa ao ouvinte o conforto de encontrar não apenas algo/alguém que o compreenda, mas de tornar aquilo sua válvula de escape, ou, como a própria música fala, sua luz. Combinado ao clipe colorido, mas simplista, a faixa poderia estar facilmente em uma playlist de músicas para se ouvir dirigindo ao pôr do sol, trazendo compreensão e vazão ao turbilhão de sentimentos que jovens, de qualquer geração (cringe ou não) sentem.

“Mas em dias assim 
Eu esqueço 
Tudo isso 
E me lembro da sua luz.” — “Your Light”

As canções seguintes acompanham o mesmo estilo musical e lírico das duas primeiras, tendo como base a diversidade de sons do pop/rock envoltos por letras relacionáveis sobre amor, amadurecimento e o mundo à nossa volta. Em “Dog Eat Dog”, por exemplo, a compositora faz uma reflexão política sobre o cenário londrino após uma tragédia e a desigualdade social em sua cidade natal. Em contrapartida, músicas como “A Hundred Ways To Land” aproxima-se da faixa de abertura, com uma visão positiva sobre um futuro incerto.

“‘A Hundred Ways To Land’ foi escrita para ‘me lembrar de minha própria força e poderes que temos’, ela [Juliette] explicou. ‘Hoje em dia, as coisas parecem muito instáveis ​​e é fácil sentir-se impotente, mas realmente não somos. Todos nós temos a capacidade de fazer a diferença em nossos próprios espaços e vizinhanças.’ — Trecho da matéria Conheça The Big Moon, a banda que faz canções reconfortantes para tempos preocupantes, do ABC.

O brilhantismo das composições de Juliette Jackson ficam mais evidentes nas canções “Why” e “Barcelona”. A primeira retrata — aliada a um clipe bem dork, no maior estilo The Big Moon — o silêncio desconfortável de um casal em uma viagem, o conflito e desgosto como prévia do fim, basicamente o “I Hate This Part” do indie rock. Já “Barcelona” se inicia com uma flauta doce em acordes simples, disfarçando o peso de uma letra que retrata aquele momento em que todos os seus amigos parecem seguir em frente enquanto você está estagnado, tentando não sentir que está sendo deixado para trás por aqueles que amava.

“Eu queria ser tão corajoso
Estou na festa, me perguntando se está tudo bem 
Para eu brindar seu futuro e beber pesado para o meu” — “Barcelona”

Se você ainda não se encantou pelo som e carisma do The Big Moon, músicas como “Waves”, que fala sobre um término abrupto como uma onda, ou o rock com pézinho no disco de “Don’t Think”, ou até mesmo a reflexiva e florescente “ADHD”, sobre a emoção de estar apaixonado, vão conquistar seu coração pop/rock. O The Big Moon é uma banda que vale a pena conhecer e ouvir, tanto pelas letras empáticas e espirituosas da incrível letrista Juliette Jackson, quanto pelo som divertido, inovador e carismático que as integrantes Celia Archer, Soph Natahn e Fern Ford constroem.

Após uma estreia incrível com o Love In The 4th Dimension, as meninas do The Big Moon se sobressaem com Walking Like We Do e sua forma de retratar a realidade emocional de todo jovem adulto. Se eu, em meus recentes dezoito anos, consegui me identificar com suas joviais letras, posso garantir que qualquer millennial/gen z vai se encantar por elas. A melhor forma de explicar como a banda traz conforto e reconhecibilidade num mundo caótico é a citação do nome do próprio álbum em “A Hundred Ways To Land”:

“We don’t know where we’re goin’,
but we’re walkin’ like we do”

“Não sabemos para onde vamos,
mas estamos caminhando como fazemos” — “A Hundred Ways To Land”

O mundo é incerto, mas acho que damos conta dele.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!