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Para Sempre Vou te Amar: o amor em suas diversas formas

Angie é uma adolescente que parece muito mais velha do que seus meros quatorze anos. Não por conta de sua aparência, mas devido a carga emocional que carrega sobre os ombros em qualquer lugar que vá. Ela e a mãe vivem se mudando para residências provisórias devido ao transtorno do espectro autista de sua irmã caçula, Sophie: sem muito aviso e motivos aparentes, Sophie é capaz de gritar por horas a fio, o que causa tumulto em qualquer lugar em que as três decidem viver. Nada é capaz de acalmar Sophie. Porém, quando elas se mudam temporariamente para a casa de uma tia, algo diferente acontece com Sophie: a menina se conecta de maneira profunda com o dogue alemão que mora na casa vizinha, ficando em silêncio pela primeira vez em muito tempo, imitando os movimentos de Rigby. A paz e a tranquilidade parecem finalmente encontrar morada na vida de Angie depois de anos turbulentos, mas o carrancudo tutor da cachorra Rigby, Paul Inverness, decide se mudar.

Essa é a premissa de Para Sempre Vou te Amar, livro de Catherine Ryan Hyde publicado no Brasil pela DarkSide Books com tradução de Débora Isidoro. Esse é o segundo trabalho da autora a chegar ao país pela editora — anteriormente, a DarkSide Books também lançou Leve-me Com Você, uma história sensível sobre encontrar amigos e cumplicidade nos momentos mais inesperados. Aqui, em Para Sempre Vou te Amar, a premiada autora também conta uma história a respeito dos meandros da vida e como nunca temos certeza do que encontraremos na próxima curva. Angie, a protagonista dessa história, é uma menina introvertida, inteligente e exausta. Exausta não somente pelos cuidados diários que despende à irmã, mas também por, inúmeras vezes, precisar ser a voz da razão em sua família. A mãe de Angie não consegue tomar as rédeas da situação em que estão, vivendo em lares temporários desde que o pai de Angie faleceu, e por vezes é Angie quem tem que agir como adulta, tomando decisões que não cabe à ela, uma adolescente, tomar.

“Fiz progresso com as casinhas de cartas e passei para os condomínios de cartas, prédios de apartamentos de cartas, ranchos de cartas, palácios de cartas. É muito trabalho para uma coisa que vai acabar desmoronando. Afinal, tudo na vida é assim. Certo?”

A casa de tia Vi é apenas mais uma nas inúmeras paradas que as três fizeram no decorrer de meses, mas é a primeira vez em que Sophie se acalma, e tudo pela presença da cachorra Rigby. Em lados opostos da cerca que divide as residências de tia Vi e Paul Inverness, Rigby e Sophie se encaram em silêncio. A presença da cachorra acalma Sophie como nada antes foi capaz, fazendo com que uma sementinha de esperança nasça no peito de Angie: será que ali ela poderia encontrar algum tipo de estabilidade? Aos poucos, Angie começa a conversar com Paul e descobre detalhes da vida dele: aposentado após anos trabalhando em um banco, coisa que detestava fazer, a única vontade de Paul é viver nas montanhas ao lado de Rigby, algo que ele espera conquistar em pouco tempo. E essa notícia é um baque para Angie que sabe que o estado de Sophie piorará com a despedida de Rigby.

Após a mudança de Paul e Rigby, Sophie, de fato, retoma ao velho hábito de gritar por horas, o que faz com que tia Vi não suporte tê-las por perto por muito tempo. Em uma decisão ao mesmo tempo ousada e desesperada, a mãe de Angie e Sophie decide seguir Paul Inverness: ela reúne os poucos pertences da família, coloca em um carro e parte na esteira do aposentado. Angie, sempre muito madura e razoável para a idade, sabe que Paul enfrentará a chegada da família como uma invasão de seu espaço e de um período de paz que trabalhou duro, e por muitos anos, para conquistar. Mas a menina acaba sendo surpreendida pela compreensão que encontra em Paul: ele entende que Rigby é o elo que acalma Sophie e dá um pouco de estabilidade para a vida pouco ordeira de Angie, então ele permite que as meninas encontrem Rigby, mas com algumas condições.

Para Sempre Vou te Amar

A narrativa de Para Sempre Vou te Amar é envolvente e ganha o leitor a cada página na medida em que mergulhamos pouco a pouco na vida de Angie e das pessoas que ela conhece no caminho. Catherine Ryan Hyde tem a qualidade singular de construir uma narrativa sensível, que aborda temas delicados, sem tornar seu livro pedante ou inacessível. Sophie, sendo uma criança dentro do espectro autista, é escrita de maneira crível, tanto nos momentos de silêncio quanto quando começa a imitar os movimentos e humores de Rigby. O laço que Sophie forma com Rigby, inclusive, é respaldado por inúmeros artigos científicos que mostram que animais podem, de fato, ajudar crianças com autismo a estabelecer alguma forma de comunicação e vínculo — e realmente Angie começa a perceber que a irmã segue o ritmo de Rigby quando elas saem para caminhar e se acalma de maneira real ao lado dela, algo inédito para Sophie até então.

Ainda que Para Sempre Vou te Amar não entre no mérito de falar tão especificamente a respeito desse tipo de tratamento, inserir animais no convívio de crianças autistas é benéfico para uma série de questões, inclusive na sociabilização dos pequenos. O contato com os cachorros é capaz de fazer com que crianças dentro do espectro autista consigam se comunicar melhor, se tornem mais confiantes e interajam mais com o mundo ao redor. Para Sophie, Rigby atua como um “medidor de humor”, visto que a menina acompanha as sensações da cachorra e as reproduz. É impossível não sentir o poder da relação entre as duas, assim como entre Angie e Paul — a menina que vê em Rigby a possibilidade de encontrar um pouco de paz em sua vida, e o aposentado que adora sua cachorra mais do que qualquer coisa no mundo. Para mim, que também tenho um vínculo muito forte com a cachorra que adotei em um momento particularmente difícil da vida, foi impossível não me identificar com a história narrada por Catherine Ryan Hyde.

“É sempre melhor gostar das pessoas por mais razões do que somente o que elas podem fazer por você.”

A autora é excelente em passar emoção por meio de suas palavras e no decorrer do livro é como se Angie, Paul e Rigby de fato fizessem parte da minha vida. É fácil se deixar cativar pela maneira prudente com que Angie age, sempre pensando no bem de todos à sua volta antes dela mesma — o que, de certa forma, apenas acentua a posição difícil em que a menina se encontra. Por vezes é Angie quem precisa se responsabilizar pela família, tomando decisões difíceis pelo bem de todas, e isso a faz bater de frente com a mãe algumas vezes durante a narrativa de Para Sempre Vou te Amar. Angie só quer ser uma menina comum, uma adolescente que vai para escola, lê livros sobre o Tibete e descobre sua sexualidade, mas, no lugar disso, ela precisa se preocupar com Sophie e se terá alguma comida na mesa no dia seguinte. A situação vivida por Angie é de partir o coração, e a resiliência da menina é invejável — ainda que, de todo modo, ela não devesse precisar ser resiliente com tão pouca idade. Mas Angie é. Ela luta por aquilo em que acredita e faz o melhor que pode por Sophie.

Outro personagem que encanta tanto quanto Angie, é Paul, o, aparentemente, carrancudo aposentado e tutor de Rigby. Quando ele aparece pela primeira vez na narrativa é possível sentir receio, afinal, o que ele acha dessa história de Sophie se conectar tanto com Rigby? Mas com o decorrer do livro a vida de Paul começa a tomar contornos mais fortes na medida em que ele e Angie forjam uma amizade baseada na lealdade, cumplicidade e amor por Rigby. Embora Angie e Paul tenham cinquenta anos de diferença, o relacionamento entre eles é descrito com cuidado e atenção por parte de Catherine Ryan Hyde, e o que nasce entre eles é real e de fazer o coração transbordar. De certa maneira, tanto Angie quanto Paul são dois solitários tentando passar incólumes pela vida, mas ambos acabam descobrindo que isso é impossível, principalmente quando começam a derrubar as barreiras que ergueram para manter os outros longe e desvelam seus pensamentos, sonhos e tristezas um para o outro. A amizade que nasce entre Angie e Paul é bonita e doce, e sempre respaldada pelo carinho que sentem por Rigby. É Rigby quem amarra a narrativa, conectando os personagens e colocando-os um na vida do outro.

“Algumas pessoas nunca fazem nada porque sentem medo do fim daquilo que fariam. Ficam paralisadas por saber que nada é eterno. E existem as pessoas corajosas que fazem todo tipo de coisa, do jeito que der. Mesmo que nenhuma delas dure para sempre.”

Não é surpresa dizer que me emocionei em diversos momentos enquanto lia Para Sempre Vou te Amar. A prosa de Catherine Ryan Hyde é poderosa, sensível e delicada, tudo ao mesmo tempo. Some-se a isso o fato de incluir Rigby, a melhor dogue alemão a existir, que era inevitável que as lágrimas chegassem. Além disso, a autora trata de temas reais e familiares, passíveis de identificação por parte do leitor, com maestria. Afinal, como Angie, todo mundo já se sentiu fora de lugar, como se não pertencesse. E, como Paul, certamente já se sentiu sozinho e com a certeza de que a única maneira de seguir em frente é se fechar para o mundo, evitando se ferir. Mas é quando menos esperamos que o amor bate à nossa porta, seja em forma de um amigo inesperado ou de um dogue alemão.

O amor, aqui, surge em diversas formas. No amor de uma irmã mais velha para com a mais nova; no amor entre improváveis amigos; no amor entre uma menininha autista e um cachorro enorme de coração maior ainda. Às vezes, tudo que queremos é acolhimento, mas recebemos um amor imensurável, que transborda — e melhor ainda se esse amor vem na forma de um cachorro que reúne histórias e trança as fitas do destino de maneira singular.

 “É sempre mais fácil assumir um risco quando você só arrisca o que é seu. Nada é mais difícil do que arriscar aquilo que pertence a outra pessoa.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora DarkSide Books.


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