Categorias: CINEMA

O que as premiações falam sobre a representatividade não-binária em Hollywood

Em 2023, o Golden Globes nomeou Emma D’Arcy na categoria de Melhor Atriz em um Seriado de Televisão (Drama) pela sua performance como Rhaenyra Targaryen em House of the Dragon. O único ponto de observação para a nomeação: Emma D’Arcy é uma pessoa não-binária.

Na internet, a comoção pela fala de Emma sobre como a oportunidade de atuar como Rhaenyra veio no momento em que elu decidiu aceitar sua identidade de gênero e, logo depois, recebeu a indicação como “atriz”, que veio como uma celebração ou ato corajoso e orgulhoso. Mas, para quem se identifica como pessoa não-binária ou precisa se encaixar em lugares que não te pertencem para se ver representado e ter visibilidade, a fala de Emma não vem como uma vitória, mas como uma microagressão.

“É uma coisa surreal porque quando eu estava começando, eu realmente senti que tinha que fingir, me apresentar como uma mulher para encontrar sucesso nessa indústria. Enfim, não era sustentável, e eu parei de fingir, e estranhamente, é nesse ponto que eu consegui a nomeação de Melhor Atriz no Golden Globes. O que é lindamente irônico. Eu acho que a coisa mais importante é que implica que o espaço para pessoas trans e gênero não-conformante está ficando maior a todo momento. Então, eu me sinto privilegiade.” — Emma D’Arcy em entrevista

Está cada vez mais frequente que artistas não-binários precisem se autoagredir para serem reconhecidos em seus ofícios. Quando este não é o caso, suas performances são ignoradas por comitês que se recusam a aceitar que categorias por gênero se tornaram defasadas e que é necessário criar categorias capazes de incluir toda a gama de artistas que estão surgindo na indústria.

Em 2017, logo após apresentar a categoria de Melhor Performance na primeira edição do MTV Movie & TV Awards com categorias neutras, Asia Kate Dillon publicou uma carta à Television Academy, responsável pelo Emmy Awards, sobre a falta de categorias que incluíssem pessoas não-binárias. Naquele ano, Asia se tornou destaque em todos os lugares por sua atuação na série Billions e por sua personagem, a primeira personagem não-binária em um seriado de televisão convencional nos Estados Unidos. Mesmo com sua atuação e performance sendo destaque na grande mídia, ao se inscrever para o Emmy, foi preciso se forçar a escolher entre duas categorias que não a representavam.

“O motivo pelo qual estou envolvendo vocês nessa conversa sobre isso é porque se as categorias de ‘ator’ e ‘atriz’ representam de fato ‘melhor performance de uma pessoa que se identifica como uma mulher’ e ‘melhor performance de uma pessoa que se identifica como um homem’, então não há espaço para a minha identidade dentro do sistema binário desta premiação. Além disso, se as categorias de ‘ator’ e ‘atriz’ pretendem denotar o sexo atribuído, eu pergunto, respeitosamente, por que isso é necessário?” — Asia Kate Dillon em carta para a Television Academy

Segundo o levantamento anual do GLAAD sobre representatividade LGBTQIA+ na mídia, no último ano tivemos 25 personagens que se identificam dentro do espectro não-binário em seriados norte-americanos. Levando em consideração que muitas dessas personagens são vividas por artistas não-binárias como, por exemplo, Mason Alexander Park e Blu del Barrio, como essas pessoas serão reconhecidas? Em contraponto, Emma D’Arcy, Emma Corrin e Bella Ramsey são artistas não-binárias que fizeram e fazem história com personagens do gênero feminino. Entretanto, associar a categoria da premiação ao gênero das personagens também não faz sentido, uma vez que é a performance artística que está sendo avaliada e não o personagem.

Mas não é apenas na televisão e no cinema que a questão é urgente. Justin David Sullivan, que atua no papel de May na peça da Broadway & Juliet, anunciou que está retirando suas inscrições para o Tony Awards, principal premiação do teatro norte-americano, por não encontrar uma categoria que lhe represente como pessoa não-binária.

Essa questão não é uma novidade e não surgiu de um dia para o outro. Em 2017, a MTV remodelou as categorias do Movie & TV Awards para se tornar mais inclusive, como citado anteriormente. Em 2021, o BRIT Awards apresentou a última edição com categorias separadas por gênero, uma decisão inspirada por Sam Smith. Em 2012, o Grammy Awards atribui categorias mistas e de gênero neutro. Se há premiações que estão reformulando e dando espaço para artistas que não se identificam dentro do escopo binário de gênero, por que há tanta demora e resistência em mudar esse modelo ultrapassado por outras?

Se olharmos bem para as clássicas categorias das premiações, sempre existiram categorias mistas como, por exemplo, as de Melhor Direção. Nunca houve problema em julgar a performance e trabalho de um profissional sem olhar para o seu gênero ou pela forma como ela se identifica quando ela está atrás das câmeras — ao menos, no papel. Na prática, nós voltamos ao mesmo problema de sempre: o machismo e o patriarcado.

Em 2012, Chloe Zhao se tornou a segunda mulher a receber o prêmio de Melhor Direção em 93 edições do Oscar. Chloe e Emerald Fennell foram as primeiras mulheres a serem nomeadas naquele ano após dois anos com apenas homens sendo indicados. Antes delas, Greta Gerwig foi nomeada por Lady Bird, em 2017, depois de oito anos sem que nenhuma mulher fosse nomeada na categoria. O mesmo aconteceu em premiações como o BAFTA e o Golden Globes, onde mulheres foram nomeadas em 2020 após seis a oito anos de ausência. Em 2023, nenhuma mulher ou pessoa não-binária foi indicada ao Oscar de Melhor Direção, enquanto o Brit Awards deste ano, depois de criar categorias neutras, foi criticado por indicar apenas homens cis para Artista do Ano e apenas um duo feminino cis na categoria Álbum do Ano.

Apesar de alguns profissionais da indústria insistirem que a forma de mulheres e pessoas não-binárias serem reconhecidas está na criação de mais categorias exclusivas, é preciso entender que o problema não está na marcação de gênero e sim na indústria de estatuetas e na manutenção de um sistema criado e feito por e para homens: brancos, cisgênero, ricos e conservadores. A tendência é que cada vez mais pessoas comecem a se identificar com identidades no espectro não-binário, seja como Emma D’Arcy, que levou o tempo necessário em seu processo, ou como Bella Ramsey, que ganha atualmente destaque na nova série da HBO, The Last of Us, e representa uma juventude que nunca ligou muito para pronomes e identidade de gênero.

Se há algo que episódios como o #OscarSoWhite conseguiram nos ensinar é que essa indústria não tem interesse em se renovar ou seguir as mudanças que ocorrem no mundo até serem responsabilizados ou boicotados. E a verdade é que nós, o público, podemos falar sobre como não nos importamos com essas premiações e como elas não são parâmetro para o nosso consumo, mas não podemos negar que elas ainda são medida e forma de reconhecimento que importam dentro da indústria em que esses artistas estão inseridos. A nomeação em uma premiação é uma das portas de entrada com mais chances de oportunidades e visibilidade — e, quando você representa alguém que não faz parte daquele 1%, isso ressoa de formas inimagináveis.

A forma correta de celebrar o trabalho, arte e performance desses artistas não deveria ser cair no esquecimento apenas por causa do seu gênero ou então agredi-las para que elas se encaixem em um gênero que não lhes pertence, porque não mudar é mais confortável, mas sim remodelar esse sistema retrógrado, transfóbico e misógino que não funciona. Assim, mais pessoas serão vistas pelo seu trabalho e não pela sua marcação de gênero.