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Mulheres Na Luta: quem são elas?

Nunca fui uma ávida leitora de histórias em quadrinhos. Sendo honesta, acho que conto em uma mão a quantidade de vezes que consumi produções deste formato. Foi com interesse, então, que iniciei a leitura de Mulheres Na Luta: 150 Anos em Busca de Liberdade, Igualdade e Sororidade, uma HQ de autoria de Marta Breen e Jenny Jordahl, traduzida para o português por Kristin Lie Garrubo, pois além de dar mais uma chance para o mundo dos quadrinhos, uni o útil ao agradável em razão da proposta da obra.

Como o título da HQ indica, ao longo de pouco mais de 120 páginas, passeamos pelo passado, sempre muito bem costurado com o presente, através de ilustrações que contam a história da luta das mulheres por mais direitos, mais espaço, mais igualdade e respeito. Iniciando a história pela luta das sufragistas Elizabeth Cady Stanton e Lucretia Mott, que à sua época apresentam uma declaração em uma convenção em Seneca Falls, NY, nos Estados Unidos, Marta e Jenny buscam apresentar um panorama da evolução da luta feminista no último um século e meio. Vislumbramos parte da história de Harriet Tubman, uma abolicionista americana que, após conseguir fugir da fazenda onde era escravizada, montou planos e rotas de fugas para ajudar a libertar outras dezenas de escravos; e, também, de Sojourner Truth, a primeira mulher negra a pleitear (e ganhar) no judiciário estadunidense que lhe fosse entregue seu filho, até então em poder de um branco escravista, e uma grande voz dentro do movimento abolicionista da época.

“Há 150 anos, a vida das mulheres era muito diferente: elas não podiam tomar decisões sobre seu corpo, votar ou ganhar o próprio dinheiro. Quando nasciam, os pais estavam no comando; depois, os maridos. O cenário só começou a mudar quando elas passaram a se organizar e a lutar por liberdade e igualdade.
Neste livro, Marta Breen e Jenny Jordahl destacam batalhas históricas das mulheres — pelo direito à educação, pela participação na política, pelo uso de contraceptivos, por igualdade no mercado de trabalho, entre várias outras —, relacionando-as a diversos movimentos sociais. O resultado é um rico panorama da luta feminista, que mostra o avanço que já foi feito — e tudo o que ainda precisamos conquistar.”

A primeira parte do livro é dedicada a alguns nomes importantes da primeira onda feminista. Pincela, de forma leve, nas suas particularidades — e em especial o choque entre o movimento sufragista nos Estados Unidos, comandado principalmente por mulheres brancas, e o movimento das mulheres negras contra a escravatura. Por não ser da proposta do livro, é importante ressaltar que esse choque não acontece à toa, e é pauta do panorama sociohistórico que Angela Davis traz, de forma elucidativa, em seu clássico Mulheres, Raça e Classe.

A luta pelo acesso à educação e ao direito de exercer uma profissão também aparecem nas páginas ilustradas por Jenny Jordahl, e nomes como Olympe de Gouges, Mary Wollstonecraft e Malala Yousafzai ganham espaço nessa pauta. O direito ao voto também entra nas páginas coloridas da HQ, recebendo um panorama especial com a conquista do direito aos votos em diversos países, traçando, de forma linear, uma conquista que começou em 1893 na Nova Zelândia, o primeiro país a permitir o voto feminino sem restrições. As autoras, ainda, dedicam espaço para as socialistas, trazendo parte da luta das mulheres do movimento operário. Essas, como é o caso de Clara Zetkin, levantavam a bandeira de que as mulheres eram duplamente oprimidas — por serem mulheres e pelos empregadores capitalistas. O viés, como bem sabemos, parte de uma locutora branca — é de se imaginar, como muito bem pautado por Davis, a opressão sofrida por uma mulher negra inserida num contexto capitalista. De qualquer forma, foi da bandeira levantada por Zetkin, que entendia a luta feminista como parte da luta de classes, a ideia de um Dia Internacional da Mulher, buscando sempre manter o foco na luta pelos direitos das trabalhadoras. A ideia deu certo e o dia 08 de março é, até hoje, mais de cem anos depois, considerado o Dia Internacional da Mulher. Além disso, a autonomia de seu próprio corpo, o direito a abortos seguros, o amor livre, são todas pautas tratadas na HQ.

A HQ possui uma linguagem fluída, e é, de forma inequívoca, uma porta de entrada convidativa para um mundo cheio de teorias, vivências, lutas e muitas mulheres que fizeram e ainda fazem história. No entanto, Mulheres Na Luta peca em seus exemplos, trazendo, de forma mais ampla e em sua maioria, exemplos de mulheres brancas na história. Apesar disso, que incomoda quando da leitura da HQ, somos positivamente surpreendidos por um posfácio escrito pela socióloga Bárbara Castro, titulado Brasileiras na Luta. Bárbara traça um panorama com a realidade e a história da luta feminista protagonizada por nós, brasileiras. Traz a memória de Marielle Franco, mulher negra, periférica, lésbica, militante dos direitos humanos, assassinada em 14 de março de 2018 — e que até a data de hoje pouco sabemos sobre o crime. Traz memórias sobre o movimento #EleNão, tão recente e necessário, e campanhas como a #ChegadeFiuFiu, que marcaram a luta feminista no Brasil. Dentre os muitos apontamentos certeiros de Bárbara, nos primeiros parágrafos, ela expõe:

“O livro Mulheres na Luta é justamente um esforço de produzir memória. Gostaria que entendessem este livro e este posfácio como um convite a vocês, leitoras e leitores, para mergulhar ainda mais fundo, para buscar conhecer melhor cada uma das pessoas e episódios aqui retratados, e para recuperar outras histórias ainda ocultas e esquecidas das lutas das mulheres. Mas lembrem-se de que há diferentes maneiras de contá-las. Não podemos nos esquecer de trazer ao centro mulheres de diferentes etnias, raças e classes sociais que continuam sendo inviabilizadas. É importante também destacar seus momentos de apoio e união.”

Se Mulheres Na Luta não é de todo uma história em quadrinho perfeita, ela fica melhor quando digerimos os apontamentos necessários e certeiros da socióloga. No fim do dia, a mensagem que fica após leitura é: não podemos nos esquecer daquelas que lutaram por nós e para nós, mas não nos aquietemos, muito menos baixemos a guarda, há muito chão para se trilhar. Muita força para nós. Seguimos juntas.

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras.


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