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Se fere a nossa existência, seremos a resistência

“Não há um limão tão azedo que não possamos transformar em algo parecido com limonada”, disse um médico, numa série, para um pai que havia acabado de perder um de seus trigêmeos no parto de risco da esposa. Por mais inspiradora que a fala seja, porém, ela não ameniza a dor que está sendo sentida, tanto que, na verdade, o médico não fala sobre a limonada propriamente dita, mas em algo parecido com uma. Um consolo que não chega a amenizar por completo a dor, mas é um começo.

A desilusão está em muitos lugares e é engraçado como a fala consegue se aplicar em diversos contextos — desde a sala de espera de um hospital, após um parto complicado, até o sofá da sala de casa, enquanto o país assiste a apuração dos votos da última eleição. No dia 7 de outubro de 2018, milhões de brasileiros caminharam até suas seções eleitorais para exercer seus direitos de cidadãos — um direito, é preciso lembrar, readquirido muito recentemente, conquistado com muita luta e às custas de muitas vidas. Esperamos esse momento com ansiedade e já prevíamos que ele seria difícil: nos últimos anos, assistimos a um golpe político de perto e, dia após dia, escândalos de corrupção eram desmascarados e abafados com a mesma velocidade e sem que pudéssemos fazer muita coisa.

Ao mesmo tempo, a instabilidade política e econômica abriu espaço para novos problemas e o agravamento de velhos conhecidos como a inflação e o desemprego. Nesse cenário conturbado, o último domingo seria o dia de fazermos a democracia valer e limpar a sujeira que há anos é regra na política brasileira. O resultado, no entanto, apenas confirmou que tempos sombrios espreitam em nosso futuro: com mais de 50% dos votos na maioria das regiões do país, o candidato que mais temíamos foi confirmado para o segundo turno — e o apoio tão expressivo da população é assustador. Para outros cargos políticos, como deputados e senadores, a situação não é muito melhor: candidatos que propagam a intolerância e o ódio contra minorias tiveram um desempenho igualmente expressivo nas urnas — um fenômeno, no mínimo, aterrorizante.

“São tempos sombrios, não há como negar. Nosso mundo jamais enfrentou ameaça maior do que a que enfrenta hoje”. Poderia ser apenas mais uma frase de um filme, de uma produção da cultura pop, mas reflete diretamente a ameaça que enfrentamos enquanto democracia. Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro e promulgada em 5 de outubro de 1988, nossa Constituição é nova, tem apenas 30 anos. E em 30 anos de existência já foi colocada à prova diversas vezes — mas essa é, sem sombra de dúvidas, a maior ameaça já colocada diante dela.

Grandes veículos internacionais como New York Times, Financial Times, The Guardian, The Economist e Le Monde vêm se manifestando e se posicionando contra um governo do candidato de extrema-direita. Como se não bastasse ser um candidato que legitima o ódio e a intolerância, que não faz questão de disfarçar o machismo, a homofobia e a misoginia de seus discursos, não é preparado para comandar a presidência de nosso país sequer no âmbito econômico ou da segurança pública, que ele diz tanto querer melhorar. As propostas de seu plano de governo são vazias e sem embasamento teórico, quando participa de debates fica claro o seu despreparo (por isso foge deles), sempre recorrendo a chavões e frases de efeito para fugir das questões que realmente importam. Em quase três décadas como deputado pelo estado do Rio de Janeiro, só conseguiu aprovar dois projetos de lei: uma proposta que estende o benefício de isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para produtos de informática e outro que autoriza o uso da chamada fosfoetanolamina sintética, conhecida popularmente como a “pílula do câncer”. Entre a inexpressividade de seus projetos e a falta de aprovação dos mesmos, figuram alguns projetos de lei que procuram diminuir direitos conquistados, como é o caso da PL 6055/2013 que busca revogar a Lei 12.845 que obriga os hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) a oferecer às vítimas de violência sexual um atendimento emergencial integral, o que inclui a oferta de serviços de profilaxia da gravidez para vítimas de estupro.

Além de projetos que beiram o absurdo, seus votos no Plenário da Câmara demonstram que sua lealdade não está com seu eleitor, mas com ele mesmo. Nas sessões a respeito da reforma trabalhista, enquanto deputado, ele votou contra os trabalhadores, ou seja, aprovou o texto responsável por alterar regras de remuneração, negociações salariais, entre outros, propostas pelo governo de Michel Temer. Votou também contra a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146), que visa promover condições para que pessoas com deficiência tenham acesso e possam exercer livremente seus direitos legal e constitucionalmente garantidos. Como se não bastasse, é também o responsável por dedicar o voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, ao torturador da Ditadura Militar e ex-chefe do DOI-Codi, Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Muitos de seus eleitores declaram sua preferência por causa de sua suposta honestidade e luta contra a corrupção, mas o candidato não faz uma coisa ou outra: em 2014, parte do PP, admitiu ter recebido dinheiro ilegal da JBS, relativizando o ato dizendo “O partido recebeu propina sim, mas qual partido não recebe propina?”. Ele e seus filhos enriqueceram na política e acumulam, entre outros bens, R$15 milhões em imóveis, admitindo que “sonegam tudo quanto for possível”. Desde 1995 recebia auxílio-moradia e só pediu para o benefício fosse cancelado quando foi denunciado – mas quando isso ocorreu, ele e o filho já havia recebido até 730 mil reais de auxílio.

Somos um país de maioria feminina. Mulheres superam homens em número, trabalham mais e ganham menos. Segundo estatísticas do IBGE, cerca de 28,9 milhões de famílias são atualmente chefiadas por mulheres, grande número das quais luta sozinha para sustentar e manter o núcleo sem a participação de nenhum homem. A desigualdade social é uma ferida de gênero e ódio e a existência de um candidato com um percentual de votos que quase chega a 50% e que declarou abertamente que não empregaria uma mulher com o mesmo salário de um homem é absurdo. Somos também o país que mais mata pessoas LGBTQ+. E o mesmo candidato declarou que prefere ver um filho morto a vê-lo se assumir homossexual. Somos o país cuja maioria da população é negra. No entanto, o candidato que quase conseguiu uma vitória no primeiro turno se refere a negros por arrobas, diz que filho seu não namoraria uma mulher negra porque foi muito bem educado e afirmou seu desprezo pela população indígena.

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Nas eleições de 2014 tivemos um candidato alinhado ao posicionamento de Jair Bolsonaro: Levy Fidelix, o mesmo que disse em debate, ofensivamente, que “aparelho excretor não reproduz”. Levy obteve menos de 1% de votos. Atualmente, General Mourão, vice de Bolsonaro, sugeriu seu nome para presidir a Câmara dos Deputados em caso de vitória definitiva. O que aconteceu com o Brasil nos últimos quatro anos para que um candidato homofóbico, fascista, misógino e racista deixasse de ser piada e passasse a ser levado a sério?

Em 1967, o professor norte-americano Ron Jones realizou o experimento que, mais tarde, ficaria conhecido como a Terceira Onda, cujo objetivo era demonstrar o modus operandi de regimes como o nazismo e o fascismo, o discurso de ódio empregado por esses regimes — sobretudo, o antissemitismo nazista — e como muitos cidadãos alemães viriam a alegar o total desconhecimento sobre o massacre de judeus, negros, homossexuais, ciganos, deficientes, comunistas, etc, ao fim da Segunda Guerra Mundial. Mas como alegar inocência quando eles faziam parte dos 37% de eleitores que, em 1932, votaram no partido de Adolf Hitler e apoiaram seus ideais?

Utilizando técnicas de controle social similares às utilizadas na Alemanha nazista e implantando novas regras de conduta, o experimento evidenciou não apenas a facilidade com que os alunos foram seduzidos pelo discurso fascista, mas o surgimento de um comportamento alienado e violento com o qual muitos passaram a agir dentro do ambiente escolar, e a reprodução do sentimento de superioridade em relação àqueles que não faziam parte do movimento. Conforme explica Caroline de Alencar Barbosa, em artigo intitulado “Discussões Acerca do Ensino da História do Fascismo na Escola: O Caso da Terceira Onda (1967)”:

“(…) Enquanto movimento político [o fascismo] pode ser entendido como a reprodução de um sentimento de superioridade que promove a construção de identidade nacional comum. [Os fascistas] expressavam repúdio radical da ordem política liberal e parlamentar, assumindo antimaterialismo e buscando novos valores como antissocialismo, valorização das forças irracionais, exaltação do instinto e da violência política.”

No mesmo artigo, Carolina também relata que o fascismo pode surgir em diferentes contextos e que suas características se adaptam de acordo com o cenário no qual estão inseridos. No caso do Brasil, no entanto, é possível perceber algumas semelhanças com sua forma mais óbvia de atuação: o discurso contra minorias, a rejeição aos direitos humanos básicos e a propagação de fake news, em um contexto de instabilidade política e econômica, frequentes escândalos de corrupção e a perda da fé na democracia. Como Hitler, a figura de Jair Bolsonaro segue a cartilha do anti-político radical e politicamente incorreto que promete a restauração dos valores ditos tradicionais e soluções simplistas e milagrosas para os problemas do país, que surge inicialmente como uma piada para então cair no gosto popular. Como na Alemanha da década de 1930, muitos brasileiros acreditam que as declarações polêmicas do candidato são apenas uma forma de chocar o público, que ele não vai implementar suas ideias mais controversas e radicais. A História, assim como o resultado das eleições do último domingo, no entanto, são a prova de que elas não poderiam estar mais equivocadas.

Permitir que um homem desses chegue ao poder é ser co-autor de uma tragédia anunciada. Bolsonaro já deixou bem claro que apoia a ditadura, a tortura e a morte de quem lhe é diferente. O sangue de suas futuras vítimas não está somente nas mãos dele, mas nas de seus eleitores que, movidos pelo ódio às minorias e à pluralidade, e pelo anti-petismo, lava suas mãos perante o sofrimento alheio. A figura de Bolsonaro legitima tanto ódio e preconceito que as pessoas estão fazendo cada vez menos esforço para esconder o que pensam, e mesmo entre aqueles que dizem apoiá-lo com ressalvas deixam evidente um outro grande problema que enfrentamos, que é a recusa de boa parte das pessoas em olhar para os lados e reconhecer que algumas lutas, algumas causas, são maiores do que elas. Apoiá-lo com ressalvas é privilégio de quem não é diretamente atingido por suas ações e discursos, de quem pode fechar os olhos e acreditar que é possível apoiar alguém pela metade e não se importar com quem será atingido por inteiro. É privilégio de quem não sente o medo na pele e no corpo odiado por eles.

O sangue que está sendo derramado não vai ser lavado com tanta facilidade, pois não é fruto da ignorância. Bolsonaro é direto, sempre disse ao que veio. Se a nação escolher olhar para o outro lado e elegê-lo, isso apenas nos dirá que o fascismo não está se instalando, mas sim se faz presente em nossos lares, ruas, cidades. Independente do resultado do dia 28 de outubro, nós já perdemos muita coisa.

Como as notícias falsas influenciaram esse resultado

Notícias falsas sempre existiram. A conhecida falácia de envenenamento do poço — ou seja, falar mal de outro, mesmo que com mentiras, apenas para se obter vantagem — não pode ser considerado algo novo. Porém, nestas eleições, a novidade esteve no fato de que o candidato com maior tempo televisivo não chegou nem perto de um segundo turno, ao passo que Bolsonaro, com menos de dez segundos de propaganda eleitoral, conquistou 46,62% dos votos válidos. Como isso ocorreu?

120 milhões de brasileiros utilizam o WhatsApp diariamente. 66% dessas pessoas compartilha conteúdo político no aplicativo. A desinformação que circula no aplicativo é gigantesca, especialmente em grupos. O critério é simples: se fulano compartilhou e fulano é uma pessoa confiável, então isso é verdade. Se fala aquilo que você quer ouvir, melhor ainda. Ninguém sabe qual é ao certo a fonte da informação, tampouco se os critérios jornalísticos de apuração estão presentes, mas a fake news se torna verdade pela confiança em relações (familiares, de amizade, trabalho e afins). A gravidade dessa disseminação de informações aumenta quando uma pessoa de confiança apresenta um argumento estruturado — ainda que fraco de embasamento, incoerente com reais propostas e reforçado pelo ódio à oposição — e o expõe para um público que compra com facilidade qualquer coisa que vê. As pessoas acabam tendo a tendência de concordar com aquilo que apenas reforça o que acreditam e rejeitar veementemente qualquer fato ou argumento que venha a desestabilizar suas crenças, esquecendo que o caminho para a expansão do conhecimento é a reflexão racional de ambos os lados.

Esta não foi uma eleição para escolher o melhor, mas sim para evitar o pior. O voto útil se fez presente durante toda a campanha, tanto em redes sociais quanto nos debates, com os próprios candidatos se unindo em discurso contra Bolsonaro. A ameaça à democracia nunca foi tão forte desde que o Brasil recuperou seus direitos individuais e coletivos, mas o medo da corrupção e as notícias falsas espalhadas no aplicativo e nas redes contribuíram para que a extrema-direita, antes vista como piada, tomasse corpo e ganhasse voz nas ruas e nas urnas. A democracia também terminou por se tornar a fraca desculpa daqueles que justificam seu voto em Bolsonaro: “democracia é a alternância de poder”, mas, na prática, só se for para tirar um único partido, o PT, de jogo. É sabido que o PSDB, tão dominante quanto, não gera tanta comoção e revolta, ainda que o governo dos seus candidatos tenha uma participação significativa nas crises por quais passamos, sendo a crise hídrica que assolou o estado de São Paulo durante o governo de Geraldo Alckmin uma das mais relevantes.

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Mesmo o argumento do desejo de mudança não se sustenta para explicar o fenômeno Bolsonaro. Existiam outros candidatos com posicionamento mais conservador, alinhados à direita, veementemente contra o PT e tudo que ele representa, até mesmo apoiados em discursos cristãos, mas apenas um que combinava tudo isso com discursos de ódio e desrespeito à democracia — e enquanto ele por pouco não foi eleito no primeiro turno, esses outros tiveram uma expressão de votos irrelevante. O buraco é, portanto, mais embaixo.

Na última quinta-feira (04/10), o candidato não ocupou seu lugar no tradicional debate da Rede Globo, alegando atestado médico que o recomendava a não falar por muito tempo, mas ironicamente foi entrevistado na Record — o único a ter esse espaço, o que configura crime eleitoral —, onde declarou que suas já comprovadas alegações machistas, racistas e homofóbicas são fake news plantadas contra ele para que não chegasse ao posto eleitoral. Grande parte da população brasileira se informa apenas pela TV e pelo WhatsApp. Quando um candidato que se diz contra a corrupção, que promete modificar profundamente os moldes governamentais do Brasil e que se autointitula o verdadeiro antagonista do PT (visto como a encarnação de todos os males brasileiros), o grande Messias que veio para salvar o país e restaurar a família tradicional, aqueles que estão indignados com as reviravoltas e os escândalos de corrupção aos quais assistimos nos últimos anos, ao vê-lo numa emissora de um “homem de deus”, percebem nele uma saída do fundo do poço.

Ao vivermos numa bolha internética repleta de gente militante, que conhece sites confiáveis de jornalismo e sabe como ir atrás da informação correta, esquecemos que grande parte dos brasileiros não possui acesso à internet, e mesmo entre grande parte da população com maior nível de ensino, meio em que o referido candidato também é favorito, não há discernimento, entendimento sobre construção da informação, ou até mesmo honestidade intelectual para motivar o esforço para averiguar o que é ou não falso. É palavra contra palavra e quem ganha é quem fala diretamente aos ódios e temores individuais de cada um. Bolsonaro não está à frente apenas pelas fake news, mas elas foram um dos fatores mais decisivos para sua quase vitória.

A edição da revista Superinteressante deste mês abre com uma matéria sobre o perigo das fake news. Após uma contextualização do que são as notícias falsas e como elas se propagam com facilidade e podem influenciar eleições, há o veredito: infelizmente elas não influenciam tanto assim. Digo infelizmente porque, como diz a própria revista, “Fake news de política só são realmente críveis para quem já está firme em algum extremo ideológico”, ou seja, precisamos dolorosamente aceitar que de fato somos um país de maioria com inclinação fascista. Tendemos a acreditar em notícias falsas não porque sejamos ignorantes, mas porque queremos que elas sejam verdade e, mais ainda, queremos que os outros acreditem nelas. É a era da pós-verdade e tudo com o que não concordamos se torna instantaneamente falso — mesmo que os veículos tradicionais indiquem o caminho dos fatos.

Vale dizer que períodos de instabilidade política e econômica como o que enfrentamos no Brasil (e no mundo) nos últimos anos alimentam inclinações conservadores porque as pessoas querem desesperadamente voltar para um passado que elas acreditavam ser melhor e mais seguro. Aliás, nem só de instabilidade política e econômica é feito esse terremoto, mas sim de um período de transição que estamos enfrentando em escala global, em que instituições antes sólidas estão mostrando suas rachaduras e é difícil saber o que existe do lado de lá. Não é fácil aceitar que tudo é caos, não queremos diminuir a angústia do que é ser sujeito histórico e transitório — porque é isso que somos — mas, como canta Belchior, “o passado é uma roupa que já não serve mais” e nem servia antes.

Nossa única forma de sobreviver é seguindo adiante para construir um mundo novo e melhor, e não destruir as coisas boas que os últimos anos nos trouxeram, tipo liberdade e democracia, ainda que cambaleantes.

E agora?

“Nunca se renda, nunca desista da luta”. O legado das Sufragistas nunca se fez tão necessário como agora. O clima é de medo, sim, e de desesperança, mas são em momentos como esses que precisamos nos unir, criar laços e uma rede de proteção, acolhimento e luta. No próximo 28 de outubro estaremos novamente diante da urna eletrônica decidindo nosso futuro pelos próximos quatro anos — mas também por todos os anos que virão a seguir. Não estamos mais escolhendo entre candidatos de partido ‘x’ ou ‘y’, estamos escolhendo entre o candidato da democracia e dos direitos civis e o candidato do fascismo, do ódio e do medo.

Essa é a hora de lutar como nunca lutamos antes, de nos unirmos para fazer campanha pelo nosso direito de existir, de continuar lutando pelos nossos direitos. Nenhum resultado no dia 28 vai marcar o final da luta, a luta continua independente de quem ganhe, mas a vitória da intolerância vai marcar o começo de uma guerra a todos nós que lutamos pelo direito de existir sendo quem somos, pelo direito de sermos considerados seres humanos inteiros e igualmente válidos. Esta eleição não é sobre a vitória da direita ou da esquerda, mas um divisor de águas entre democracia e autoritarismo. É hora de estudar e desconstruirmos nossos próprios preconceitos, fazer as pazes com todas as conquistas que o governo PT nos deu no passado, apesar dos seus defeitos que não temos nenhuma intenção de negar. Lutamos pelo direito de fazer oposição ao governo quando necessário. Isso é democracia.

Independente de qualquer crítica, foi um momento em que a pobreza extrema caiu drasticamente no Brasil. Momento de reconstrução e de democratização da educação e diversas outras pequenas conquistas que marcaram a melhoria da condição de vida especialmente da população mais pobre e dos grupos mais vulneráveis. É a isso que precisamos nos agarrar neste momento, são essas as lembranças que precisamos reacender na cabeça de todos os eleitores que estiverem de fato preocupados e comprometidos com a melhoria do próprio país, e não apenas com a manutenção do próprio status e dos próprios privilégios.

O anti-petismo e o fortalecimento da onda fascista são, também, sinais claros do fortalecimento do ódio de classe. São afirmações claras de intenção firme da manutenção da própria superioridade, mesmo que isso só signifique manter o outro sempre em posição inferior e cada vez mais precarizada. Apesar disso, nós, que permanecemos na luta, precisamos manter a esperança de que nem todo eleitor de Bolsonaro é fascista. Precisamos nos agarrar com todas as nossas forças à esperança de que esse fenômeno é, principalmente, resultado de uma onda de despolitização que vem acontecendo há dezenas de anos e permite que camadas da população que só viram sua situação melhorar nos últimos vinte anos (até o golpe de 2016 inaugurar a onda de retrocessos) agora se volte contra os próprios direitos em razão de discursos vazios e baseados exclusivamente em frases de efeito a que a falta de pensamento crítico os impede de enxergar claramente.

Quando, em vídeo gravado após o resultado do primeiro turno, Bolsonaro diz que “acabará com todos os ativismos”, ele quer dizer, de maneira clara, que pretender calar aquele que se opõe, que luta, que expõe. Sinalizar o fim do ativismo é recorrer ao medo e ao silenciamento daqueles que colocam a cara a tapa, que fazem — e são — oposição. E agora, mais do que nunca, não podemos desistir. Precisamos continuar existindo, resistindo. Resistir: palavra feminina. Assim como luta e democracia. Nossas vozes precisam continuar sendo ouvidas, o que temos a dizer importa. “Hitler não chegou ao poder porque todos os alemães eram nazistas ou anti-semitas, mas porque muitas pessoas razoáveis fizeram vista grossa.” Este é o momento não apenas de votar certo, mas de sermos disseminadoras de informação e combatentes e combativas contra a ignorância, a violência e a intolerância que ameaçam tomar conta do país.