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Emmy 2022: entendendo e apreciando as minisséries

No primeiro momento, a ideia para esse texto surgiu de uma revolta contra séries que se vendem, inicialmente, como minisséries e, ao terem sucesso com a crítica e o público, passam a se renovar para novas temporadas, deixando a sua forma e propósito inicial de lado — e correndo o risco de estragar uma história que se fechou tão bem, com um ponto final bem dado. Em um contexto de interesses econômicos em que tudo que está dando certo deve continuar sendo feito, muitas histórias se perdem em si mesmas, gerando contradições em seus enredos e personagens, arrastando-os por anos a fio, a ponto de esquecermos como aquilo começou em primeiro lugar e como era, de fato, uma boa história. Por isso uma minissérie é tão potente: ela é capaz de colocar um ponto final.

Porém, conforme comecei minha pesquisa, me deparei com histórias e as transformações desse formato, como a indústria mudou ao longo dos anos e como não podemos analisar o formato sem entender o seu contexto. Assim, o texto se reformulou em minha cabeça e o entendi mais como uma apreciação às minisséries e a um convite para conhecer melhor esse tipo de produção limitada.

A cerimônia do Emmy Awards, que acontece nesta segunda-feira, torna possível analisar como o formato se transformou para continuar a existir. Para se ter uma noção do quanto a premiação é relevante para a continuidade desse tipo de produção, na edição de 2021 do prêmio, a categoria que gerou mais debates foi a de Melhor Minissérie ou Série Antológica, a última a ser premiada — antes disso, a última e principal categoria da noite era a de Melhor Drama. A vencedora foi The Queen’s Gambit, da Netflix.

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Para chegarmos aos dias de hoje, no entanto, é preciso voltar para o surgimento das séries de televisão. Mais ainda, é preciso voltar para o surgimento das histórias seriadas, ou seja, histórias em que o desenrolar ocorre aos poucos, de forma semanal ou diária. Elas tiveram início com os folhetins, em que capítulos eram publicados semanalmente em jornais e o público — predominantemente feminino — tinha a expectativa de retomar a história semana após semana, de modo que esta passava a fazer parte de sua rotina. Anos mais tarde, surgiram as radionovelas, com o mesmo princípio de seriar narrativas até surgirem sequências de filmes nas salas de cinema. Dessa forma, de tempos em tempos, o público ia ao cinema para ter acesso à continuidade de determinada narrativa, seu universo e personagens.

Com o surgimento da televisão, há também o surgimento das soap operas, que posteriormente se desenvolveram para a as séries de televisão e, no caso dos países latino-americanos, as novelas. O que estabelece a televisão como um meio de comunicação, como um produto cultural e de entretenimento são as soap operas, novamente voltadas para o público feminino, refletindo até mesmo as temáticas domésticas das histórias do período.

Assim como os folhetins estavam nos jornais ao lado de anúncios e vendas, as séries televisivas eram interrompidas pelos comerciais, tornando-os não apenas um interesse para o espectador enquanto entretenimento, mas também econômico para diversos segmentos comerciais. Em um sistema capitalista, é necessário gerar competição, de modo que cada estúdio — ABC, NBC, HBO, siglas que conhecemos e consumimos até hoje — começaram a criar suas próprias séries originais e, muito tempo depois, Netflix, Hulu, Amazon Studios, entre outros, fariam o mesmo. Dessa forma, passa-se a uma batalha por audiência e anunciantes até haver um retorno financeiro que possibilitasse ousadias criativas, como séries de longas temporadas e temáticas mais ousadas.

Uma das formas de compreender como produtos culturais e de entretenimento se comportam, como são recebidos e para onde podem ir, é por meio da crítica e do seu desempenho em premiações. Quando saem as listas de indicados, a internet se enche de debates sobre quais as narrativas estão sendo reconhecidas, quais vozes estão sendo ouvidas, quais corpos são representados. Premiações não são regras claras e certas, mas são uma medida possível, afinal, é só olhar para aqueles que foram esnobados ao longo dos anos: tanto aqueles que não recebem indicações, quanto os que não são premiados — I May Destroy You recebeu apenas dois prêmios de suas nove indicações; Lovecraft Country, além de cancelada, recebeu apenas dois prêmios, mesmo com suas 18 indicações; This is Us teve sua temporada final e a atuação de Mandy Moore completamente esnobadas; Selena Gomez não recebeu indicação por sua atuação em Only Murders in the Building, mesmo que seus colegas de elenco sejam os favoritos da categoria. E assim vai.

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Como apontado anteriormente, a categoria de minisséries rende longos debates. No inglês, o termo já variou entre mini-series, event series e limited series, que é como é referido no momento. Por definição, limited series é um programa que deve contar uma história completa em si mesma — isto é, que não seja recorrente e que não tenha um desenvolvimento em temporadas posteriores. Parece algo simples e que deveria ser o trunfo: uma história com começo, meio e fim bem definidos, por sua excelência. Por um lado poético e artístico, criadores e público, gostam de séries (e filmes, e livros, e música) porque, por meio das expressões artísticas, contam histórias que nos conectam, que explicam o estado do mundo, que nos fazem entender a nós mesmos. Pelo lado mercadológico, isso movimenta a economia, gera dinheiro — sempre para uma pequena elite — e são instrumentos de política e de formação sociocultural.

É possível entender quais são as questões do formato de minissérie a partir do comportamento da premiação do Emmy ao longo das décadas, afinal, a categoria Melhor Minissérie ou Série Antológica passou por modificações que foram ditadas pelo comportamento das produções existentes em determinados momentos. A categoria surge em 1973 porque as minisséries britânicas, em especial as da BBC, estavam fazendo mais sucesso com a crítica e com o público do que as séries dramáticas estadunidenses — então, para que os britânicos não levassem o prêmio às custas do sucessos das produções dos Estados Unidos, criou-se uma categoria própria para limited series, o que leva a indústria estadunidense a produzir as suas próprias. Isso perdura até 1991, porém as séries de longas temporadas começam a fazer muito sucesso, fazendo com que a quantidade de minisséries diminua, portanto, não há concorrentes para a categoria — tendo edições com apenas dois indicados. Assim, os TV Movies se fundem na categoria, na tentativa de gerar mais movimento a ela, o que não dá certo, voltando ao que era antes.

O ciclo se repete em 2011, e então a categoria permanece como Limited Series and TV Movies, até 2014, quando há o lançamento de American Horror Story. A série, e o formato de série antológica, agradam ao público, à crítica e aos estúdios, que passam a investir no modelo. Porém, ainda não havia uma diversidade suficiente para ter uma categoria própria, então, como séries antológicas mudam a narrativa a cada temporada — ou episódio, como vemos em Modern Love — elas entram na categoria de Limited Series. Eventualmente, os TV Movies saem da categoria, porque, de fato, é um formato completamente diferente, apenas por ser um filme, e a categoria permanece até hoje como Outstanding Limited or Anthology Series.

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Essas mudanças, por mais que desvalorizem até certo ponto o formato, também foram importantes para que a indústria decidisse investir nesse tipo de produção e, por consequência, conquistasse o público, o que leva de volta a indústria continuar a investir — não apenas emissoras, mas principalmente, os streamings com suas produções originais, os levando para o centro da premiação e dos debates acalorados das redes sociais.

Atualmente, vemos muitas produções como adaptações de livros — e, em uma opinião pessoal, é o melhor formato para isso, uma vez que há tempo para desenvolver e aprofundar a narrativa, o que não acontece em um filme e costuma levar o público a frustração. Podemos ver um boom dessas adaptações desde de thrillers psicológicos como Sharps Objects e Defending Jacob, até a dramas como Little Fires Everywhere, Normal People e Conversation With Friends. O formato também foi usado pela Marvel para expandir (mais uma vez) o seu universo e explorar narrativas e personagens fora do cinema, como em WandaVision — e em uma questão mercadológica, levar novos assinantes para a plataforma de streaming.

Também podemos analisar o formato como uma possibilidade de inventividade para as equipes criativas, uma vez que, ao ter apenas uma temporada, é possível produzir com variedade — de temas, gênero, recursos — sem correr o risco de lidar com o cancelamento, uma vez que a história se encerra ali mesmo. Para o elenco também é promissor, já que não há contratos para longos períodos e temporadas. E para o público, há o conforto de que a história vai chegar em algum lugar, não haverá protesto nas redes sociais para que renovem a série, além de garantir uma qualidade técnica e criativa complexa.

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O problema é quando a minissérie se vende como minissérie, vence os prêmios de seu ano e decide renovar para uma segunda temporada, deixando o formato que lhe garantiu o prestígio para trás — e tem uma segunda temporada detonada pela crítica (como Big Little Lies). Ou, então, nem espera a premiação em si, aproveita-se de que a categoria abrange mais de um formato e anuncia que, o que era uma minissérie, irá ter segunda temporada, mas de forma antológica. The White Lotus tomou essa decisão logo após o sucesso entre público e crítica, e Mare of Easttown também flerta com essa possibilidade.

Acontece até o fato de uma série, que não é anunciada como minissérie, ser tão boa e tão fechada em sua primeira temporada, que sua renovação é uma surpresa — geralmente não muito boa — e que as temporadas seguintes não são tão prestigiadas, como Under de Dome, The Flying Attended e até o desenrolar da segunda temporada de Euphoria foi questionado. O formato é tão certo em si que é raro ver o clamor por renovar esse tipo de série, mostrando que o público e a crítica entendem que aquela história se encerra ali — Watchmen teve lançamentos semanais em que o seu ponto final era esperado e foi devidamente apreciado e reconhecido.

Olhar para a premiação do Emmy é uma maneira de entender para onde a televisão está caminhando e como unir diversos formatos em uma categoria fere o princípio da forma por si só. Podemos ver como questões mercadológicas são superiores a escolhas criativas. Sim, é óbvio, estamos em sistema capitalista, porém, assim como questionamos e debatemos as narrativas, as vozes e os corpos representados em produtos culturais e de entretenimento, também precisamos debater e entender quais são os formatos que consumimos.