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Amor em Verona: ainda há esperança para as comédias românticas?

Quando a conversa são comédias românticas, pouquíssimas obras dessa década superam os sucessos que tomaram o coração de todas nós em dias passados. Com filmes como 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999), O Diário da Princesa (2001) e De Repente 30 (2004), a competição de fato fica mais complicada, mas não impossível de ser equiparada. Com a exceção de grandes sucessos como a saga de Para Todos os Garotos que Já Amei, inspirado no livro homônimo de Jenny Han, as cinéfilas românticas de hoje sentem falta das borboletas no estômago durante um filme clichê. Sendo assim, é uma verdadeira jornada encontrar boas obras nesse gênero.

Atenção: este texto contém spoilers

Na realidade, não estamos pedindo muito. O que queremos é aquele tradicional enemies to lovers [inimigos a amantes] ou rivals to lovers [rivais a amantes] com dois protagonistas de mundos opostos, com uma trilha sonora viciante e personagens secundários adoráveis. Um romance que floresce no meio da rivalidade dos mocinhos, com acidentes improváveis e uma competição questionável.  Felizmente, Amor em Verona, a mais nova comédia romântica da Netflix, entrega todos esses elementos e um pouco mais. Afinal, ainda há esperança para as comédias românticas?

Amor em Verona

Amor em Verona

Com estreia em setembro de 2022, Amor em Verona é um filme de comédia romântica dramática produzida como conteúdo original da Netflix. Com 1h54 minutos de duração, o que renova a nossa vontade de existir ao não ter que passar três horas sentados na frente da tela, a obra foi dirigida e escrita por Mark Steven Johnson.

Responsável por filmes como Motoqueiro Fantasma (2007), Quando em Roma (2010) e, mais recentemente, Amor Garantido (2020), o cineasta é consagrado por saber navegar em diferentes gêneros, com elencos diversos. No caso de Amor em Verona, os românticos em foco são Kat Graham, conhecida principalmente por seu papel em The Vampire Diaries, e Tom Hopper, de The Umbrella Academy.

Em resumo, a comédia romântica acompanha a história de Julie Hutton (Graham), uma professora de inglês do Ensino Fundamental que é apaixonada pela trágica história de Romeu e Julieta, ao ponto de saber declamar os complexos trechos escritos por William Shakespeare como quem repete uma receita. Por conta dessa paixão, ela decide juntar suas economias para viajar por Verona durante uma semana, cenário onde todo o romance clássico se desenrola.

Amor em Verona

A princípio, a romântica incorrigível organizou um itinerário completo, impresso em papel laminado e com direito a gráficos de pizza sobre a previsão de cada programa. Neste momento, a intenção era realizar a viagem com seu namorado Brandon (Raymond Black), como uma forma de celebrar os quase cinco anos de relação. Entretanto, no momento em que ela acreditou que seria pedida em casamento, seu namorado decide pedir um tempo e, para piorar, às vésperas da viagem de sua vida. Inicialmente inconformada, Julie pensa em desistir da viagem, ainda que tenha tudo pago e organizado sistematicamente.

Porém, inspirada pela frase “l’amore trova una via”, traduzido do italiano como “o amor encontra um caminho”, na descrição do romântico apartamento que alugou para ficar hospedada, ela decide prosseguir com a viagem e seus planos. Apesar da boa intenção, nossa estimada protagonista enfrenta uma série de desafios, desde um motorista louco até uma série de acidentes com o seu itinerário que acaba fazendo-a desistir de vez de seguir os planos.  Ao chegar em seu estimado apartamento, uma vila romântica localizada no coração da vila de Julieta Capuleto, ela descobre que houve um agendamento duplo com um completo desconhecido. Assim, ela é obrigada a dividir o apartamento com um inglês que está na cidade para trabalhar em um festival de vinhos.

Infelizmente para ela (e felizmente para nós) Charlie Fletcher (Hopper) é o tradicional deus grego das comédias românticas. Em pouco menos de um minuto da sua primeira aparição no filme, somos agraciadas pelo clichê do protagonista sem camisa que derrama bebida em si mesmo. Daí para frente, é realmente para frente. Para a alegria das cinéfilas românticas dessa internet.

Entra o coro

Amor em Verona

A partir do encontro acidental entre Julie e Charlie, a história se desenvolve mais profundamente. A princípio, eles tentam resolver o problema do agendamento duplo insistindo para que um desista da reserva, mas preferem aguardar pelo responsável pelo lugar para explicar a situação. Basicamente, a esposa do responsável foi quem realizou o agendamento de um deles por um site, mas a amante dele prosseguiu com o agendamento do outro em site. Aliás, os sites em questão são extremamente similares ao Airbnb, até na tentativa esdrúxula de copiar o nome, sem propriamente copiar.

A alternativa de procurar um hotel se torna inviável, porque a cidade está lotada por visitantes e profissionais envolvidos no festival de vinhos. Portanto, temos aqui a tradicional situação de duas pessoas opostas que precisam dividir uma cama, mas nesse caso, um apartamento inteiro onde só há um quarto e um sofá com toda cara de desconfortável. Apesar das expectativas, eles acabam dividindo o apartamento de maneira quase militar, de modo que a cozinha seja a única área comum e o restante da casa fique dividido entre os dois. Portanto, até que alguma vaga surja em um hotel, ambos recebem a proposta do proprietário para que dividam o local, com desconto por conta da confusão.

No entanto, o clima amigável dos primeiros dias é substituído por um verdadeiro conflito entre os Capuleto e os Montéquio. Basicamente, ambos entram em uma guerra silenciosa de quem irá desistir primeiro da reserva para que o outro fique com o apartamento inteiro para si. Julie não consegue convencer Charlie a desistir, nem mesmo chorando por causa do seu trágico término na frente de um desconhecido e defendendo a importância de Verona para a sua história pessoal. Por isso, ela decide levar o jogo a outro nível e criar situações absurdas para que ele desista, o que Charlie também acaba fazendo.

Amor em Verona

Desde infestar o apartamento de gatos para provocar uma alergia violenta em Charlie até denunciá-lo por invasão domiciliar após trocar a fechadura do apartamento, Julie Hutton mostra que realmente veio para vencer com propostas absurdas — e até um pouco criminosas. Em resposta, Charlie convence o carteiro a doar a roupa da mala extraviada de Julie e colar as páginas do seu diário nas paredes da vila de Julieta, fazendo com que a protagonista vire um mártir do amor impossível entre turistas e desconhecidos. Nesse ponto, ambos decidem (finalmente) que passaram dos limites estabelecem uma trégua — mas não tão trégua assim.

Ao oferecer um jantar amigável, Charlie prega uma pegadinha em Julie dizendo-lhe que está comendo carne de cavalo depois dela chegar na metade do prato, e repentinamente a refeição vira uma guerra de comida. Graças à polícia, que parece grande amiga dos dois depois de toda essa situação, eles decidem verdadeiramente parar com o conflito. Nesse meio tempo, ambos se tornam quase amigos, porque terminam se conhecendo melhor à medida em que planejam como se livrar um do outro. Por isso, nem mesmo quando surge uma vaga no hotel mais famoso da cidade, Charlie decide abandonar a vila, até porque Julie o convence de que ele é um apaixonado em negação.

As próximas cenas, que geram ainda mais aproximação entre os dois, envolvem a tentativa de Julie em fazer com que Charlie se apaixone por Verona da mesma forma como se apaixonou. Porém, uma série de problemas envolvendo a visita indesejada do ex-namorado da protagonista e a aparição repentina da noiva do inglês podem abalar essa relação.

Ainda há esperança para as comédias românticas?

Com cenas absurdamente clichês, como uma alergia a gatos inseridos tal qual PNGs falsos em uma arte improvisada e um piquenique romântico ao pôr do sol com conversas profundas e repentinas sobre a vida pessoal, Amor em Verona é um respiro para quem procura descanso nas comédias românticas. Ao entregar uma relação de rivais que se tornam amantes de maneira coerente, natural, engraçado e envolvente, ainda que por meio de brigas levemente absurdas, o filme envolve os espectadores na construção do relacionamento entre os protagonistas. Assim, nos vemos suspirando quando há a primeira insinuação de uma química entre ambos, mas também rindo nos momentos mais românticos.

Mais do que duas pessoas diferentes, sendo uma estadunidense tradicional e um inglês extremamente sério, mas também indivíduos de profissões diversas e com perspectivas opostas sobre o amor, Julie e Charlie são duas pessoas procurando respostas em Verona. Enquanto a professora de inglês busca o romance que consumiu grande parte da sua vida, Charlie busca entender o que é o amor de verdade. Será que esse amor verdadeiro é o sentimento que existe entre ele e a noiva que pediu um tempo para lançar sua própria coleção de roupas? Ou, então, é o que os donos das vinícolas tradicionais italianas sentem pelo vinho produzido em suas famílias há gerações? Será que o amor é a sensação de observar Julie no topo de uma janela, como um verdadeiro Romeu?

Entre taças de vinho e situações que colocam à prova o que eles acreditavam sobre a vida, Amor em Verona é um abraço caloroso no final de um dia cheio. Além de uma trilha sonora adorável e uma fotografia que te faz pesquisar o preço das passagens para Itália, pelo menos na minha experiência, o filme é simplesmente despretensioso. A narrativa de Amor em Verona não tem a menor intenção de criar um grande impacto social, te fazer pensar sobre as mazelas dos relacionamentos humanos ou problematizar o romance de Romeu e Julieta. Em resumo, é um filme que te faz sentir diversas coisas, desde a vontade de chorar de rir até empatia e felicidade ao ver um amor sendo construído na tela.

Entre tantos conflitos políticos e sociais na realidade, faz falta a gente encontrar um espaço para respirar nas produções audiovisuais. Amor em Verona não somente nos faz suspirar, mas permite que a gente renove o corpo de oxigênio, esperança no amor e motivação para cuidar dos nossos relacionamentos, ainda que seja a relação com nós mesmos. Talvez por isso eu acredite que ainda há esperança para as comédias românticas, porque podemos, sim, ter obras extremamente complexas e dignas de longas análises, mas também merecemos filmes tranquilos que fazem o tempo passar e o coração bater mais forte. Mesmo que seja torcer por um beijo na última cena possível, ou por conta de uma troca de olhares muito longa entre os protagonistas.

Em um período tão tenso como o que estamos vivendo, não há nada melhor do que ser tomado pela aflição de um casal fictício tendo que resolver um problema bobo de comunicação, como acontece em Amor em Verona. Não há nada melhor do que torcer para que o mocinho chegue a tempo de se declarar, e que a mocinha o encontre no final para desfazer o mal entendido. Mais do que a intenção de querer mudar o mundo, Amor em Verona se propõe a mudar o dia do espectador ao propor um romance improvável, simples, divertido e de fazer sentir saudade das comédias da década passada. Sem grandes explicações, floreios, efeitos especiais ou uma construção fantástica, o filme faz a gente lembrar que muitas vezes o feijão com arroz é o que a gente precisa para ser feliz numa refeição.

E muitas vezes, a vida também é assim.