Categorias: TV

Las Chicas del Cable: mais do mesmo (drama)

A quarta temporada de Las Chicas del Cable nos leva para a Madrid de 1931 e as vidas de Lidia (Blanca Suárez), Ángeles (Maggie Civantos), Marga (Nadia de Santiago) e Carlota (Ana Fernández) não poderiam estar mais diferentes do que quando toda essa jornada começou. Se na primeira temporada as quatro trabalhavam na Companhia Telefônica de Madrid como as telefonistas que deram o título à série, atualmente suas funções são as mais diferentes possíveis. Se isso, por um lado, é interessante e mostra o desenvolvimento tanto da série quanto de suas personagens, por outro mostra apenas que Las Chicas del Cable se tornou um grande dramalhão sem controle que não hesita em inventar dramas desnecessários e sem sentido para prender seu público. Mas a que custo?

Atenção: este texto contém spoilers!

A temporada tem início de maneira promissora. Carlota é candidata à prefeitura de Madrid e lidera as pesquisas, sempre apoiada por suas amigas e Óscar (Ana Polvorosa), que embora seja reconhecido entre elas pela identidade que escolheu, para o restante de Madrid continua sendo Sara. O comício é marcado por uma grande festa em apoio à candidatura de Carlota e seu embate direto com Gregório Diaz (Juan Carlos Vellido), um homem extremamente conservador que fará de tudo para que sua oponente seja derrotada, ainda que as pesquisas apontem justamente o contrário. Lutando pela autonomia feminina e por pautas caras à ela, como a descriminalização da homossexualidade, Carlota passa a ser chantageada por Gregório que tem em sua posse fotografias da intimidade dela com Óscar. Temendo o que tal revelação possa fazer com a vida de Óscar, Carlota cede à barganha proposta por Gregório e se retira da eleição, combinando de reaver as fotografias comprometedoras na sequência.

Não é necessário ser grande conhecedor de séries para saber que isso não daria certo e Carlota sai do encontro incriminada pelo assassinato de seu oponente político, sendo levada para a prisão imediatamente. A partir de então, Las Chicas del Cable se transforma em uma série de investigação policial e Lidia, Ángeles, Marga e Óscar em investigadores muito capacitados — até melhores do que Cristóbal Cuevas (Antonio Velászquez) e a força policial de Madrid. Las Chicas del Cable não tem vergonha de abraçar o drama, uma marca da série que vem se acentuando a cada nova temporada, mas seu quarto ano abusa da paciência de quem a assiste quando apela para tramas mirabolantes ou para resoluções bobas e rasas que subestimam a inteligência de seu público. Mesmo a construção dos episódios não é boa o bastante para nos fazer sentir medo pelas personagens e os pretensos plot twists não causam tanta emoção.

Las Chicas del Cable

É por isso que espanta um total de zero pessoas quando Óscar decide se entregar como autor do crime para libertar Carlota da prisão, assim como não causa nenhuma surpresa quando descobrimos que Lidia passa todas as noites no hospital, ao lado do leito de um Francisco (Yon González) em coma enquanto Carlos (Martiño Rivas) fica em casa a esperando retornar. Las Chicas del Cable volta a insistir no triângulo amoroso entre Lidia, Carlos e Francisco, retomando uma trama que já deveria ter sido concluída em temporadas anteriores. Mesmo estando com Carlos, Lidia vela o sono de Francisco — seja pela culpa do que aconteceu a ele enquanto protegia Eva, sua filha, seja pelo amor que ainda nutre por ele —, não sendo realmente honesta com ela mesma ou Carlos nesse meio tempo. E Carlos, enquanto isso, teme o despertar de Francisco visto que sente que o coma é a única coisa que mantém Lidia ao seu lado — tal sentimento fará com que ele tome atitudes impensadas, mentindo para Lidia e caindo, novamente, na lábia de Doña Carmen (Concha Velasco), sua mãe.

Doña Carmen é ótima em manipular seus filhos, e tanto Carlos quanto Elisa (Ángela Cremonte) parecem ficar cada vez mais estúpidos diante da presença da mãe. Doña Carmen já passou do ponto de se preocupar com alguém que não seja ela mesma e usa de todos os meios disponíveis para fazer da vida de seus filhos um inferno, seja chantageando-os para ter momentos a sós com Eva ou para não denunciá-los por terem roubado e usado seu dinheiro para pagar a reforma da Companhia Telefônica de Madrid. A trama envolvendo Doña Carmen, sua doença e a cirurgia experimental envolvendo o sangue de Eva (!) é tão surreal e mirabolante que nos deixa pasmos ver que, novamente, Las Chicas del Cable usa o recurso do sequestro de um bebê para movimentar a trama. Nós já sabemos que Doña Carmen não tem escrúpulos, mas requentar uma narrativa usada na série, inclusive em sua temporada anterior, soa um pouco preguiçoso e nada original.

Enquanto Óscar vai para a prisão no lugar de Carlota, ela e suas amigas bolam um plano de fuga para ele que, condenado por confessar o assassinato de Gregório, tem poucos dias antes de ser enviado para o corredor da morte. Dessa maneira, Lidia, Ángeles, Carlota e Marga correm contra o tempo enquanto tentam provar a inocência de Carlota e desenhar a fuga ideal de Óscar — o que as coloca o tempo todo interferindo na delegacia, se intrometendo em investigações policiais ou forjando provas. Las Chicas del Cable nos pede muito da suspensão de descrença e em alguns momentos fica realmente difícil aceitar as atitudes dos personagens, mesmo que suas ações sejam repletas das melhores intenções. Ángeles, que assumiu o codinome Mirlo e gerencia uma rede de espionagem dentro da Companhia Telefônica de Madrid, ouvindo conversas por meio de sua escola de mulheres dentro da empresa, pegando informações sigilosas e vendendo-as para quem pagar melhor, consegue até mesmo uma detenta de confiança para proteger Óscar na prisão.

Las Chicas del Cable

A quarta temporada inteira é costurada pela trama do assassinato e prisão de Carlota, e depois Óscar, de maneira que as outras narrativas acabam não sendo desenvolvidas adequadamente. É o caso, por exemplo, da trama que envolve Marga e Pablo (Nico Romero). Com o casamento se despedaçando após Pablo descobrir que Marga transou com seu irmão gêmeo, Julio, por engano, os dois decidem pelo divórcio — em 1931, a lei que permitia o divórcio na Espanha acabava de ser aprovada — e eles decidem seguir caminhos separados. Marga, desiludida com o amor, acaba se candidatando a uma vaga de contadora na Companhia Telefônica de Madrid por influência de Lidia, e é aceita, fazendo com que passe a trabalhar no mesmo ambiente que Pablo. Não demora até que os dois se reaproximem e percebam que ainda se amam mas, dentro do panorama geral, são poucos os minutos dedicados a eles, que, novamente, aparecem como o alívio cômico de uma série repleta de drama.

Os relacionamentos amorosos também dão a tônica à quarta temporada de Las Chicas del Cable, e além do cansativo triângulo amoroso entre Lidia, Carlos e Francisco, podemos ter algum alívio com o bonito relacionamento entre Carlota e Óscar — o amor entre eles é mostrado de maneira delicada e sensível, e as provas de amor trocadas são capazes de deixar os outros casais na lanterna do campeonato. Ángeles e Cuevas continuam a elevar a tensão sexual às alturas, e é realmente bom vê-la com autonomia o suficiente para decidir ir adiante com o relacionamento depois de ter vivido um casamento repleto de abusos. Ainda que o romance esteja intrínseco às vidas das personagens da série, ele não é o foco absoluto dessa temporada que opta muito mais em mostrar a resiliência de suas mulheres e a força que encontram na amizade e amor que sentem umas pelas outras. Mesmo com diversos erros de roteiro (como assim Francisco tem dificuldade para andar em uma cena e na seguinte já está saracoteando sem supervisão por Madrid?), tramas com resoluções medíocres e que testam a paciência de seu público, o que Las Chicas del Cable sabe fazer de melhor é fortalecer, a cada episódio, a amizade entre Lidia, Ángeles, Carlota e Marga.

As quatro são mulheres completamente diferentes, com histórias e vivências diversas e, ainda assim, decidiram manter-se juntas qualquer que fosse a adversidade que surgisse em suas vidas. Em uma temporada marcada por mais dramas do que seria justificável, o que fica de positivo é a caracterização dessas mulheres e o fortalecimento de sua amizade. Elas não pensam duas vezes em fazer o possível — e impossível — para provar a inocência de Carlota no assassinato ou em ajudar na fuga de Óscar da prisão, e mesmo que isso soe pouco crível (de repente cada uma delas se torna ótima em planejar fugas, criando um Las Chicas del Cable: Prision Break Edition) é reconfortante vê-las tão unidas e próximas.

Las Chicas del Cable

Com exceção do incêndio da terceira temporada, o quarto ano de Las Chicas del Cable tem, novamente, uma investigação de assassinato e um sequestro, o que demonstra um pouco do desgaste da fórmula que fez de sua primeira temporada um sucesso. Renovada para sua quinta temporada, que deve estrear em 2020, é preciso que Ramón Campos, Gema R. Neira e Teresa Fernández-Valdés, criadores da série, venham com novas ideias para dar fôlego aos episódios ainda por vir — o que parece estar sendo trabalhado por parte deles ao deixar nossas protagonistas em novos lugares ao encerramento do season finale. A morte de uma personagem recorrente e importante foi dolorida, mas pode ter sido a responsável por mostrar um novo caminho para a série — ainda que usar a morte de uma mulher como ferramenta de roteiro nunca seja o mais adequado.

Com cada uma das personagens em um momento diferente, nos resta imaginar como o universo (ou a sala de roteiristas) as fará se reunir novamente, principalmente com a iminência da Guerra Civil Espanhola. O conflito entre republicanos e nacionalistas pelo governo da Espanha, ocorrido entre os anos de 1936 e 1939, foi marcado por grande violência e culminou em uma tentativa de golpe militar. Resta saber como nossas telefonistas estarão envolvidas em tudo isso — ainda que Las Chicas del Cable não seja, a rigor, uma série histórica, seu roteiro sempre se vale de momentos chave da Espanha para avançar sua trama. Nos resta esperar que isso seja feito da melhor maneira possível, recuperando a tônica dos episódios de estreia que nos fizeram cair de amores pelas cable girls.

Em termos técnicos, Las Chicas del Cable permanece impecável. As ambientações da Madrid dos anos 1930 parecem feitas de sonho e é impossível assistir a um episódio da série sem sentir vontade de passar um tempinho naquela época — mas a vontade logo passa quando percebemos como aquele ambiente era (é) tóxico para ser uma mulher, principalmente se você tem um cargo de chefia e é desafiada por outros homens apenas por seu gênero ou quer ser apenas você mesma (o que acontece em 100% do tempo). A quarta temporada de Las Chicas del Cable não é a melhor já feita pela série, mas tenta abordar temas pertinentes como a já citada questão de gênero, a lei de divórcio e a união de suas personagens femininas. A narrativa dos episódios escorrega ao tentar abarcar muitos dramas de uma vez só, sem amarrar as pontas soltas de maneira adequada. Embora brilhe quando dá destaque para suas protagonistas e a amizade que as une, é necessário que os roteiristas desapeguem de certos clichês o mais rápido possível (apenas PAREM com o triângulo amoroso) e sigam em frente, usando o potencial de suas personagens — e intérpretes — para mover a trama adiante sem recair em tropos e situações repetitivas.