Nada é inteiramente bom em 2021. Nem Zoey’s Extraordinary Playlist. A série da NBC foi um dos mais preciosos lançamentos do ano passado, sabendo surpreender e divertir do começo ao fim com uma temporada de estreia bastante forte. É certo que a expectativa é a mãe da decepção, mas depois de um começo tão bom eu estava ansiosa pela segunda temporada da série. E, no fim, não encontrei o que procurava.
Criada por Austin Winsberg, Zoey’s Extraordinary Playlist acompanha a vida de Zoey (Jane Levy), uma programadora que de repente se vê com um estranho superpoder: ela é capaz de ouvir os mais profundos sentimentos de outras pessoas em forma de música. Assim, durante os episódios, vemos os mais variados personagens se jogarem em números musicais que, na trama, são vistos apenas por Zoey. Além da mistura de música pop, drama e comédia funcionar bem, a série ainda tem como pontos positivos um elenco simpático e boas ideias para variar a dinâmica dos episódios, o que faz com que o show seja diferente de outras dramédias musicais. Tudo isso continua sendo verdade na segunda temporada. Mas, ao contrário da primeira, a nova leva de episódios nadou em círculos e deu muitos pontos sem nó.
Atenção: este texto contém spoilers!
O comovente fim da primeira temporada já nos deixava saber que a segunda começaria com uma grande perda. Com a morte de Mitch, o pai de Zoey, o elenco perde a presença constante de Peter Gallagher. O personagem, que concentrava um dos grandes arcos da série na temporada de estreia, continuou guiando o tema do luto, agora com sua ausência. Se antes víamos a família da protagonista lidar com a doença e o sentimento antecipado de perda, agora vemos como eles continuam depois dessa morte. Zoey’s Extraordinary Playlist continua sendo muito boa em tratar do luto, capturando nuances e mostrando diferentes formas de passar por isso. A própria Zoey e sua mãe, Maggie (Mary Steenburgen), são as personagens que mais vivem os conflitos e questões do luto na trama — seja a dificuldade em retornar à rotina, a saudade ou a redescoberta de como viver sem a pessoa que se foi.
Apesar dessa ser a perda mais óbvia e mais comentada ao longo dos episódios, ela não é a única que marca essa temporada. Logo no início, temos que dizer adeus a Lauren Graham, que aparentemente deixou a série por conflitos de agenda. Com isso, perdemos Joan, a chefe de Zoey, que era uma mentora importante para ela e um grande trunfo em números musicais divertidíssimos. Essa perda traz uma novidade para a vida de Zoey, que acaba sendo promovida e se torna a chefe do setor na Sprq Point, a empresa de tecnologia deliciosamente estereotipada em que trabalha. É legal ver esse avanço de carreira, ainda que seja às custas da saída de Lauren Graham do elenco.
Para suprir essas baixas, algumas outras personagens começam a aparecer com mais frequência, como Deb (Bernadette Peters), que retoma seu lugar de amiga e apoio para Maggie, e Danny Michael Davis (Noah Weisberg), o caricato fundador da Sprq Point. Há ainda nomes do elenco principal que ganham mais tempo de tela e a chegada de novas personagens. Essas novidades e adaptações são a porta de entrada para os grandes acertos e os lamentáveis furos da segunda temporada.
Os grandes acertos
Dar mais destaque a Mo, brilhantemente interpretado por Alex Newell, era uma decisão fácil e que certamente foi bem recompensada. A personagem de Mo, amigo e confidente de Zoey, traz para a tela assuntos interessantes, cenas musicais impecáveis e excelentes razões para rir e emocionar. É o pacote completo. Nessa temporada, vemos esse destaque crescendo com Mo e Max formando uma nova dupla nos negócios com a concepção e fundação do MaxiMo’s, um restaurante em que as pessoas podem pedir delivery de qualquer lugar e serem servidas em um espaço descoladex. Além dessa nova esfera em sua vida profissional, também vemos um novo amor chegando em sua vida: o bombeiro Perry (David St. Louis). A chegada de Perry é positiva para o desenvolvimento de Mo como personagem e para a série como um todo, levantando questões relacionadas à heteronormatividade, relacionamentos e família.
O jeito como a série trabalha com as cenas musicais também segue sendo um grande acerto. Um dos pontos fortes de Zoey’s Extraordinary Playlist é a contínua busca por novas maneiras de abordar o superpoder da protagonista, o que não deixa os episódios enjoativos e sempre consegue surpreender de alguma forma — o próprio criador, Austin Winsberg, disse em entrevista para a USA Today que encontrar formas “novas e criativas” de apresentar os poderes de Zoey é um dos seus objetivos. Ainda que nessa temporada tenha sentido isso com menos frequência, houveram episódios muito bem executados nessa linha. Um bom exemplo é um episódio em que as músicas se bagunçam e as personagens começam a cantar os sentimentos umas das outras, o que faz com que Zoey tenha que se dedicar a descobrir quem está pensando o quê. Outro, é um episódio inteiro com flashbacks, que traz de volta Peter Gallagher para contracenar com a família em uma época em que Mitch ainda está vivo e saudável. Como os flashbacks se passam antes do bizarro incidente que dá poderes a Zoey, as cenas musicais do episódio acontecem de forma bem mais literal, com as personagens cantando em voz alta, pra todo mundo ouvir.
A seleção de músicas também continua afiada. Nessa temporada, somos brindados com canções de Lizzo, Britney Spears, Nicki Minaj, Taylor Swift, Dua Lipa, Rihanna, Gwen Stefani, Linkin Park e até uma inesperada versão de “The Fox”, de Ylvis. Sim, essa mesma que você está pensando. Além disso, as coreografias continuam bem feitas e combinam com o tom da série, tanto nos grandes números quanto em momentos mais intimistas.
Morreu na praia
Minha grande questão com a segunda temporada de Zoey’s Extraordinary Playlist foi a sensação de que não havia um plano claro. Ao contrário da temporada de estreia, que pareceu tão bem amarrada, essa saiu um tanto sem rumo. Vários arcos começaram e terminaram sem chegar a lugar algum, personagens foram incluídos na trama só para acabar desaparecendo sem nenhum propósito e algumas discussões foram levantadas sem preocupação de terem continuidade.
Entre esses assuntos que surgiram e não foram explorados com a atenção que mereciam está a depressão pós-parto. Em dado momento, a cunhada de Zoey, Emily (Alice Lee), revela que está passando por um quadro de depressão pós-parto e que precisa procurar ajuda. Ainda que esse seja um dos temas centrais de um episódio, ele logo é considerado “resolvido” e, depois, volta apenas com um breve comentário de Emily sobre estar se medicando. Outro caso começa em um episódio em que descobrem que um dos gadgets da Sprq Point não reconhece pessoas não brancas, o que levanta uma discussão racial. Esse também se torna o tema central de um episódio que envolve, principalmente, Simon (John Clarence Stewart). Aqui também a sensação é de que tentaram “solucionar” o assunto rápido: depois do episódio de destaque, Simon só menciona de passagem as atividades em que está envolvido para promover a equidade racial na empresa.
O triângulo amoroso de Zoey, Max (Skylar Astin) e Simon continua sendo um dos principais temas da série. E não acho que isso seja necessariamente ruim, por mais clichê que seja esse tipo de fórmula. O que incomoda é que, nessa temporada, isso foi feito meio de qualquer jeito e com arranjos muito fáceis, sem dramas — e, poxa, quando a gente dá play em um triângulo amoroso, a gente espera pelo menos um bom draminha, uns desencontros. O vai e volta não traz muitas emoções, com Max e Zoey começando a temporada juntos, se separando para que ela pudesse engatar um namoro com Simon e, por fim, voltando a ficar juntos às pressas, nos momentos finais do último episódio.
Já no âmbito de novas personagens despropositadas temos a participação de Aiden (Felix Mallard), um vizinho de Zoey que tem uma banda de garagem e por quem ela desenvolve um interesse romântico (bem mais ou menos); de McKenzie (Morgan Taylor Campbell), uma das novas programadoras que chega para trabalhar no departamento de Zoey e que, aparentemente, só foi adicionada à série para que Tobin (Kapil Talwalkar) ganhasse uma namorada; e de Rose (Katie Findlay), uma antiga paixão de Max que ressurge convenientemente no período em que ele e Zoey resolvem dar um tempo e a protagonista fica com Simon.
E, bom, essa é provavelmente só uma implicância, mas que aflição foi ver, em plena pandemia, a cena dispensável em que dezenas de pessoas fantasiadas cantam Queen na preparação para uma corrida que nem acrescenta muito à história.
Será que vem aí?
Recentemente, tivemos que ouvir a notícia mais temida: a NBC não renovou Zoey’s Extraordinary Playlist para uma terceira temporada. O cancelamento não chega a ser uma surpresa, mas não deixa de ser (mais) um golpe. Apesar dos números de audiência pouco animadores, a série tem fãs apaixonados e conseguiu emplacar até uma nomeação ao Globo de Ouro, com a indicação de Jane Levy como melhor atriz na categoria de comédia ou musical.
Porém, sem a notícia oficial de cancelamento e cercado apenas pela incerteza quanto ao futuro da série, Austin Winsberg não se absteve de encerrar a season finale da segunda temporada com reticências. Na última cena, ganhamos uma grande expectativa de que coisas diferentes do que o que vimos até agora estavam prestes a vir aí: enquanto se declaram um para o outro, Max e Zoey vivem uma experiência trocada. Dessa vez, é Max quem vê Zoey cantando seus sentimentos como em um musical coreografado. Se isso significa que a protagonista perdeu seus poderes e os transferiu de alguma forma a Max ou se agora ambos estão munidos dessa habilidade é o que só vamos descobrir se novos episódios forem encomendados.
A aposta de Winsberg foi alta. Depois do cancelamento, espera-se que o estúdio que produz o show busque um novo lar para Zoey, Max e companhia. Quem sabe um streaming entre em cena para salvar a série? Ainda que não tenha sido a maior entusiasta da segunda temporada, ainda me guardo como uma fã de Zoey’s e aguardo boas notícias — uma renovação para a terceira temporada pode trazer a série de volta em todo o seu esplendor, aproveitando ao máximo o potencial que ela já provou que tem. Se isso não acontecer, terei que sofrer com mais um final prematuro e um plot twist nunca concluído, assim como foi com a finada Santa Clarita Diet. É cruzar os dedos e esperar pra ver.