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Plant Horror e uma ode aos perigos das plantas

Eu não estava pensando no Big Brother quando comecei a ler Plant Horror: Approaches to the Monstrous Vegetal in Fiction and Film. Contudo, chegou um momento em que tudo fez muito sentido. Os entusiastas do reality show sabem: ser chamado de planta é ofensa. Em um jogo que pede por movimentos rápidos e reações tempestuosas, ficar parado e em silêncio, se abstendo de estratégias e de discussões, é uma falha fatal.

Mas talvez Tiago Leifert esteja certo ao afirmar que plantas são perigosas e dominam o jogo. Plant Horror é um livro de ensaios organizado pelas professoras de literatura Dawn Keetley e Angela Tenga. Publicado em 2016, ele traz ensaios sobre o quão monstruosas as plantas podem ser dentro do âmbito da arte. As referências são várias: o uso das mandrágoras em Harry Potter e a Câmara Secreta (2002); a cena de estupro da protagonista por raízes em Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (1981), cena bastante criticada ao longo dos anos; o Cavaleiro Verde dos contos arturianos, que ganhou uma versão sombria da A24 e foi adiada devido à pandemia; o sacrifício de sangue que a natureza pede em O Homem de Palha (1973) e muito mais.

Keetley aponta na introdução que as plantas são a personificação do medo que o ser humano sente em relação ao aspecto selvagem da vida vegetal. Ela é indomável, seu crescimento é incontrolável e parece ser indiferente a nossa presença. E as plantas fazem tudo isso em silêncio. Se o ser humano sempre tentou domar a linguagem, aqui ele se depara com um enigma difícil de ser decifrado. O livro A Vida Secreta das Árvores, de Peter Wohlleben, mostra que as árvores conversam e se ajudam, por meio de odores e pelas raízes.

Segundo a autora, a vida vegetal é 99% da biomassa da Terra. Ou seja, vivemos em um planeta dominado por plantas. Além disso, a planta ainda personifica a mortalidade inerente de todos os seres da natureza. Muitas espécies vegetais têm curtos ciclos de vida, sendo um permanente lembrete de que as espécies continuam se renovando, de maneira geral, mas nós, seres particulares, iremos morrer. A rosa específica que foi cortada por Mortícia Addams morreu, mas outras irão nascer. Assim como os seres humanos. Além disso, a autora aponta que temos que nos lembrar que todos seremos enterrados na terra e, consequentemente, nos tornaremos alimentos para as plantas. Talvez não de plantas carnívoras gigantes, mas de todas.

Plant Horror

Na introdução, Keetley aponta seis teses para explicar o motivo pelo qual a vegetação, as flores, os arbustos e as árvores são assustadoras na ficção de horror e fantasia. A primeira tese é a de que plantas encarnam a figura do Outro. Se os humanos logo compreenderam que eram parecidos com os animais, essa afinidade com as plantas não é tão frequente. Michael Marder aponta: uma das grandes diferenças entre as plantas e os seres humano é que elas não têm uma cabeça — que, muitas vezes, simboliza para a cultura humana, a razão —, mas sim um abundante “meio” sem um começo ou fim visíveis.

O neurobiologista Stefano Mancuso afirma que as plantas são tão diferentes de nós que, às vezes, é até difícil nos lembrarmos de que elas estão vivas. As plantas são familiares, mas ao mesmo tempo nada familiares. A autora cita o caso de A Bruxa de Blair (1999), em que os jovens se perdem em uma floresta, que se torna cada vez mais perigosa conforme vai se mostrando cada vez mais diferente do que esperavam. Assim como a floresta é o lar do perigo em Sexta-Feira 13 (1980), o ambiente rural é o espaço de horror n’O Massacre da Serra Elétrica (1974) e a floresta é o lugar indicado pelo bode Black Phillip em A Bruxa (2015).

A segunda tese é a de que as plantas se tornaram uma paisagem que quase não percebemos. Servindo apenas de background, ela pode nos pegar de surpresa. Há uma espécie de cegueira botânica, na qual nossos olhos estão programados para focar em animais, mas não em plantas, porque elas, majoritariamente, não se movem e nem são nossas predadoras. A terceira tese é a de que nos assustamos com o crescimento selvagem e aparentemente sem propósito das plantas. Elas são, teoricamente, imóveis, mas crescem de outras formas. Keetley cita a famosa paisagem apocalíptica em que as ruínas da cultura humana — como os edifícios e as estradas — foram tomadas pela natureza, que, sem a presença de humanos, não é domada.

Dessa forma, a vegetação passa a mensagem de um desejo insaciável de se apropriar do outro. Assim como toma para si lugares abandonados, nas histórias de Plant Horror, elas também podem tomar o ser humano, como acontece na HQ Manifest Destiny. Além disso, em relação ao seu crescimento, as plantas desafiam as normas humanas tradicionais da sexualidade. Elas não são confinadas a uma oposição binária. A flor hibisco, por exemplo, tem os dois órgãos reprodutores, o gineceu e o androceu, e pode se reproduzir de forma assexuada.

A autora faz uma comparação com os zumbis: tanto plantas e zumbis aparentam não ter desejos sexuais, mas são devotados em reproduzir novos membros de sua espécie. A quarta tese é a de que os humanos podem ter medo de plantas porque abrigam algo delas dentro de si. Como Ashton Nichols aborda em Beyond Romantic Ecocriticism: Toward Urbanatural Roosting: mesmo em centros urbanos, não estamos absolutamente longe da natureza, porque nós somos parte dela. Apesar do sentimento de extrema diferença que sentimos em relação à vegetação, também há a percepção de que somos, sim, um pouco como elas. Somos feitos do mesmo carbono e precisamos de água.

A quinta tese é a de que as plantas, um dia, buscarão vingança. Como o xamã Yanomani Davi Kopenawa afirma em A Queda do Céu, a floresta está viva e só morrerá se os brancos insistirem em continuar destruindo-a. Se ela acabar, toda a natureza irá desaparecer. E, consequentemente, os seres humanos também. Diante da realidade brasileira de desmatamento constante e genocídio indígena, é importantíssimo pensar em tais questões. Keetley aponta que os humanos oprimiram as plantas, explorando-as e destruindo a vida vegetal em prol do benefício próprio. Ela afirma de que há o pensamento recorrente de as plantas devem nos servir e devem ser usadas apenas como instrumento. Por isso, filmes como O Terror Veio do Espaço (1963) trabalham com a ideia de que plantas buscarão vingança por causa da forma como são dizimadas.

A sexta e última tese é a de que o Plant Horror marca uma ruptura absoluta com o que conhecemos. A natureza irá crescer e se espalhar e talvez ainda não a decifraremos totalmente. Como em Aniquilação (2018), podemos nos enveredar por uma floresta bela e poderosa, mas cheia de surpresas. Como Gaston Bachelard afirma sobre em seus tratados sobre a poética: todos temos um elemento privilegiado dentro de nós que poderá transbordar na imagética da nossa escrita. Pode ser a água, com lagos e mares; o fogo, com a fogueira e o incêndio; o ar, com a brisa e o furacão e a terra, com as árvores, a terra, as flores. Plant Horror é seiva viva para quem sente o chamado do terrestre.

Pocah, Viih Tube, Thaís e João, do BBB 2021, foram chamados de planta, no início do jogo, mas cresceram e chegaram bem perto do fim da competição.