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Meu Diário para a Liberdade: notas sobre o enfrentamento do cansaço

O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han define nossa sociedade do capitalismo tardio como uma sociedade de cansaço. Se antes vivíamos na sociedade disciplinar definida por Foucault como um sistema de exploração no qual havia a necessidade de controle dos indivíduos para que estes seguissem servindo a alguns poucos que se beneficia do sistema, os mecanismos do capitalismo se transformaram. Deixamos de ser “sujeitos da obediência” e passamos a ser sujeitos de desempenho e produção.

“O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explorá-lo. É senhor e soberano de si mesmo. Assim, não está mais submisso a ninguém ou está submisso apenas de si mesmo. É nisso que ele se distingue do sujeito de obediência. A queda da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que liberdade e coação coincidam. Assim, o sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de maximizar o desempenho. O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal.”

Hoje em dia, a precarização dos trabalhos cada vez maior e a ideia de que todos podemos ser empreendedores deixa o chicote de disciplinar e controlar inteiramente nas mãos de cada trabalhador.

Meu Diário para a Liberdade

Ainda que de origem coreana, Byung-Chul Han escreve partindo de uma observação aparentemente bastante voltada para a sociedade europeia e alemã, e se baseando nos pensamentos e observações de uma intelectualidade fundada nas escolas da Europa — os debates em Sociedade do Cansaço e outros livros de sua obra trazem sempre as ideias de filósofos como Nietzsche, Kant, e o próprio Foucault , entre outros nomes clássicos da filosofia ocidental e até mesmo da antiguidade greco-romana. A distância das academias, dos saberes não registrados academicamente e da práxis (a prática concreta feita a partir da teoria) do mundo não-ocidental acabam por afastar a definição do filósofo da experiência de outras nações. Na realidade, em especial no sul-global do mundo (ou seja, países que estão nas periferias do capitalismo e distantes das tomadas de decisões e benefícios centrais do sistema), ainda estamos em transição para tal modelo de sociedade: parte de nós ainda vive aos moldes sociais antigos de controle e disciplina — em especial nas classes mais baixas — enquanto outra parte nossa, das classes médias, acaba caindo na sociedade de desempenho e cansaço.

Riqueza, desigualdade e trabalho duro

A Coreia do Sul é um país famoso por longas jornadas de trabalho. Enquanto no Brasil a jornada consolidada pelas leis do trabalho variam entre 36 e — ao menos em teoria — no máximo, 44 horas semanais, no país do leste asiático as jornadas já estão na média de 52 horas por semana, e o governo conservador de direita vinha planejando aumentar para 69 horas de trabalho semanal a jornada dos trabalhadores assalariados — projeto adiado ao menos temporariamente graças a protestos e organização de jovens trabalhadores. A parte sul da península coreana, que veio de inúmeras crises financeiras e humanitárias ao longo de toda a sua história, inclusive recente, foi assimilando e normalizando as longas jornadas de trabalho implementadas e constantemente atualizadas pelo capitalismo em nome da recuperação financeira do país.

Muito da retomada econômica nacional se deve também à grandes empresas multinacionais sul-coreanas. Samsung, Hyundai, LG e Kia são apenas alguns dos nomes por trás da grande circulação de dinheiro no país e para dentro deste, sem contar o próprio entretenimento audiovisual impulsionado pela Hallyu Wave — a onda coreana de influência cultural estimulada pelo estado como forma também de promover soft power para o país. Toda esta indústria ainda gera uma infinidade de trabalhos formais nas fábricas e na produção cultural. Inclusive, de certa forma, grande parte dos cantores de grandes grupos como Black Pink e BTS e atores de dramas coreanos — produções do entretenimento audiovisual com cada vez mais espaço na TV e nos serviços de streaming — não deixam de ser, a sua forma e obtendo muitos benefícios, empregados de grandes empresas e agências multimilionárias de entretenimento. São elas que verdadeiramente lucram.

Mesmo com uma indústria variada, forte e de renome em todo o mundo, o país ainda ocupa o oitavo lugar no ranking de trabalhadores autônomos em pesquisa de 2022 divulgada pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A estimativa é que 23,5% da força de trabalho sul-coreana recorra ao trabalho informal como fonte direta de renda ou de complementação do orçamento familiar. O país não é dominado pela informalidade como a Colômbia (com 53,1% de trabalhos informais), mas tem parte considerável do seu mercado à mercê de menos direitos trabalhistas. Apesar de um PIB per capita de U$32.256,60, segundo dados do Banco Mundial de 2022, o país é o décimo no índice de famílias abaixo da linha da pobreza e é o décimo segundo em desigualdade de renda — isso sem contar a desigualdade salarial entre os gêneros, a maior do mundo. Isso significa que, apesar do país ter muita riqueza em mãos, ela é recebida por poucos, e grande parte dos cidadãos coreanos vivem com pouco.

Meu Diário para a Liberdade

O cenário de um drama

Neste cenário misto, ainda há muito trabalho na sua forma mais tradicional, com hierarquias reforçadas pela própria cultura hierárquica coreana. No entanto, já existe também o empreendedorismo disputando espaço com as formas já conhecidas de opressão. Se o capitalismo em si nos vende a ilusão de que, através do trabalho, a mobilidade social é possível, o empreendedorismo parece nos deixar a “apenas uma boa ideia e um pouco de esforço” de distância da ascensão social — e do justo descanso merecido pelo trabalhador

A sociedade de desempenho ainda traz a impressão de estarmos livres de um sistema de exploração, quando, na verdade, estamos apenas decidindo como vamos nos deixar oprimir pelo sistema — quando é possível escolher. Passa a estar nas nossas mãos o dever de nos cobrarmos para o nosso próprio sucesso e a própria ideia de falha neste caminho de sucesso passa a estar sob a nossa responsabilidade.

Para o pensador francês Jean Paul Sartre “Não há liberdade a não ser em situação e não há situação a não ser pela liberdade”, o que, em termos simplórios, significa que, diante das circunstâncias, ainda há escolhas e são as nossas escolhas que nos levam às situações seguintes. O indivíduo, para o filósofo, é totalmente livre para fazer o que as circunstâncias permitem, mas cada escolha tem consequências com as quais precisa arcar. Exceto quando a escolha é entre sobreviver ou não, situação em que normalmente é muito óbvio que decidiremos pela vida, é preciso ter consciência para de fato exercermos nossa liberdade.

O dilema contemporâneo é que precisamos nos submeter ao sistema para sobreviver, mas ele também nos faz crer na escassez de recursos e nos impele à escolha não muito livre do trabalho em excesso — empreendido por nós mesmos ou ainda dominado por uma outra classe. Não há muitas saídas, e as gerações atualmente no mercado de trabalho ainda precisam conviver com as cidades despreparadas para uma vida confortável. As escolhas se tornam ainda mais difíceis: casas distantes dos trabalhos e centros de decisões ou aluguéis caros nas áreas mais próximas? Se endividar para comprar um carro e ganhar o tempo perdido no transporte público ou perder o tempo e poder gastar o dinheiro com algum outro tipo de lazer? Como se relacionar — com a família, amigos e romanticamente — se estamos exaustos não só fisicamente, mas mentalmente, e indispostos a ter o trabalho de manutenção que qualquer relacionamento demanda? E como encontrar ligações e experiências que façam a vida valer a pena e deixar de ser apenas uma repetição dos dias exaustivos em meio a este cenário? Como ganhar consciência para fazer escolhas mais lúcidas e de fato viver se estamos inconscientes por causa dos excessos impostos para a mera sobrevivência?

São estes os dilemas dos três irmãos que protagonizam Meu Diário para a Liberdade, drama de 2022 disponível na Netflix. Chang-hee (Lee Min-ki), Mi-jeong (Kim Ji-won) e Gi-jeong (Lee El) vivem exatamente a rotina exaustiva de cidadãos urbanos contemporâneos: trabalham no centro de Seul e vivem nos arredores da cidade com os pais, que tem uma loja de móveis sob medida e vivem também da colheita em sua pequena propriedade na zona rural. Na faixa dos 30 anos, os três não têm casa própria, carro, realizações pessoais, relacionamentos saudáveis e estáveis, um bom entendimento da geração anterior — com quem convivem diariamente — e tampouco consciência plena de si mesmos.

Ao longo da trama, acompanhamos a busca das irmãs e do irmão por liberdade. Não a liberdade para se explorar, algo que já vivem, mas a liberdade consciente, que faz a vida ter sentido.

Em busca de libertação

A protagonista da trama é Mi-jeong, que trabalha em uma grande empresa de Seul onde não tem muita perspectiva de ascensão na carreira. O chefe de seu time de designers rejeita e critica todos os trabalhos dela e, entre as colegas, Mi-jeong é interpretada como alguém distante e fechada, já que não consegue participar dos clubes de socialização promovidos pela empresa, uma vez que precisa fazer sua longa baldeação de volta à sua casa após o expediente. A inadequação social tem um peso ainda maior para a personagem dentro da sociedade coreana, já que, além da cultura de longas horas de trabalho, o hábito de beber com colegas de trabalho e chefes e estar presente em outras formas de socialização nas equipes das empresas é também mais uma exigência bastante forte na Coreia do Sul. Mi-jeong também esconde uma dívida bancária em seu nome quase impossível de pagar, feita para ajudar um ex-namorado que a abandonou e não reapareceu para quitar o que devia. Na tentativa de esconder da família esta situação humilhante e que os pais jamais entenderiam, ela recorre ao misterioso empregado da loja e marcenaria do pai. Um homem cujo nome completo ninguém sabe, o Sr. Gu (Sukku Son) é um alcoólatra solitário de poucas palavras, que se esquiva de conversas e explicações sobre seu passado. Como um homem que pouco fala, ele também fará poucas perguntas e parece uma boa opção para esta tarefa.

Mi-jeong se interessa por aquele homem silenciosamente presente nas refeições da família e passa a adotar uma ideia Sartriana para chegar a sua liberdade dentro daquela situação: ela decide fazer o que deseja e lidar com todas as consequências de suas escolhas até o final. Em um arroubo inesperado, ela pede ao senhor Gu que a “venere” porque só amor não é o suficiente. Já que seus relacionamentos anteriores foram ruins e ela não obteve o que julgava merecer, a protagonista não faz questão de que os dois se conheçam de forma afetuosa e próxima, ela só pede adoração, algo incondicional e comprometido. Em troca, ela se compromete com a escolha de venerar e ser venerada pelo vizinho, independente do seu passado — e, de fato, ela o faz até o último momento. O que condiz com a conduta existencialista proposta por Jean Paul Sartre:

“O existencialista diz que o covarde se faz covarde, e o herói se faz herói. Existe sempre uma possibilidade para o covarde de deixar de ser covarde e para o herói de deixar de ser herói. O que determina é o engajamento total e não é um caso particular, uma ação isolada, que engajar você totalmente”

Meu Diário para a Liberdade

Se na trama romântica, Mi-jeong toma uma decisão rápida e drástica, no trabalho, ela leva algum tempo até encontrar um grupo de outras pessoas que fundam o Clube da Liberdade. Os outros integrantes são pessoas que também precisam cumprir o requisito de participar de algum clube de socialização da empresa: Seung-min (Park Soo-young), um colega que simplesmente não deseja esse tipo de socialização, e Tae-hoon (Ki-woo Lee), um homem divorciado que precisa cuidar da filha e ajudar no restaurante das irmãs, com quem vive após o fim de seu relacionamento. Cada integrante do clube deve se empenhar para viver com autenticidade e consciência a sua liberdade e anotar sua jornada em um diário — daí o nome da trama. E não é só a trajetória de libertação de Mi-jeong que acompanhamos.

Sua irmã, Gi-jeong também vive em busca de libertação, e embora o trabalho e as horas de baldeação sempre a façam exausta, sua principal dificuldade é conseguir profundidade nos seus relacionamentos. Pelo histórico narrado por ela e seus amigos em noites introspectivas regadas a álcool e desabafos melancólicos, ela tem muitas exigências quanto a seus candidatos e ninguém parece se comprometer com o que ela oferece, mas Gi-jeong sabe que deseja algo profundo. É com Tae-hoon, colega de trabalho de Mi-jeong e também integrante do Clube da Liberdade, que ela entende que precisa se comprometer primeiro para receber a “adoração”, que assim como sua irmã, ela busca. No entanto, os desafios da modernidade não são poucos: Tae-hoon é dependente das irmãs para cuidar da filha, e o próprio divórcio ainda é uma questão delicada na sociedade coreana — ainda que pese mais sobre as mulheres, um homem divorciado também enfrenta suas questões, ainda mais quando assume a criação da filha. Paralelamente à libertação de Gi-jeong, muito mais interior, Tae-hoon também precisa aprender a se libertar de suas amarras e de sua subjugação às irmãs mais velhas e à vida da filha. Ao longo da trama o casal vai aprendendo a encontrar o próprio modo de estar em engajamento total e consciente dentro daquele relacionamento.

A terceira história de libertação que acompanhamos é de Chang-hee, o irmão de Mi-jeong e Gi-jeong. O único filho homem da família precisa lidar com as expectativas dos pais e o modo como eles ainda interferem em sua vida, ao mesmo tempo que busca um destino para si. Ele não tem relacionamentos profundos, tempo, casa, carro ou liberdade financeira, mas também não consegue entender para onde ir por falta da simples perspectiva de um sonho. Todas as questões práticas que interferem na vida de Chang-hee causam grande impacto em suas emoções — tornando suas frustrações em explosões constrangedoras com a namorada, com colegas de trabalho e muitas vezes voltadas, sim, para as mulheres. Enquanto as irmãs sabem o que querem, o irmão não faz a mínima ideia que Chang-hee oscila entre a ideia de liberdade através dos símbolos materiais: ele deseja o carro para namorar, uma casa em Seul para não precisar viver no interior, uma loja própria para se tornar independente dos patrões. Mas Chang-hee entende aos poucos que a liberdade não está em nada disso e sua trajetória ao longo dos episódios vai construindo para ele um destino que o libera das frustrações ao mesmo tempo que o faz se sentir um pouco menos incômodo no mundo. No caso do rapaz, sua transformação é passar a tomar escolhas mais conscientes, ainda que dadas — de certa forma — pelas circunstâncias e aprender a ter sonhos próprios, e não aqueles que a sociedade impõe como símbolos de desejo.

Meu Diário para a Liberdade

Cansados e em busca de liberdade

Meu Diário para a Liberdade é um drama da roteirista de Park Hae-Young, autora de Another Miss Oh. Exibido originalmente pelo canal JTBC e agora disponível na Netflix para uma audiência global, o primeiro dos dezesseis episódios estreou com uma audiência de 650 mil espectadores. A média de pessoas assistindo o drama em sua exibição semanal foi crescendo ao longo dos episódios e atingiu uma marca alcançada por poucas produções originais: de 1,5 milhão de espectadores no país. Produtores da série apontam como determinante para tamanho sucesso o realismo no que toca as questões sociais e geracionais que afetam grande parte dos espectadores, e as temáticas exploradas, de interesse da audiência. A busca pela libertação em meio ao cansaço e ao tédio existencial parece conversar com muita gente — não só na Coreia do Sul, mas em todo o mundo que agora pode assistir ao drama. Outro ponto que chama a atenção do público coreano é o tema da adoração, palavra que aparece na trama para representar a profundidade dos relacionamentos, também perdida em meio ao opressor cotidiano de trabalho e cada vez mais difícil de se obter pois demanda consciência roubada de nós pela dedicação ao desempenho.

Tecnicamente, Meu Diário para a Liberdade usa recursos bastante interessantes para expor a sensação de cansaço e falta de sentido que os personagens enfrentam. O começo da trama é bastante lento e nos deixa, como os protagonistas, por muito tempo dentro dos transportes onde eles já se encontram cansados após longas jornadas de trabalho: grandes viagens de táxi noturnas se intercalam a esperas por ônibus e tempo dentro de trens e metrôs. Ao mesmo tempo que percebemos o cansaço e o tédio, é nesses momentos que também acessamos o interior dos personagens, que reflete o ambiente que os cerca: enquanto as ações principais acontecem em outros cenários, o transporte público é o lugar onde os personagens pensam e sentem, não porque querem estar parados para tal, mas porque não têm outra opção a não ser estar ali. O que deveria ser pausa e respiro se torna contenção e sufocamento e leva a pensamentos incômodos e desesperadores, e não a uma verdadeira contemplação da vida — proposição de Byung-Chul Han para escapar do cansaço imposto pela sociedade. A agitação da cidade se engaiola nestes espaços sem saída, e tanto na vida real quanto no drama, há uma impressão de sufocamento e exaustão repetitivos e infinitos. Este é um espelho da vida urbana facilmente identificável do qual é bastante difícil se livrar na realidade, e também no universo dramático da série. Mas os personagens encontram suas saídas e nos inspiram a encontrar as nossas.

Em contraste com a assepsia artificial e as luzes de Seul, a parte da trama que se passa na zona rural é lenta e maçante e a única diversão que os irmãos encontram ali é a conversa com os amigos e o álcool — porque lá também precisam enfrentar mais uma jornada de trabalho como agricultores. Além de representar a necessidade de complementação de renda e as frustrações de não conseguirem mudanças a partir daquele trabalho fisicamente cansativo, a personalidade dos irmãos também vai sendo composta parte de interior e parte de capital — e isso se reflete nas roupas deles, sempre notavelmente distintas dos colegas que vivem na capital.

A fotografia nas cenas no campo busca cores mais quentes e a da cidade, cores frias, e muitas luzes frenéticas e jogo com essas luzes e cenários para anunciar que estamos entrando nas reflexões dos personagens. Também há muitos closes de ângulos próximos que nos transportam para muito perto da sensação melancólica, solitária e pouco esperançosa das pessoas em tela, também narradoras diretas do que sentem, em cenas com sobreposição de suas vozes internas ao cenário externo. A montagem e composição da série lembra bastante a de Wong Kar Wai em Fallen Angels e Amores Expressos, dupla de filmes do cineasta de Hong Kong que parece ter inspirado a série de alguma forma, já que até os temas da superficialidade das relações e a busca de sentido parecem reverberar na obra coreana de certa forma.

Diários para a liberdade

O ritmo reflexivo e o tom intimista e cru do drama tocaram não apenas a grande audiência, mas também alguns fãs coreanos famosos internacionalmente.

Em entrevista para a Rolling Stone, o rapper coreano Min Yoongi, conhecido como Suga quando está junto aos seus companheiros de grupo no BTS e Agust D em sua carreira solo, declarou ter assistido a série. Ao explicar o que libertação — o tema de seu último álbum solo entitulado D-Day — o compositor explica:

“No passado, eu sabia o que aquele tema significava e percebi que meus pensamentos já estavam resolvidos no processo de gravá-lo. Houve um K-drama chamado Meu Diário para a Liberdade [de 2022] que foi muito bem. Eu comecei a trabalhar no álbum há três anos e então percebi que realmente combinava tematicamente com o drama. Senti e tinha esperança que as pessoas estivessem procurando mais histórias, mais discussões sobre esse tema de “libertação”. (…) Uma vez que me perguntei qual é a minha definição de libertação, eu comecei a desvendar mais essa ideia de libertação [através de minhas músicas]. Acho que os espectadores vão achar que [o vídeo para “Haegeum”] é muito divertido — considerando os outros tipos de promoções que fiz. (…) No vídeo, estou apenas vivendo muito livremente [risos].”

Gong-Yoo, protagonista do longa Invasão Zumbi, interpreta também um personagem que faz uma aparição icônica e memorável na série de maior audiência da Netflix, Round 6. Em suas redes sociais com milhões de seguidores de todo o mundo, o ator declarou estar acompanhando a série na época de sua exibição.

A série provoca reflexão e transformação em outros fãs, além dos famosos: o movimento nas redes sociais a respeito do drama não se resumia a comentários sobre os desdobramentos da trama mas iam além. Se a intenção da roteirista era provocar debate e se a intenção da equipe técnica era criar um produto audiovisual que conduzisse à reflexão sobre os temas, Meu Diário para a Liberdade certamente atingiu o objetivo de seus criadores. Além de levar espectadores a pensar sobre nossas condições de vida na sociedade do cansaço, o drama também pode mobilizar quem o assiste a tomar decisões conscientes para agirmos com engajamento total  que leva a uma vida de autenticidade, relações com profundidade e ela, a liberdade.


Referências

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachine. 2ª edição ampliada – Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

As citações de Jean Paul Sartre foram retiradas do livro Ser livre com Sartre, onde se mencionam  respectivamente de O ser e o nada e O existencialismo é um humanismo.

ALLOUCHE, Frédéric. JOUVE, Anne. Ser livre com Sartre. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019. 1ª Reimpressão.