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Banzo e Afetos: a potência poética de Terezinha Malaquias

Lançado em 2023 pela Editora Páginas, Banzo e Afetos é um livro recente da multiartista Terezinha Malaquias. Entre crônicas, contos e poemas, a autora escreve sobre memórias, afetos, ancestralidade, saudades e dores em meio ao contexto pandêmico que vivemos nos últimos anos. A escritora relembra experiências pessoais ao mesmo tempo que também aborda questões coletivas. Assim, mesmo os seus sentimentos mais particulares são, de alguma forma, emoções e vivências que nós nos identificamos. Apesar de poética e profunda, a escrita de Terezinha Malaquias é extremamente acessível, fazendo com que a leitura de Banzo e Afetos seja leve e fluida, sem deixar de ser reflexiva.

Terezinha Malaquias cresceu no interior de Minas Gerais, mas reside em Freiburg, na Alemanha, desde 2008. Essa experiência de viver entre diferentes culturas — além de questões como saudade, identidade, família e pertencimento — estão entre as principais temáticas que perpassam o livro. Aliás, o próprio termo “banzo”, que dá título à obra, diz respeito ao modo como pessoas escravizadas no Brasil se referiam à falta que sentiam dos seus lugares de origem.

Nas crônicas, a autora utiliza a comida como linguagem e fala sobre suas saudades, dores e afetos através de pratos, receitas e encontros envolta da mesa. Já nos contos, Malaquias escreve aos seus pais e conta, em uma carta emocionante à sua mãe, como o Brasil já não é mais o mesmo de sua infância e os tempos difíceis que atravessamos durante a pandemia. Na seção dedicada à poesia, a artista transita entre diferentes temáticas e sentimentos. Malaquias escreve sobre simplicidades cotidianas, como boas memórias relacionadas ao cheirinho de café e, no poema seguinte, nos lembra das dores e das injustiças que marcam o corpo negro, desde os tempos da escravidão até a contemporaneidade.

As crônicas compõem a primeira parte de Banzo e Afetos. Diversas delas têm nomes de  comidas no título, como “Pão na chapa”, “Chá de camomila”, “Maçãs”, “Farofa”, “Peixes franceses”, entre outros. Com uma escrita simples e aconchegante, Terezinha Malaquias se recorda de momentos felizes da sua infância, presta homenagens para as mulheres que vieram antes dela e conta como a comida é capaz de unir e conectar as pessoas, desde vizinhos, até gerações diferentes.

Mas, além das comidas que confortam, Terezinha Malaquias não se perde na nostalgia e também escreve sobre os dias atuais de maneira realista. Escrito durante a pandemia do covid-19, Banzo e Afetos faz refletir sobre os momentos duros que vivemos entre 2020 e 2022. Na crônica “Começo da Pandemia”, a autora desabafa:

“Quando tudo isso vai passar, ainda não sabemos. O fato é que estamos vivendo em um momento no qual a Terra parou e estamos perdidos, sem saber nem como nem para onde caminhar.

Como continuar? Eu vou vivendo um dia de cada vez. Cada dia é um recomeço. […] Sei que no mundo milhões de pessoas acordaram saudáveis e a vida continua, mesmo na dor, na doença e na tristeza. Sigamos, até quando der.”

A partir de passagens como essa, Terezinha Malaquias consegue fazer com que o leitor se identifique com a sua escrita. Acredito que, independentemente de como passamos o período de isolamento social — seja em casa com a família, sozinha em um país estrangeiro, ou precisando sair de casa para trabalhar — todos nós compartilhamos desse sentimento de angústia e fragilidade, de não saber muito bem como agir,  mas também continuávamos sobrevivendo um dia de cada vez.

A autora volta a retomar o contexto pandêmico na seção de contos, onde ela escreve uma carta destinada à sua falecida mãe, no Dia das Mães de 2021. Malaquias expõe sua dor pelas perdas e mortes causadas pelo vírus, mas também pela fome, pelo desemprego e pela violência policial, ressaltando o desgoverno oportunista que comandava o país naquele contexto e a parcela negacionista da população.

Mesmo sentindo falta dos seus pais, Terezinha Malaquias também diz sentir alívio por eles não estarem mais aqui para ver o que o Brasil se tornou. A autora menciona a opressão e os ataques de ódio às minorias sociais, relembrando dos vários casos de racismo e injustiça que aconteceram no Brasil no início da década: o assassinato de Kathlen Romeu e a chacina de Jacarezinho, vítimas da violência policial do Rio de Janeiro, e o caso do menino Miguel, que morreu após ser deixado sozinho pela patroa de sua mãe. Entretanto, apesar das dores, a escritora segue esperançosa:

“No Brasil, existe o abandono de muitas maneiras. Temos, porém, Deus, o sol, a lua, as estrelas, a arte e a literatura, que nunca nos abandonam.”

Na seção dedicada aos poemas, a autora escreve sobre sentimentos atemporais: saudades da infância e de um tempo que parecia mais simples, amores, tristeza, dores e beleza. Mas a sua poesia também fala sobre sensações e vivências particulares do tempo que vivemos, como os abraços por videochamada e as vidas perdidas durante o contexto pandêmico, tanto por conta do vírus, como pelo descaso do Estado e por conta da violência policial, sobretudo quando falamos de corpos negros e pobres.

Apesar de contar situações cotidianas particulares e narrativas baseadas em  experiências pessoais, a escrita de Terezinha Malaquias é coletiva e universal. Ao longo das páginas, as palavras da autora são capazes de nos despertar várias emoções, desde a vontade de preparar uma comida de conforto, até a indignação por todas as injustiças que temos sobrevivido nos últimos anos. Além das passagens simples e leves, que nos transportam para um momento aconchegante, com muita comida e ternura, a obra de Malaquias não esquece do mundo real. O livro nos lembra que sentimos banzo, saudades e tristeza, mas também temos esperança e vontade de continuar vivendo.


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