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De frente com Valkirias: Emanuela Siqueira, Michelle Henriques e o Cine Varda

O Cine Varda é um novo projeto dedicado a mulheres no cinema. Criado por Emanuela Siqueira e Michelle Henriques, amigas há mais de 15 anos, foi inspirado pelo movimento #52FilmsbyWomen: a cada semana, as autoras publicam um novo textos sobre cineastas mulheres.

Emanuela também é tradutora literária e pesquisadora acadêmica: está concluindo um mestrado em Estudos Literários na Universidade Federal do Paraná. Já Michelle trabalha no mercado editorial e é uma das coordenadoras do projeto Leia Mulheres. Conversamos com as duas sobre cinema e feminismo. O nome do projeto, Cine Varda, é uma homenagem à cineasta francesa Agnès Varda.

Por que a escolheram para batizar o projeto? E quais filmes recomendariam para quem ainda não conhece o trabalho de Varda?

MICHELLE HENRIQUES: Eu recomendaria As Praias de Agnès (2008), que foi o primeiro dela que conheci. Nós a escolhemos porque amamos o trabalho da Varda, como ela coloca a mulher em seus filmes e também por toda a sua criatividade e seu talento. Acho que Varda criou uma linguagem muito própria em seus documentários, não há outros diretores como ela. E porque ela ama gatos tanto quanto eu.

EMANUELA SIQUEIRA: A minha indicação é bem feijão com arroz: Cléo das 5 às 7 (1961). Fiquei completamente chocada ao assistir o filme em uma retrospectiva do cinema francês anos atrás. Lembro quando trabalhei em uma mostra sobre o cinema francês de 1969 (“O Ano Mágico”, segundo eles) e não tinha nenhuma diretora. Eu era muito jovem e assistir a esse filme da Varda aos 30 anos fez mais sentido do que faria naquela época. Ver que muitos dos grandes diretores posteriores foram influenciados por ela foi emocionante demais. A Trilogia do Antes, de Richard Linklater, por exemplo, tem várias das questões estéticas apontadas pela Varda, muito mais que a estética dos chamados jovens turcos da Nouvelle Vague. O filme é um olhar atento sobre a apreensão de uma mulher que percebe a efemeridade da vida, e nós a acompanhamos, em uma trajetória que envolve a relação dela consigo, com os outros e com o tempo. Por isso que amo a Varda, por me fazer perceber o mundo pelo seu olhar atento que capta o belo, engraçado, o trivial e até mesmo o indesejável. A Varda é nossa cara.

Para quem gosta da relação entre literatura e cinema, como vocês, quais são as adaptações literárias mais recentes que vocês recomendam? Vale série e minissérie também.

M.H.: Gosto muito da primeira temporada de The Handmaid’s Tale (2017), achei uma adaptação muito bacana do livro. Estou ansiosa pela adaptação de Kirsten Dunst do romance A Redoma de Vidro, da Sylvia Plath (sem previsão). Ainda não vi a adaptação de A Amiga Genial, de Elena Ferrante, porque não tive tempo de reler o livro.

E.S.: Um dos grandes achados que vi no ano passado é um filme de 2016, que só veio pra cá por conta de uma Mostra de Cinema Argentino Contemporâneo da Caixa: Una Hermana, das diretoras Verena Kuri e Sofía Brockenshire, baseado no livro Garotas Mortas, da Selva Almada. O filme veio a calhar em um ano em que a escritora argentina veio para FLIP e falou-se bastante sobre o livro. É o tipo de filme que gosto, que se baseia em uma obra, fazendo uma tradução intersemiótica com a essência do livro. Trata de uma mulher que busca desesperadamente pela irmã desaparecida, cuidando do sobrinho pequeno. É cheio de simbologias de violências que resultam no feminícidio e se torna um grande ensaio sobre a nossa condição.

O cinema brasileiro vive um momento interessante, com uma profusão de bons títulos de diferentes gêneros. Boa parte desses filmes são dirigidos por mulheres. O que vocês mais gostaram de ver no cinema nacional em 2018?

M.H.: Gostei muito de ver o terror feito por mulheres. O Animal Cordial, de Gabriela Almeida Amaral, e As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, estão entre meus filmes preferidos de 2018. Arábia também foi uma grata surpresa, o filme é de uma sensibilidade absurda.

E.S.: Concordo totalmente. Animal Cordial foi uma das melhores surpresas do ano, um slasher que consegue sintetizar a sociedade atual brasileira jamais deve passar despercebido. Junto à lista dela o Pela Janela, da Caroline Leone, que foi um dos primeiros filmes que vi no ano e não esqueci por um segundo. A diretora já havia feito um trabalho excelente em seus curtas tratando de situações de classe de suas personagens. Aqui, Magali Biff (primorosa) é Rosália, uma mulher de 65 anos que é demitida de uma fábrica. Pense o que significa nessa idade, depois de trabalhar décadas, dentro e fora de casa. Por mais mulheres idosas no cinema!


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!