Categorias: COLABORAÇÃO, HISTÓRIA

A importância do posicionamento político de artistas

No último domingo de outubro de 2022, Luís Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro protagonizaram o segunda turno da Eleição Presidencial mais acirrada da história do Brasil. Como previsto pelas pesquisas eleitorais, após 11 anos afastado, Lula conquistou pela terceira vez o posto de Presidente da República com 50,9% dos votos válidos, contra 49,1% de Bolsonaro. Foi a primeira vez desde a redemocratização brasileira que um presidente tenta a reeleição e perde.

A vitória de Lula se deve, entre outros fatores, à decisão de diversos artistas influentes a se posicionarem politicamente. Mas qual a diferença entre o posicionamento político de um anônimo e de uma figura pública? Muita, principalmente quando essa pessoa exerce enorme influência sobre seu público alvo.

Existe um tipo de “obrigação” moral, política e social ao se posicionar em uma situação tão importante quanto o rumo que o país seguirá durante os próximos anos. Isso porque a arte sempre foi um instrumento de consciência política e uma grande arma para a implementação de mudanças e da representação social. Na música brasileira, por exemplo, existem canções que se tornaram hinos atemporais justamente por serem grandes símbolos de lutas políticas que parecem não ter acabado, como:

“Que País É Este?”, Legião Urbana

Escrita por Renato Russo e performada por sua banda, Legião Urbana, a música foi lançada em 1987 e incendiou os debates sobre corrupção e truculência política. Apesar de terem se passado 35 anos desde então, a música permanece como trilha sonora de muitos protestos no país.

“Apesar de Você”, Chico Buarque

Embora tenha sido composta em 1970, a canção só pôde ser lançada em 1978 devido à censura instaurada pela ditadura militar. Não ironicamente, a música fala justamente sobre a repressão sofrida pelos brasileiros na ditadura, especialmente durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, cujo período na presidência ficou conhecido como Anos de Chumbo. A música nunca deixou de ser um hino da resistência, mas voltou aos ouvidos do público com mais força durante as campanhas de apoiadores de Lula em 2022.

“Brasil”, Cazuza

Composta em parceria com Nilo Romero e George Israel, a música eternizada na voz de Cazuza foi lançada em 1988 e bate muito na tecla da desigualdade social do povo brasileiro e das promessas que nunca se cumprem, deixando a população pobre sempre às margens da farra dos mais ricos.

O posicionamento político espontâneo de celebridades, no decorrer das décadas, passou a ser cada vez mais escasso, salvo quando fazem parte de alguma militância específica. Com isso, parte do público passou a achar normal que figuras públicas não explicitassem suas ideologias e até a discordar de quem exigisse um posicionamento desses famosos. Contudo, é demasiadamente importante que um povo cobre um posicionamento de seus artistas, principalmente para que a arte exerça seu papel social e não se torne apenas manobra política de pão e circo. Muito além de entreter, a arte precisa informar e conscientizar.

Influenciadores como Felipe Neto, Bianca Andrade e João Guilherme são grandes exemplos de como o posicionamento de figuras públicas pode mudar a vida das pessoas que acompanham seus trabalhos. Muitas vezes desligados de assuntos políticos, os seguidores passam a acompanhar a importância da escolha consciente para cargos como o de presidente, governador, deputados e senadores. Conteúdos que antes eram mero entretenimento acabam tornando-se sérios e tirando o público da alienação, consequentemente formando opiniões e influenciando no posicionamento de quem antes não se importava tanto com o assunto.

posicionamento político

O significado do silêncio

Para quem cresceu ouvindo o ditado “quem cala consente”, optar pelo silêncio também é uma manifestação de opinião. Se calar em uma situação de opressão e violência é ser conivente com a situação que está em curso, já que não há nem mesmo a tentativa de combater a barbárie. Não importa quão bom você seja, se prefere ficar em silêncio, está contribuindo com o opressor.

É claro que existem exceções, como o trabalhador que precisa ficar calado em meio a conversas opressoras de chefes ou colegas em maior grau hierárquico por medo, pois o sustento da família depende de seu emprego; ou em meio a uma situação violenta em que a vida depende do silêncio momentâneo. Contudo, quando se é uma figura de prestígio e influência, se calar não é um ato de sobrevivência, mas sim de covardia.

Martin Niemöller foi um pastor luterano de trajetória conturbada: flertou com o nazismo ainda em seu surgimento, mas acabou se tornando um de seus maiores opositores quando percebeu do que realmente se tratava. Niemöller é autor de uma citação muito conhecida, que ilustra exatamente o peso do silêncio em tempos de truculência:

“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”

posicionamento político

Cansamos de ouvir discursos vazios de figuras públicas com forte influência social. Ficar em cima do muro não é benéfico para ninguém e não faz sentido algum, visto que todos têm convicções a respeito de temas como direitos humanos, educação, empregabilidade e relações internacionais, ou seja: a neutralidade política é um conceito inexistente. A tentativa de ser neutro hoje em dia já é um posicionamento muito longe da neutralidade.

A cantora Elba Ramalho, por exemplo, viralizou ao interromper seu show em uma festa de São João na cidade de Salvador, Bahia, no momento em que o público entoava gritos de “fora Bolsonaro” e exaltava Lula. Ela afirmou que iria esperar que o público parasse de gritar para que retomasse o show, já que aquilo não era um comício: “Estou esperando, né? A plateia está se manifestando. Como a gente vive num país democrático, a gente tem que deixar eles se manifestarem. Cada um tem o presidente que merece. Isso é um fato”. Nesse caso, a cantora se posicionou quando a intenção era não se posicionar, principalmente levando em conta o seu histórico em manifestações contra uma ameaça inexistente de comunismo e sua oposição ferrenha à descriminalização do aborto.

No caso de Elba, a repercussão na internet rendeu vários comentários de internautas “cancelando” a cantora. A chamada cultura do cancelamento, apesar de negativa em muitos aspectos, contribui para o esclarecimento dos princípios das pessoas das quais consumimos conteúdos, já que a omissão é mais prejudicial para suas carreiras do que a apropriação de um lado.

De acordo com a pesquisa Global Consumer Pulse da agência Accenture Strategy, 83% dos consumidores brasileiros preferem comprar de marcas e criadores que estejam alinhadas com seus valores pessoais. Por que pensaríamos diferente a respeito dos artistas e criadores de conteúdo que consumimos diariamente? Se gostamos de nos sentir representados pelas músicas que ouvimos, também queremos saber que as pessoas que as compõem e performam se importam o suficiente com o nosso passado, presente e futuro.

Influência de artistas na vitória de Lula

É impossível mudar um cenário político a nível nacional sozinho. Porém, a influência dos artistas sobre seus admiradores agrega muito às causas que defendem e são muito relevantes para a construção do eleitorado de seus candidatos em época de eleições.

A corrida presidencial de 2022 é um grande exemplo da importância de unir diferentes personalidades em prol de um só objetivo. quando comparamos as figuras que fizeram campanha para Lula com as que fizeram para Bolsonaro, a diferença é gritante quanto à diversidade de nichos. Enquanto o segundo era apoiado majoritariamente por cantores sertanejo, jogadores de futebol e atores e atrizes de mais idade, Lula teve o apoio de cantores de funk, pop, rap, mpb e rock, e atores e atrizes de todas as idades. Fora do país, Bolsonaro seguia isolado no meio artístico, enquanto Lula recebia o apoio de grandes personalidades como Mark Ruffalo, Danny Glover, Mark Hamill, Robert Downey Jr., Roger Waters, Lily Allen, Chris Hemsworth, Samuel L. Jackson, Alfonso Herrera, Finneas, Leonardo DiCaprio, Jason Momoa, Xolo Maridueña, entre outros.

posicionamento político

Com o aumento das possibilidades provindas do avanço da internet, a disseminação de informações e a proximidade de artistas com o público aumentaram consideravelmente. Há 20 anos, não era imaginável que existissem plataformas que facilitassem a interação imediata de fãs com seus ídolos, sejam eles nacionais ou internacionais. Ferramentas como Instagram e Twitter foram peças chave para que o apoio de grandes nomes internacionais viralizasse e virassem votos pelo Brasil.

Fãs, em geral, consideram seus ídolos exemplos a serem seguidos. Os fãs clubes de redes sociais, geralmente administrados por admiradores mais jovens, são portais de notícias que servem como um fio de ligação entre todos os fãs e também uma ponte até as celebridades que apreciam. Portais brasileiros de representação de artistas nacionais e internacionais também se manifestaram a favor de Lula, atraindo o voto de fãs até mesmo de famosos que não se manifestaram sobre as eleições brasileiras, como Beyoncé, Elizabeth Gillies, Kacey Musgraves, The Weeknd e Justin Bieber.

posicionamento político

Os fandoms e os próprios famosos foram os principais responsáveis pela emissão de mais de três milhões de novos títulos de eleitor entre pessoas de 16 a 18 anos. O aumento no número de emissões entre a população mais jovem veio depois que personalidades como Bruna Marquezine, Anitta, Pablo Vittar, Luísa Sonza, Gloria Groove, Mark Ruffalo, entre outros, começaram a fazer postagens nas rede sociais e apelos em seus shows pedindo que os jovens se engajassem politicamente. Fãs clubes também aderiram à causa firmando parcerias com centrais de jornalismo como Mídia Ninja, usando a # FandomsPeloVoto.

Mais que influenciar um voto, o posicionamento de artistas de grande alcance ensina ao seu público, independente da faixa etária, a ter consciência política. Não é uma imposição, mas um lembrete dos motivos que devem nos levar a depositar um voto de confiança em uma pessoa por quatro anos para gerir um país inteiro. A obrigação social do artista, nesse caso, não está especificamente na eleição do candidato x ou y, mas no ato de expor seu caráter e mostrar ao público se seu interesse está apenas em si mesmo ou na sociedade como um todo.

Bianca Smiderle Lemos é jornalista em formação, apaixonada por cultura pop e viciada em dar pitaco em tudo desde criança. Aquela totalmente de humanas que pode dar uma palestra sobre qualquer assunto, mas se assusta com um cálculo simples de matemática básica.