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Dance of Thieves: de volta ao universo de As Crônicas de Amor e Ódio

Mary E. Pearson é uma contadora de histórias nata. Com as suas Crônicas de Amor e Ódio ela nos apresentou a um universo repleto de perigos, mas também magia e encantamento. Na companhia de Lia, protagonista de sua trilogia, desvendamos Morrighan, Dalbreck e Venda enquanto acompanhamos não apenas o desenrolar de uma luta de vida ou morte pela liberdade de reinos inteiros, mas também a força de uma princesa que deseja apenas ser dona de si mesma. A narrativa de Mary E. Pearson nos faz refém, e cativados por seus personagens incríveis é impossível abandonar a leitura de sua série antes de chegar à última página. Agora, com Dance of Thieves, primeiro livro de sua duologia Dinastia de Ladrões lançada no Brasil pela DarkSide Books, ela pretende reconquistar seus leitores usando do mesmo encantamento. A pergunta que fica é: será que ela conseguiu?

Em Dance of Thieves acompanhamos a história de Kazi, uma órfã que cresceu nas miseráveis e perigosas ruas de Venda. Aqui já se passaram seis anos desde a conclusão dos eventos narrados em As Crônicas de Amor e Ódio e o reino de Venda não é mais o que costumava ser; com o domínio da nova rainha, a outrora princesa, Lia, a vida dos vendanos começa a mudar — e é aí que a jornada de Kazi tem início. Em um golpe de sorte — aliado a uma boa dose de impulsividade — Kazi é notada pela rainha e escolhida para fazer parte de sua guarda particular, os rahtan. Aliando o treinamento recebido para se tornar uma soldado de elite às habilidades que fizeram dela uma ladra talentosa, Kazi torna-se uma das melhores rahtan e logo é enviada em uma importante missão: roubar uma dinastia familiar poderosa de um reino distante.

“A fraqueza transformava a pessoa em um alvo, e havia muito tempo eu prometera a mim mesma que nunca mais seria um alvo.”

Parte dessa dinastia, Jase Ballenger acabou de assumir sua posição como patrei após a morte repentina de seu pai. Ainda que tenha sido preparado para assumir a liderança dos negócios da família, da Torre da Vigília de Tor — o lar da família — e da Boca do Inferno — uma grande cidade controlada pelos Ballenger — Jase sente que ainda tem muito o que aprender para ser realmente digno de sua nova posição. Isso não o impede, entretanto, de se meter em confusão logo no primeiro dia como patrei, envolvendo-se em um conflito direto com Kazi quando ela chega em seus domínios. A começar por suas posições — ela, uma soldado da elite de Venda; ele, o líder de uma dinastia poderosa — Kazi e Jace estão destinados a serem inimigos, e assim o relacionamento deles tem início. Durante uma discussão, no entanto, ambos caem em uma armadilha que os levará por uma árdua jornada em que, colocados em uma situação de vida ou morte, farão com que vejam além de seus posicionamentos políticos e deveres a cumprir.

Nas palavras da própria autora, em entrevista para o Valkirias, Kazi e Jase “se veem numa situação muito íntima, esquisita e angustiante”. E é essa situação que moverá a narrativa adiante, amarrando Kazi e Jase em um nó apertado quase impossível de ser desfeito a partir do momento em que eles começam a desenvolver uma relação pautada em meias verdades e muitas mentiras. Kazi não consegue confiar totalmente em Jase, e o patrei não consegue abaixar a guarda completamente diante da rahtan — o que não os impede de transformar o ódio que sentem um pelo outro em amor. Enemies to lovers [“inimigos a amantes”] é um dos tropos mais utilizados na ficção, o que não quer dizer que Mary E. Pearson faça uso desse argumento de maneira leviana: a autora é capaz de construir uma trama instigante, enlaçando Kazi e Jase com cuidado em momentos doces e ácidos na mesma medida. Ainda que Dance of Thieves não foque apenas no romance entre os dois, é impossível não deixar de se empolgar com o relacionamento que cresce página à página, uma gentileza aqui e um sarcasmo acolá. A dinâmica entre Kazi e Jase é ótima de se acompanhar, e a falta de paciência dela aliada ao orgulho dele rendem alguns dos melhores momentos do livro.

“Liberdade não é algo que se conquista definitivamente (…). Ela vai e vem, como os séculos. Não posso me descuidar. As lembranças são curtas. É o esquecimento que eu temo.”

A missão de Kazi está diretamente relacionada aos eventos de As Crônicas de Amor e Ódio, e ela precisará lidar com o amor, a perda e as feridas que manteve escondidas e nunca cicatrizaram totalmente. Em sua nova protagonista, Mary E. Pearson cria uma sobrevivente como poucas — a infância difícil de Kazi a moldou para sempre e mesmo quando ela não precisa mais lutar e roubar para se alimentar, é praticamente impossível esquecer o que viveu. Dessa maneira, Kazi é uma personagem tão real e crível quanto possível, uma jovem que passou por momentos difíceis enquanto crescia e que, ainda assim, é capaz de enxergar a bondade no outro e ser empática. A bondade e a coragem são partes intrínsecas de Kazi assim como seu forte senso de justiça e capacidade para chutar bundas, visto que ela é completamente capaz de salvar a si mesma e até o menino bonito, que é Jase, no percurso.

Mas Dance of Thieves não é feito apenas de Kazi e Jase. Os personagens secundários dessa história são tão cativantes quanto seus protagonistas, diversos e encantadores, com motivações e tramas próprias que independem do núcleo principal. Personagens como Synové e Wren, outras duas soldados de elite e amigas de Kazi, além das irmãs de Jase, Priya e Jalaine, despertam a curiosidade do leitor e são magnéticas sempre que aparecem. Synové é falante e extrovertida enquanto Wren é durona e quieta, mas junto de Kazi formam uma parceria que vai além dos rahtan — a amizade entre as três foi forjada no companheirismo e justamente por serem amigas antes de serem soldados da rainha que suas missões se desenvolvem tão bem. Elas confiam plenamente umas nas outras e mesmo Kazi, sempre tão arredia quando o assunto é baixar a guarda e deixar alguém ver além de suas barreiras, sabe que pode contar com as duas sempre que for preciso. O foco de Dance of Thieves é em Kazi e sua jornada com Jase, mas as demais personagens femininas são tão essenciais quanto os protagonistas, o que nos faz querer saber mais sobre elas e suas motivações.

“Escolha suas palavras com cuidado, até mesmo aquelas em que for pensar, porque as palavras se tornam sementes, e as sementes se tornam história.”

Política é algo importante em Dinastia de Ladrões da mesma maneira que em As Crônicas de Amor e Ódio, então a trama se desenrola em jogos de poder e uma dança de ladrões, conforme o título do livro. Kazi tem seu passado como ladra competente em Venda enquanto Jase faz parte de uma dinastia que nem sempre negocia com pessoas idôneas, mas o título da série também pode se associar diretamente com relacionamento entre os dois. São idas e vindas, mentiras e traições, lealdades e deveres colocados à prova em uma jornada com mais de 500 páginas que passam voando visto que a narrativa de Mary E. Pearson nunca cansa e sempre nos deixa querendo mais. E é justamente isso o que acontece quando viramos a última página do livro e nos deparamos com um cliffhanger que vai deixar a imaginação rolar solta até que a continuação de Dance of Thieves seja lançada.

Não é imprescindível ler As Crônicas de Amor e Ódio para mergulhar em Dinastia de Ladrões: ainda que ambas as histórias aconteçam no mesmo universo e que personagens da primeira trilogia apareçam em suas páginas, Dance of Thieves se desenvolve por conta própria e contextualiza de maneira satisfatória os eventos de seis anos antes. Claro que, por ser uma trilogia tão incrível, ler os três livros que formam As Crônicas será ótimo (quanto mais protagonistas femininas excelentes, melhor), mas não lê-los não prejudicará a experiência. A edição da DarkSide Books continua com seu alto padrão: a capa dura é texturizada e belamente ilustrada, as laterais das páginas acompanham o tom de azul da capa e há um mapa para ajudar o leitor a se situar na Boca do Inferno e na Torre da Vigília de Tor.

“Às vezes, parecia que tudo no mundo inteiro acontecia no momento errado, que nossas intenções chegavam muito cedo ou tarde demais, que a vida se amontoava para anuviar nossa visão, e somente depois, quando a poeira assentava, é que éramos capazes de ver nossos erros.”

Dance of Thieves é mais uma empolgante trama de fantasia que preencherá com satisfação os corações dos fãs nostálgicos de As Crônicas de Amor e Ódio. Aqui é visível que Mary E. Pearson realmente tinha mais histórias a contar sobre o mundo que criou e não escreveu uma nova duologia apenas para vender mais livros — a autora realmente se dedica a construir seu universo, seus personagens e as teias de política, amor e poder que os envolve. Kazi, Jase e todos os outros são construídos com profundidade e coração e é fácil se encantar com cada um deles, se empolgar com suas conquistas e às vezes querer sacudi-los por serem tão tremendamente teimosos. E isso é mérito de sua autora que consegue descrever com maestria todos os sentimentos que transbordam, as angústias, as dores e também o amor, as alegrias e contentamentos. Com Dance of Thieves é possível rever personagens queridos como Lia e Rafe, mas também há espaço para que a gente se entregue a uma nova trama e novos personagens.

Dance of Thieves é um livro que te prende do começo ao fim, conta com uma protagonista cativante, corajosa e leal mas que também sente medo e se esforça para acertar mesmo que meta os pés pelas mãos em alguns momentos. Mary E. Pearson entrega uma trama arrebatadora sobre uma jovem que sobreviveu às adversidades de sua infância difícil e nem por isso perdeu a doçura e a gentileza. Kazi sabe que há coisas que não pode corrigir em seu mundo, mas sabe também que outras mudanças estão ao seu alcance — e é nisso que ela coloca sua dedicação e energia. “Porque, se eu conseguisse acreditar no amanhã ou no dia seguinte, talvez assim a magia tivesse tempo para se realizar.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora DarkSide Books.


** A arte do topo do texto é de autoria da nossa colaboradora Carol Nazatto. Para conhecer melhor seu trabalho, clique aqui!

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2 comentários

  1. Ai, miga, abraça! Eu amo tanto esse universo da Mary E. Pearson! Me sinto tão abraçada, tão contemplada por essas mulheres. Poxa, que falta que fez uma série dessas quando eu era adolescente!

    Excelente resenha. ♡

    1. E não é? Quando eu era adolescente tive Hermione, mas acho que teria sido incrível crescer inspirada por mulheres como Lia e Kazy também, Mary E. Pearson faz um trabalho maravilhoso demais! Obrigada pelo elogio, Sybylla! <3

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