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Deadly Class: uma escola de assassinos

Com o fim de um dos arcos mais grandiosos de super-heróis da Casa das Ideias no cinema, os Vingadores, Anthony e Joseph V. Russo, também conhecidos como os Irmãos Russo, responsáveis por grandes sucessos da Marvel como Capitão América: Soldado Invernal e Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato, resolveram apostar as fichas em produções do segmento na TV. O resultado foi a série exibida pelo canal SyFy, Deadly Class, adaptada do quadrinho homônimo escrito por Rick Remender e ilustrado por Wesley Craig. No Brasil, a série pode ser vista por meio do serviço Globo Play.

Aviso: este texto contém spoilers!

Durante dez episódios, de cerca de 40 minutos cada, acompanhamos a jornada de Marcus (Benjamin Wadsworth), um adolescente órfão que vive nas ruas de São Francisco no final da década de 1980, época em que Ronald Reagan era presidente dos Estados Unidos. Supostamente um serial killer, Marcus tem atribuída a si a autoria do assassinato de todas as crianças com que dividia o orfanato na infância. Isso faz com que ele se torne o candidato perfeito para a escola King’s Dominion para Artes Mortais, a Hogwarts para assassinos.

Recrutado por Mestre Lin (Benedict Wong) com a ajuda de seus pupilos Maria (María Gabriela de Faría), Saya (Lana Condor), Willie (Luke Tennie) e Billy (Liam James), Marcus reluta em aceitar o convite de entrada para a escola — afinal ele não passa de um garoto assustado que precisa lidar com uma série de abusos sofridos durante sua vida. No entanto, após um discurso persuasivo de Saya, que logo de cara a trama coloca como seu par romântico, ele vê na escola uma oportunidade para realizar o seu maior objetivo: matar o presidente dos Estados Unidos. Marcus o considera responsável pela morte de seus pais – devido a uma série de cortes de investimentos em sanatórios, um interno foi mandado para as ruas mesmo sem ter condições e saúde mental para levar uma vida comum; por um infortúnio, os pais de Marcus foram atacados e assassinados por esse interno, o que fez com que o jovem jurasse vingança ao presidente dos Estados Unidos.

A partir da entrada do garoto na escola o roteiro nos faz mergulhar de cabeça nos dramas escolares e adolescentes, ao quais já somos bem familiarizados. Porém, a proposta de Deadly Class é ligeiramente diferente ao mostrar a rotina de uma escola para assassinos onde as aulas comuns são substituídas por treinos de luta, simulações de assassinatos e lições de como se tornar um serial killer. Tudo isso dá ao roteiro um tom sombrio, transformando a trama em algo relativamente pesado e com reflexões sobre a natureza humana, o papel de cada um na sociedade e decisões despidas de escrúpulos. Graças à época em que é ambientada, o final da década de 1980, a série também traz muitas referências ao punk, ao alternativo, e aos anos 1980 de maneira geral. Marcus, inclusive, pode ser definido como um grande sad boy cult que adora escrever em seu diário e sempre tem muitas reflexões sobre moral, monstros que são humanos e como produtos culturais comerciais estão acabando com o mundo.

Deadly Class

Não demora muito para que Marcus, e também nós, sejamos apresentados à estrutura social que impera no sistema escolar no universo da King’s Dominion para Artes Mortais. E, como era de se esperar, os grupos são divididos com base em estereótipos extremamente arraigados e construídos socialmente, algo que já vimos, de maneira satírica, em, por exemplo, Meninas Malvadas. Os latinos, gangue da qual Maria faz parte juntamente com seu namorado Chico (Michel Duval), são o cartel do local. Já o grupo de Saya faz parte da Yakuza, a máfia japonesa, enquanto Willie lidera os gângsters negros. Os russos defendem a KGB e odeiam capitalismo, enquanto os nazistas e supremacistas brancos são representados pelos texanos. Os alunos punks, sem qualquer relevância social ou de berço, são conhecidos como “Ratos”, os excluídos e que tem uma taxa extremamente baixa no teste final para se tornar um assassino.

Apesar de, por um lado, cair em diversos estereótipos e clichês (eu ouvi triângulo amoroso?) e deixar de lado a proposta de uma história fora da curva em diversos momentos, Deadly Class também acerta em diversos pontos e subverte algumas expectativas do gênero, sem medo de tocar em assuntos pesados e colocar o dedo na ferida ao apresentar situações tóxicas, de abuso e violência, de forma nua e crua. Também vale ressaltar o grande esforço da produção em aprofundar os personagens principais e adicionar camadas em suas personalidades, tornando-os tridimensionais, para além dos estereótipos. Funciona melhor para alguns do que para outros, mas a real fraqueza da série reside em sua inconstância e seus vilões — FuckFace (Tom Stevens) e Madame Gao (Olivia Cheng) —, que apesar de estarem emparelhados com a linha de sentimentos motivacionais que guiam a série, parecem, em alguns episódios, saídos do nada, com ações expansivas demais, quando deveriam focar no micro. Um antagonista melhor é Chico, que abraça muito bem a definição de “o mundo é meu por direito, meu pai se assegurou de me ensinar isso”.

Ainda sobre a produção da série, um dos grandes acertos dos diretores são os flashbacks em forma de animação, uma vez que, além de ajudar a aprofundar e nos aproximar das histórias de incontáveis personagens, são belamente construídos e esteticamente bem executados.

Rivalidade feminina, até quando?

Deadly Class

De fato, é interessante acompanhar a jornada de Marcus e seus conflitos ao longo da temporada. Suas ações e decisões têm consequências graves não apenas para si, mas para todos aqueles que decidiram chamá-lo de amigo. Todavia, é uma história que pode ser vista em muitos outros lugares e que, apesar de bem conduzida, não tem muito de novo em si. Enquanto isso, as duas personagens femininas centrais de Deadly Class tem muito a oferecer.

Maria e Saya, apesar de pertencerem a mundos diferentes, são amigas e colegas de quarto. A relação das duas cresce nos primeiros episódios, principalmente com a descoberta de Saya sobre a bipolaridade de Maria. Por parte de Saya, a preocupação e vontade de ajudar a amiga são claras e a cumplicidade que cresce entre as duas é algo raro de se ver na televisão, ainda mais quando falamos de duas personagens não-brancas.

A sensibilidade na construção da relação das duas não dura muito, no entanto. Basta adicionar o fator interesse romântico para os roteiristas transformarem o que havia entre elas em uma guerra de ciúmes e possessividade cujo centro é Marcus. Se o conflito era algo que deveria acontecer pelo bem do andamento da trama, posso pensar em pelo menos duas outras maneiras de colocar tal enredo em movimento. As motivações de ambas vão muito além do relacionamento com Marcus, mas é algo que Deadly Class parece esquecer nos seus últimos capítulos.

Deadly Class

Enquanto personagens individuais, Saya poderia ter ganhado mais camadas. Pode ter sido algo reservado para próximas temporadas — que não veremos, visto que a série não foi renovada pelo SyFy –, mas mesmo contando com um episódio inteiro focado em alguém de sua família tentando matá-la, poucos são os detalhes apresentados de sua vida, tanto que não lhe é dado nenhum direito a flashback, apenas a informação de que ela é uma assassina prodígio e uma das melhores alunas Mestre Lin já treinou, a quem o diretor da escola confia incondicionalmente.

Já Maria é uma personagem com tempo de tela considerável reservado a sua história pessoal. Isso, aliado a performance impecável e cheia de nuances da atriz María Gabriela de Faría, transformam a trama em algo instigante de ver, ao mesmo tempo que doloroso e sofrido devido a todos os percalços pela qual ela precisa passar. Ao conhecer seu passado marcado por sangue e tragédias e como sua vida se ligou à família de Chico, sendo usada e abusada e uma refém travestida de segunda filha, não é difícil entender a origem da insegurança, paranoia e desequilíbrio de Maria. Adicione a isso uma doença mental que não é tratada adequadamente; negligência por parte dos amigos — exceto por Saya –; uma tendência a codependência que a faz alvo fácil de relacionamentos abusivos — tudo isso faz com que Maria se torne alguém que só queremos abraçar e de quem nem podemos ficar com raiva por conta de suas ações inconsequentes.

Vale dizer que apesar de não ser tão gritante e não definir de forma total a personagem, a construção de Maria também acaba deslizando em um estereótipo muito comum para latinas, o da latina quente (hot latina, em inglês), o que acaba por empobrecer de certa forma sua construção.

Além de Saya e Maria, Petra (Taylor Hickson), a integrante feminina dos Ratos, é quem recebe certo destaque em alguns episódios, apesar de sua história não girar muito além da disputa para ser interesse amoroso de Billy ou Lex (Jack Gillett) — o que configura uma ótima oportunidade perdida pela série de abordar o poliamor, diga-se de passagem — e de sua humilhação pública ao ser convidada pelo popular Viktor (Sean Depner) para o baile da escola. Todos assistimos filmes de romance o suficiente para saber como isso acabará mal para ela. Todavia, o que marca a personagem é sua originalidade, praticidade e visão de mundo, mesmo que o clichê de meninas góticas escondidas atrás de toneladas de maquiagem não seja a construção mais acertada do mundo, Petra carrega o tropo de forma não prejudicial.

Em suma, apesar de alguns tropeços, no fim a experiência de assistir Deadly Class é majoritariamente positiva e irá agradar os fãs de quadrinhos, com sua estética colorida, fotografia bem pensada e referências assertivas. O maior tropeço reside no mau desenvolvimento dos relacionamentos femininos, enquanto o restante das interações são repletas de veracidade, originalidade e refletem de forma realista as consequências de se viver em um mundo cruel, despido de boas pessoas e no qual o inferno acumula boas intenções.

3 comentários

  1. Sério n sei pq essa série foi cancelada ela e muito boa ,muito mesmo tem muito potêncial, eu asisti em um dia só e tipo viciei desde o primeiro episódio e acho uma sacanagem eles pararem a série ainda mais depois do final da 1 tenporada , gostaria muito de ver uma segunda tenporada .

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