Categorias: MÚSICA

Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Música

A música é a companheira indispensável de muitas pessoas, presente nos momentos mais diversos. Durante o expediente do trabalho você pode colocar uma cantora pop nos fones de ouvido para te empolgar, escolher uma música épica para te incentivar durante o treino na academia ou simplesmente deixar tocar sua melodia favorita para fazer o astral do dia melhorar. Ao mesmo tempo, a música nos permite dar vazão aos nossos sentimentos, falar sobre aquilo que amamos ou que nos incomoda em nossa própria realidade a partir da vivência e da voz de outras pessoas. Ali, descobrimos como descrever sentimentos, dando voz a quem somos ou queremos ser. É uma identificação profunda e muito importante para todas nós. Aqui no Valkirias temos gostos musicais diversos e isso se refletirá na escolha de nossos melhores do ano na música. Selecionamos álbuns introspectivos, álbuns com mensagens políticas fortes, álbuns doces, álbuns para bater cabelo na balada — por aqui sentimentos são os únicos fatos, então vem dançar junto com a gente.

Anavitória, Anavitória

Por Thay

Após lançar um EP em 2015 com o apoio de Tiago Iorc, 2016 foi o ano em que o duo Anavitória — formado por Ana Caetano e Vitória Falcão — lançou seu primeiro álbum de estúdio. Naturais de Araguaína, município do Tocantins que tem pouco mais de 170 mil habitantes, as duas amigas sempre tiveram a música como uma constante na vida e demonstram em seus versos o quanto amam compor e cantar. Com influências que vão de de Alt-j, Digo Policiano, Fleetwood Mac a Novos Baianos e Mallu Magalhães, Anavitória busca nos pequenos momentos da rotina uma poesia que poucos conseguem ver. Com o trabalho etiquetado no mercado como pop rural, a dupla consegue ir muito além do rótulo que lhes foi imposto e transitar com tranquilidade por diferentes ritmos e gêneros por meio de seus versos doces e inspirados.

Anavitória trabalha com composições próprias e sentimentais, discorrendo sobre amores tranquilos e café da manhã. As duas cantando não soam como nenhuma outra cantora ou dupla, o que só evidencia a singularidade do trabalho que conduzem.

Para saber mais: Anavitória.

My Woman, Angel Olsen

Por Odhara Caroline

Depois de, nas palavras dela mesma, ter se tornado um imã pra esquisitos com o lançamento de Burn Your Fire for No Whitness, seu segundo álbum solo, lançado em 2014, Angel Olsen quis mostrar que também pode falar sobre coisas felizes — e pode fazer uma música que vai muito além do folkzinho-low-key-da-bad que a gente ouviu em seus trabalhos anteriores. My Woman, de 2016, tem synth-pop, tem rock, e o Pitchfork conseguiu enxergar até Caetano Veloso dos anos 60 na faixa “Never Be Mine” (!). O disco foi planejado como um LP das antigas, com lados A e lado B, complementares. No lado B a gente encontra um pouquinho da bad de sempre, mas no lado A, bom, a gente é um pouquinho mais feliz. Nem se for pra reclamar que o crush nunca vai ser nosso e fazer um apelo desesperado para que ele seja, como no primeiro single “Shut Up Kiss Me”, que também ganhou clipe.

Enquanto lia o que os críticos disseram do álbum, encontrei uma reflexão sobre o título, vinda do The Guardian: “Muitas das músicas falam sobre ‘a bagunça que é ser uma mulher’, incluindo o dilema de amar um homem não reconstruído. O título é deliberadamente ambíguo: ele é possessivo, degradante ou uma referência em ela ser a sua própria pessoa?”. Eu aposto na última opção. Em My Woman, Angel Olsen escreveu tirando inspiração da vida real pela primeira vez. E o que você diria sobre uma mulher que tem a segurança de falar que nessa noite ela não vai desistir, além de que ela, definitivamente, pertence a si mesma?

The Feminine: Act I, Anna Wise

Por Odhara Caroline

Anna Wise apareceu pro mundo da música graças as suas parcerias com o Kendrick Lamar no aclamadíssimo To Pimp a Butterfly, do ano passado, e também no álbum mais recente do rapper, untitled unmastered, mas essa mocinha anda muito bem com as próprias pernas, obrigada. Isso aqui é só um EP, e, na minha busca de sempre pra ver o que os críticos acharam, posso dizer que fiquei bem puta — quer dizer, entre os grandes veículos, ela só aparece na lista de final de ano do Pitchfork. Ou seja, a partir de agora, a minha missão de vida é divulgar Anna Wise. Então, você aí: ouça The Feminine: Act I agora. Porque você vai amar.

Anna tem uma voz de seda, a música dela é cheia de sintetizadores, e as letras colocam o que é ser uma mulher in a nutshell, basicamente — uma das faixas foi batizada de “Decrease My Waist, Increase My Wage”, ou seja, Diminua Minha Cintura, Aumente Meu Salário. O EP já começa com os dois pés na porta: uma rápida faixa-introdutória, “The Feminine”, em que um homem professoral fala sobre o feminino. Em um mundo em que o que a gente mais tem é exatamente isso, homens falando sobre mulheres, sobre o poder do útero, a benção do amor materno ou sei lá o que, é revigorante quando uma mulher dá de ombros e fala: ok, agora vocês vão ouvir uma mulher falando sobre o que é ser mulher. E vocês não têm nem ideia de como é.

Dangerous Woman, Ariana Grande

Por Yuu

Você pode não ouvi-la, você pode não conhecê-la, mas certamente sabe quem ela é. Ariana Grande era um sucesso musical antes mesmo de entrar oficialmente na indústria da música. Isso porque pudemos ter uma amostra de seus talentos vocais enquanto ela ainda conduzia sua carreira de atriz. No seriado Victorious, do canal teen Nickelodeon, Ariana pôde dar aos fãs uma amostrinha do que era capaz de fazer com sua voz, afinal, o seriado consistia em adolescentes que frequentavam uma escola específica para artistas. Não foi uma grande surpresa quando seu álbum de estreia, Yours Truly, debutou em primeiro lugar em 2013. Eu mesma fiquei eufórica quando o álbum vazou (ops!) e o escutei em repeat por meses. Por isso, não consigo descrever a minha decepção quando My Everything, lançado no ano seguinte, não me causou o mesmo efeito, embora tivesse músicas viciantes como “Problem” e “Love Me Harder“. Não sei lidar muito bem com decepções, por isso quando Moonlight (o nome temporário de Dangerous Woman) foi anunciado optei por não criar expectativas — e que bom!

Descobrir com certa surpresa que Dangerous Woman é até agora o melhor álbum de Ariana Grande — na minha opinião, é claro — tornou a experiência de ouvi-lo ainda mais prazerosa. Na ocasião em que eu escrevi sobre ela, mencionei que ela se despiu da imagem de menina que trouxe consigo no início da carreira para abraçar sua fase adulta e dona de sua personalidade. Este é o primeiro álbum dela a receber um selo de advertência parental devido ao conteúdo explícito nas músicas, mas Ariana expressa sexualidade nas músicas sem vulgaridade, apenas com autoconfiança de sua imagem. Ouso dizer que esse é um dos motivos por que ela mantém um fandom firme e forte, que só cresce em números. Embora muitos ainda enxerguem a sombra da sua fase anterior no seu jeito, Ariana está tentando com muito esforço crescer, evoluir e fincar sua imagem nesse crescimento. A voz definitivamente não é um problema, já que o tom que ela alcança nunca foi coisa de criança, e o gênero escolhido para deixar sua marca também não, já que tanto o pop quanto o R&B têm suas divas inspiracionais maduras. Dangerous Woman acabou sendo, então, um marco na carreira musical de Ariana. Difícil escolher quais são os destaques do álbum, quando todas as faixas parecem merecer uma menção honrosa. Desde a romântica “Moonlight” até as ousadas “Into You” e “Side to Side“, com Nicki Minaj, passando pela sassy “Greedy, pela melancólica “Leave Me Lonely“, com participação de Macy Gray, e a minha favorita: “Bad Decisions” (Ain’t you ever seen a princess be a bad bitch?).

Para saber mais: Meiga, porém perigosa – A evolução de Ariana Grande.

All My Demons Greeting Me as a Friend, AURORA

Por Thay

Nascida em Stavanger, Noruega, Aurora Aksnes, ou simplesmente AURORA, lançou seu primeiro álbum de estúdio no início de março de 2016. Embora seu primeiro álbum completo tenha sido lançado apenas esse ano, Aurora já vem trabalhando em composições próprias desde 2012 quando, ainda com 16 anos, divulgou sua primeira música, “Puppet“. Influenciada por seus pais, Aurora se envolveu com música ainda muito novinha, começando a tocar piano aos seis anos e compondo suas primeiras canções, aos nove. Não é à toa que seu álbum de estreia tenha feito tanto sucesso no meio da crítica especializada: All My Demons Greeting Me as a Friend, que possui músicas autorais e covers de artistas famosos (tem “Half The World Away”, do Oasis, e “Nature Boy”, do Nat King Cole), soa como o trabalho de alguém muito maduro e certo do que está fazendo. A voz doce e as melodias inspiradas guiam o ouvinte por músicas inspiradas como “Runaway“, a primeira faixa do álbum, “Running With The Wolves“, “Winter Bird” e “Murder Song (5, 4, 3, 2, 1)“.

De acordo com a própria Aurora, muitas de suas composições são não sobre experiências que ela viveu, mas sobre coisas que ela observou e absorveu. Em All My Demons Greeting Me as a Friend, muitos versos são sobre se aceitar, mesmo com o lado obscuro que podemos ter. Em uma entrevista para um programa da rede norte-americana ABC, Aurora diz que “Você simplesmente tem que aceitar que seus demônios são uma parte de você. Você tem que aceitá-los como seus amigos. Você briga com seus amigos. Você fica chateado, você ainda os ama, você os faz chorar e eles fazem você chorar também”.

Lemonade, Beyoncé

Por Anna Vitória

Como nossa lista de melhores do ano é, antes de qualquer coisa, pessoal, decidimos não hierarquizar nossas escolhas e apresentá-las numa democrática ordem alfabética. No entanto, foi consenso entre nós que Lemonade é definitivamente o disco do ano. O álbum tem um apelo muito pessoal, mas Beyoncé parte de questões particulares para falar sobre a experiência de ser uma mulher negra na América, desvelando um novelo denso que revela que sim, o pessoal é muito político.

O disco, indissociável do filme lançado junto com ele, compondo um maravilhoso álbum visual, é pontuado por discursos que costuram uma narrativa que fala, principalmente, sobre traição amorosa, com Beyoncé se mostrando aberta com relação à sua vida privada como nunca antes ou, do contrário, enganando a nós todos se apropriando do seu status de ícone para refletir sobre as projeções e narrativas — nem sempre verdadeiras — que se constroem sobre ela e sua família. Ao mesmo tempo, Lemonade fala sobre uma outra espécie de traição, a de uma terra que a rejeita, o país que odeia e mata negros de forma deliberada e precisa ser constantemente lembrado que vidas negras são importantes. Beyoncé passeia por gêneros como jazz, country e rock, além do R&B e do hip hop a que estamos acostumados, para recordar as raízes que esses gêneros têm na tradição negra, dado constantemente esquecido. Se com seu álbum de 2013 a artista estava reclamando a liberdade sobre seu corpo e sua sexualidade, Lemonade é um manifesto político em que ela retoma espaços, narrativas e heranças, e o resultado é mesmo incisivo e nervoso, como deveria ser, pois nunca foi do feitio de Beyoncé pedir licença para entrar.

Para saber mais: Por que Lemonade é um álbum tão importante?

Beautiful Lies, Birdy

Por Thay

Menina Birdy — nome artístico da jovem Jasmine van den Bogaerde — entrou no meu radar quase que aleatoriamente, quando eu escutava uma playlist proveniente do Tumblr. A música em questão era “Terrible Love” e eu não poderia ter ficado mais encantada com a voz, letra e melodia do que estava ouvindo; me encontrei fã de Birdy antes de ouvir por completo um álbum sequer. Quando ela lançou Beautiful Lies, seu terceiro álbum de estúdio, eu sabia que amaria do começo ao fim — e não me enganei. Novamente com composições e arranjos feitos pela própria Birdy, Beautiful Lies mostra o amadurecimento da cantora em versos intensos e belos, em alcance vocal e sentimento.

O álbum tem início com uma de minhas músicas favoritas, “Growing Pains“, que, com um arranjo que lembra músicas orientais vem logo impactando com seus belos versos, tipo “You could lose yourself and search forever” [Você pode perder a si mesmo e ficar procurando para sempre] e “We’ve been changing into something more, familiar faces turning into storms” [Estamos nos transformando em outra coisa, rostos familiares se transformando em tempestade]. O álbum continua com belas músicas como “Wild Horses” — com direito a Birdy sereia em seu vídeo oficial — e ‘Save Yourself” e encerra maravilhosamente com “Deep End“. Na versão deluxe ainda podemos nos encantar com a versão acústica de “Wings“, presente em seu segundo álbum, Fire Within, de 2013. Birdy me encanta pela doçura de seus versos e vozeirão incrível, tudo aliado a sua habilidade ao piano e belas melodias.

Emotion: Side B, Carly Rae Jepsen

Por Ana Luíza

Após o sucesso de Emotion, Carly Rae Jepsen retorna em 2016 para lançar um extended play do seu terceiro álbum de estúdio, no qual compartilha músicas que não foram lançadas no ano passado.

Se os sentimentos são os únicos fatos em Emotion, é certo que seu lado B não poderia ser diferente. Aqui, Carly Rae nos leva novamente por uma viagem através de seus sentimentos mais íntimos e, nas oito faixas que compõe o álbum, compartilha experiências como se conversasse com uma amiga jogada no tapete da sala enquanto divide uma garrafa de vinho. Mais uma vez, ela reconhece, do alto dos seus 30 anos, que sua vida não é um conto de fadas, mas que nada disso a impede de jogar os braços para cima e dançar ao som de suas próprias mágoas. Carly continua divertida, positiva e alegre, e, num ano tão pesado em tantos sentidos, é um respiro muito bem-vindo podermos nos juntar a ela mais uma vez nessa jornada.

Para saber mais: Quando sentimentos são os únicos fatos.

7/27, Fifth Harmony

Por Yuu

7/27, segundo álbum de estúdio do Fifth Harmony, cujo título é uma homenagem à data de formação do grupo, foi um grande sucesso de vendas na ocasião do seu lançamento, ocorrido em 27 de maio deste ano: o álbum alcançou a 4ª posição no ranking da Billboard, nos Estados Unidos, e a 1ª posição nas tabelas oficiais do Brasil e da Espanha. Liderado pelo single “Work From Home” (não confundir com “Work” da Rihanna), seguido de “All In My Head” e “That’s My Girl”, Fifth Harmony continua demonstrando maturidade musical, embora tenha demonstrado pouca variação desde o álbum de estreia, Reflection.

Em 7/27, as meninas continuam exalando muita confiança e domínio sobre seus sentimentos em cada nota musical, sem perder o toque do romance, do flerte e principalmente da amizade feminina como temas recorrentes das suas músicas. Sabendo que o grupo partiu inicialmente do X Factor, em que alcançou o terceiro lugar após algumas ressalvas durante o programa a respeito da maturidade e técnica musicais, não podemos deixar de admirar a transição evolutiva do trabalho conjunto de Ally, Normani, Lauren, Dinah e Camila. Fifth Harmony, ao longo desses quatro anos de existência, se tornou sinônimo de boas vibes pela sensação de liberdade que suas músicas trazem quando são tocadas, tamanha a sinceridade sentimental de cada verso. Mesmo com o anúncio da saída de Camila no último dia 19, quem conhece o trabalho de Fifth Harmony tem confiança de que o trabalho do grupo continuará promissor. Juntas, e individualmente. Por mais triste que seja, we’re not gonna leave them now, oh, we know it’s gonna get better.

Para saber mais: Fifth Harmony: give it to them, they’re worth it.

Joanne, Lady Gaga

Por Clara Browne

Admito: a primeira vez que escutei “Perfect Illusion“, primeiro single de Joanne, achei sem graça. Foi só quando ouvi a análise do Switched by the Pop que meus olhos e ouvidos se abriram. Quando Joanne foi lançado, fui correndo ouvir tudinho. Depois que ouvi a primeira vez, coloquei uma segunda, terceira, quarta vez, não parei mais de escutar (e cantar, claro).

Por um lado, temos uma Lady Gaga nova, com uma faceta country e um chapéu cor-de-rosa que nos impactou muito mais do que qualquer vestido de carne por aí. Por outro, temos o que sempre tivemos: uma dualidade entre o lado bom e o lado ruim da fama — mas, dessa vez, com muito mais vulnerabilidade e amigas. Com uma onda “garotas de Girls Just Wanna Have Fun que trocaram a vodka pelo vinho Pinot Grigio agora que ficaram mais velhas”, Joanne é uma ode às amizades e aos sentimentos. Uma forma da Lady Gaga (e da Stefani Joanne Angelina Germanotta) dizer a si mesma e a nós que tudo bem baixar a guarda, tudo bem se permitir sentir as dores e as alegrias do mundo — especialmente se você divide isso com suas amigas. E isso é poderosíssimo. Em um ano com tantos absurdos arrebatadores como foi 2016, encontrar força nas pessoas que estão ao seu lado e em tudo aquilo que guardamos no peito é talvez a melhor forma de fechar o ano e respirar pro que os tempos nos prometem. Afinal de contas, nós podemos não ser flawless como Beyoncé, mas nossos corações são de diamantes.

Para saber mais: Lady Gaga de bota e chapéu cor-de-rosa.

Remonta (2016), Liniker e os Caramelows

Por Paula Maria

O Remonta é o melhor que vi da música no último ano. Mesmo. Já sofri e chorei com esse álbum e eu tô muito feliz com o seu lançamento, que se deu em 16 de setembro e foi todo financiado através de crowdfunding. O álbum, que tem doze faixas, é o primeiro CD do grupo Liniker e os Caramelows, que ficou conhecido no ano passado após o lançamento de Zero, primeiro single do EP Cru — trabalho que deu início à trajetória da banda. Eu, que já era fã desde o lançamento de Cru, me surpreendi muito com o amadurecimento que o grupo apresentou com Remonta. O CD é cheio de composições intensas, criadas pra que a gente ouça repetidas vezes sem nunca deixar de achar algo novo, e, assim como Cru, traz referências de soul e black music, misturadas a samba e outras nuances da nossa música popular.

Mas não é só pela qualidade musical que Remonta é considerado por mim o melhor álbum do ano. Liniker e os Caramelows são um manifesto político. A vocalista, Liniker, é uma pessoa não-binária, isto é, que não se identifica nem com o sexo masculino nem com o feminino, e sempre traz o debate de gênero para suas entrevistas e, consequentemente, aviva a questão no cenário musical e cultural do país. Além disso, a valorização da black music em suas músicas é uma maneira de ressuscitar essa tendência que, vez ou outra, desaparece no meio de tanta coisa produzida no Brasil. Nesse ano, infelizmente, a banda perdeu uma de suas integrantes. Bárbara era uma das vocalistas e morreu em 26 de junho, aos 21 anos, vítima de um câncer. Mas, daqui de baixo, eu tenho certeza que ela estaria bem orgulhosa do Remonta.

No Burden, Lucy Dacus

Por Odhara Caroline

Indie rock com uma pitadinha de autodepreciação, com uma mina foda tocando guitarra e cantando com uma voz profunda e cheia daquele sarcasmo que diz com todas as letras eu-tô-de-saco-cheio, como em “I Don’t Wanna Be Funny Anymore“, em que ela se cansa de ser a garota engraçada e quer partir pra outra. Mas não vai achando que tudo o que o No Burden, álbum de estreia da Lucy Dacus, pode te oferecer são citações que parecem vindas da Daria.

O disco tem um punhado daqueles versos que você fica querendo gravar na sua lápide: “Map On a Wall” eu tatuaria inteira, por exemplo, mas se for pra ficar com um trechinho só, dê uma olhada em Trust: “Se beleza for a única forma de fazer os pesadelos irem embora/ Eu plantaria um jardim no seu cérebro e deixaria as raízes absorverem toda a dor.” Quer alguma coisa pra ouvir em dias nublados, com sua jaqueta de couro e pose de Jess Mariano (eu ia falar Alex Turner, mas todos nós sabemos que ele só é um wannabe Jess Mariano)? No Burden. Vai na minha.

A Danada Sou Eu, Ludmilla

Por Anna Vitória

Depois de seu bem sucedido trabalho de estreia, Hoje, Ludmilla volta dois anos depois para reafirmar sua posição como uma das mais importantes vozes do funk mainstream brasileiro. Apesar das críticas que recebeu quanto às mudanças de visual e sonoridade para se tornar mais palatável ao grande público, quando deixou de ser MC Beyoncé para alçar voo com identidade própria, o que Ludmilla tem operado é um redirecionamento esperto demais sem abandonar suas marcas registradas: as letras bem humoradas e provocativas, o espírito festeiro e cheio de confiança, e aquele jeito maravilhoso de melhor amiga funkeira da humanidade.

Se em Hoje ela passeia pelo pop, em A Danada Sou Eu a cantora mostra que está atenta ao que acontece ao seu redor e traz uma sonoridade mais puxada para o hip hop e o R&B para seu trabalho, que tem até um pouco de sertanejo na mistura graças à parceria com Gusttavo Lima em “Homem é Homem”. Mesmo assim, o funk nunca sai de cena, e o que se tem é um apanhado de músicas prontas para virar hit e te manter rebolando o bumbum até o Brasil melhorar. Todo segundo álbum que sucede uma estreia gloriosa é uma espécie de prova de fogo de todo artista para mostrar que é mais do que sorte de principiante. Ludmilla foi aprovada com sucesso e reforça para todos o que ela realmente é: danadíssima.

ANTI, Rihanna

Por Anna Vitória

Quem passou dois anos esperando que o novo álbum de Rihanna fosse mais uma enorme sequência de hits perfeitos de pop farofa para dançar fazendo coreografia na balada certamente se frustrou ao ouvir o ANTI pela primeira vez. No entanto, quem abandonou o barco na primeira impressão e não deu ao ANTI o tempo e a atenção que ele demanda — e merece — certamente perdeu a chance de ver a cantora em seu melhor e mais maduro trabalho até agora.

Muitas das músicas falam de isolamento ou individualismo, como “Consideration“, que abre o álbum e traz Rihanna dizendo que gosta das coisas do seu jeito, e mesmo nas horas em que tudo que ela quer é quebrar essa distância, como nas crocantíssimas “Kiss It Better” e “Desperado“, o que prevalece é a forma como ela quer ser desejada, da qual não abre mão, o que resulta muitas vezes na solidão latente em quase todas as faixas. Mas isso não é algo necessariamente triste: sua voz marcante se sobressai em todas as músicas e ela aparece sozinha nos clipes porque aquele é o seu momento — como quando ela recusa o beijo e a declaração de Drake no VMA, ainda que eles estivessem juntos no momento, porque não era hora de romance, mas sim um tempo para ela brilhar, sozinha. E por trás das músicas de ANTI, com mais camadas do que as anteriores, por trás do mistério e da fumaça dos seus baseados, essa mulher brilha demais.

This Is Acting, Sia

Por Ana Luíza

Que Sia é um dos nomes mais importantes do cenário da música pop atual não é novidade pra ninguém. Com canções que falam sobre experiências muito pessoais e ao mesmo tempo renegando essa imagem como parte essencial de seu trabalho, Sia se firmou como uma referência e inspiração. Muito diferente dos seus trabalhos anteriores — em especial 1000 Forms Of Fear, carregado de sentimentos conflitantes e revelações muito íntimas sobre os problemas com álcool, drogas e doenças mentais — em This Is Acting conhecemos uma Sia mais positiva, que sobreviveu para contar sua história e agora dança ao som de sua própria música. Embora sua vida não esteja inteiramente no lugar, This Is Acting é a prova de que não é preciso ter the whole shit together para se reinventar e manter uma postura mais positiva diante da vida.

De todas as músicas presentes no álbum, “Cheap Thrills” é, muito provavelmente, a mais conhecida e já é suficiente para dar a verdadeira dimensão do que nos espera ao longo das outras 12 faixas que compõem o álbum — todas incrivelmente maravilhosas, a ponto de ser impossível escolher alguns destaques. Sia está mais forte do que nunca, e que preciosidade é ouvi-la cantar sobre suas próprias conquistas e superações.

Para saber mais: Todas as faces de Sia.

A Seat At The Table, Solange

Por Anna Vitória

É muito tentador comparar Lemonade com A Seat at the Table e nem é só porque os dois são álbuns lançados no mesmo ano por duas irmãs. Mais importante do que o enfoque no laço de sangue e na proximidade sonora, vale notar que são dois álbuns que tratam diretamente sobre a vivência de mulheres negras num ano em que esse tipo de afirmação foi tão necessária. Não vou cair no jogo fácil de apontar qual é melhor, mas sim reconhecer a maravilhosa complementariedade dos dois trabalhos — de novo, não é porque Beyoncé e Solange são irmãs, mas porque esse é um assunto que precisa de diversidade de perspectivas e que bom que elas existem.

O álbum fala de experiências pessoais com racismo e discriminação, como na incrível “Don’t Touch My Hair“, mas faz alusões históricas de toda a história dos negros na América, trazendo também a família da cantora pro jogo, com mensagens, músicas e referências que levam diretamente aos pais da cantora, Tina Lawson e Matthew Knowles. A mesa em que Solange se senta, para onde aponta o título do álbum, pode ser a mesa de sua própria casa, sendo esse lar uma experiência de negritude, herança e identidade, uma mistura rica de referências, memórias e sons que transformam o álbum num documento rico e carregado de história, importante como objeto de pertencimento, celebração e também de aprendizagem.