Categorias: CINEMA

Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Cinema

Um dos primeiros textos que publicamos aqui no Valkirias falava sobre a adaptação cinematográfica de Livre, livro de memórias de Cheryl Strayed sobre sua jornada na Pacific Crest Trail, uma aventura que ela viveu, sobretudo, para se reencontrar no mundo depois da morte repentina de sua mãe. O roteiro foi adaptado por Nick Hornby e o filme teve Jean-Marc Vallé na direção. Apesar de uma ou outra ressalva, o filme funciona e a adaptação é honesta, no entanto, a pergunta que me fiz enquanto assistia, que me fiz no texto e que faço novamente agora é: onde estão as mulheres por trás das câmeras?

Não é que elas não existam, mas no cinema mainstream — por questões práticas e editoriais, o maior foco do nosso site — ainda é raro encontrar mulheres dirigindo, escrevendo e produzindo filmes. Basta ver que na história de 88 anos do Oscar, que querendo ou não ainda é o prêmio de maior visibilidade da indústria cinematográfica, apenas quatro mulheres foram indicadas ao Oscar de Melhor Direção e apenas uma foi premiada, Kathryn Bigelow. Lutando por uma melhor representação de personagens femininas no cinema, Reese Whiterspoon, que protagonizou (e produziu) Livre abriu sua própria produtora focada em filmes com histórias de mulheres, mas os grandes títulos da Pacific Standard Film até agora — Livre e Garota Exemplar — tiveram em sua equipe técnica apenas homens.

Ter mulheres ocupando cargos de diretoras, roteiristas e produtoras abre espaço para diferentes pontos de vista, modos de fazer e perspectivas de se contar uma história. São vivências diversas que mudam completamente a forma de se contar essa história. Quando uma indústria é comandada por homens (e aí nem preciso dizer que a maioria desses homens é branco-cis-hétero) e seus produtos são idealizados e realizados por homens, estamos levando em conta apenas os pontos de vista, modos de fazer e perspectivas dos homens na hora de contar uma história. Suas vivências podem, sim, ter algo a acrescentar, mas também deixam muito a desejar.

Nossa lista de vencedores do Troféu Valkirias na categoria cinema está cheia de filmes com protagonistas femininas interessantes e complexas, com histórias importantes tanto para as mulheres como para o contexto histórico que estamos vivendo. Não queremos dizer que homens não são capazes de contar bem uma história feminina, mas sentimos falta dessa representação também por trás das câmeras e vemos aí uma oportunidade não apenas de questionar, mas de forçamos o nosso olhar para produções femininas. Em 2017, vamos assistir mais mulheres?

A Bruxa, Robert Eggers

Por Anna Vitória

Sou fã de filmes de terror e posso dizer com tranquilidade que A Bruxa é o filme que eu espero ver sempre que assisto a um novo filme de terror — sonho macabro que esse ano finalmente se tornou realidade pelas mãos de Robert Eggers, que além de dirigir o filme, assina o roteiro. O filme costura de forma interessante duas ideias diferentes e complementares a respeito da figura da bruxa: a primeira, das fábulas e do folclore, traz o sobrenatural para a história e é responsável pela maioria dos sustos presentes no filme; já a segunda é alegórica, sendo a bruxa um símbolo de tudo aquilo que parece mais ameaçador na figura da mulher, a começar por sua existência. Thomasin (Anya Taylor-Joy) carrega as duas consigo.

Thomasin e sua família vivem isolados próximos de uma floresta na Nova Inglaterra, depois de serem expulsos da comunidade onde moravam. Estamos nos Estados Unidos do século XV, e é num núcleo familiar extremamente religioso que coisas estranhas começam a acontecer, todas elas apontando como culpada, acusada de bruxaria, a menina Thomasin, então uma garota adolescente, que parece estar sempre no lugar errado, na hora errada e no corpo errado. A Bruxa traz uma proposta de terror diferenciada e foi chamado por muitos de terror-arte, principalmente por causa do apuro estético e das constantes referências que Eggers faz ao cineasta russo Andrei Tarkovski, de quem é discípulo. Para mim, classificá-lo dessa forma é dizer que histórias de terror não podem ser carregadas de profundidade e nuances, e A Bruxa chega para mostrar o contrário. Para escrever o roteiro, o cineasta se baseou em vários documentos da época que relatavam episódios envolvendo bruxas, muitos dos quais serviram de prova para que mulheres fossem queimadas vivas, acusadas de bruxaria, nos famosos julgamentos de Salém. O filme reproduz diálogos e preserva até o dialeto falado na época, e pensar nisso faz com que A Bruxa pareça bem real e assustador, e a culpa não é dos seus elementos sobrenaturais, ainda que eles funcionem muito bem e garantam alguns arrepios. Não sei deixe enganar: o verdadeiro horror é ser uma garota adolescente na Nova Inglaterra do século XV.

A Chegada, Denis Villeneuve

Por Ana Luíza

Baseado no conto “História da Minha Vida”, de Ted Chiang, e publicado no Brasil na coletânea História da Minha Vida e Outros Contos, A Chegada é, em sua essência mais básica, um filme de ficção científica, mas, mais do que isso, é um filme de ficção científica que se pauta muito mais pela reflexão do que necessariamente pela ação; que contempla uma possível ameaça não pela violência física, mas pela linguagem e os caminhos aos quais ela pode nos conduzir.

Dra. Louise Banks (Amy Adams), renomada professora de linguística convocada pelo governo estadunidense para auxiliar nos esforços de contatar os alienígenas e descobrir suas intenções ao pousarem na Terra. Por muito tempo, Louise tenta e tenta e tenta desvendar qualquer mensagem, fazer qualquer contato com

 

A Chegada é um filme que te faz mergulhar em seu próprio passado para compreender melhor o presente, capaz de transmitir lições importantíssimas sobre a vida, relacionamentos e sentimentos – esses, que sempre foram e sempre continuarão sendo os únicos fatos.

A Garota no Trem, Tate Taylor

Por Analu Bussular

Esse filme é uma excelente adaptação do livro homônimo, escrito por uma mulher, Paula Hawkins, que mostra, através da história o quanto é importante que mulheres se compreendam, parem de se ver como rivais e se unam para serem mais fortes.

No entanto, o meu elogio é ao filme mesmo, porque foi com ele, e não com o livro, que tive todo esse insight. O livro é uma mistura de terror psicológico com suspense, mas a adaptação cinematográfica é mais do que isso. Seus minutos finais mostram que às vezes tudo é sobre encontrar o a força que existe dentro de você e das mulheres que estão à sua volta, e que vocês são capazes de muitas coisas juntas, inclusive de se proteger — principalmente quando um inimigo é um homem.

Para saber mais: A Garota no Trem

Animais Fantásticos e Onde Habitam, David Yates

Por Anna Vitória

A ideia de um novo filme do universo Harry Potter pode ser interpretada de formas distintas: de um lado, parece simples e até oportunista apostar novamente em uma saga que foi fenômeno literário e cinematográfico e construiu uma comunidade enorme e apaixonada de fãs no mundo inteiro; por outro lado, é de se admirar a coragem dos envolvidos em investir numa nova franquia e testar se os elementos que fizeram Harry Potter funcionar tão bem ainda encontram espaço no mundo oito anos depois — um salto enorme, considerando a velocidade das mudanças e a dimensão dos acontecimentos que o mundo viveu nesse meio tempo, um risco a se correr com os fãs já antigos, que cresceram, e também com os novos, a serem conquistados, filhos de uma geração diferente.

Com roteiro assinado por J. K. Rowling e David Yates na direção, Animais Fantásticos… não apenas dá conta do recado, como surpreende. Dissociado da história de Harry, Rony e Hermione, o filme se passa na década de 1920, 70 anos antes da saga original, e tem como foco a figura adorável de Newt Scamander (Eddie Redmayne), um magizoologista que viria a ser o autor de Animais Fantásticos e Onde Habitam, manual para o trato de criaturas mágicas. Sua missão no filme é recuperar os animais que moram em sua maleta, que se perdem em Nova York e acabam sendo usados como bode expiatório num conflito maior, que diz respeito ao acordo de sigilo que mantém os bruxos na clandestinidade. Essa trama política e a rivalidade entre bruxos e trouxas — que nos Estados Unidos são chamados de no-majs — conversam diretamente com questões de identidade, liberdade e poder, palavras que foram tônicas dos ano de 2016 e se tornaram ainda mais importantes com a eleição de Donald Trump.

O filme mais maduro e até mesmo sombrio do universo Harry Potter até agora é também, paradoxalmente, o mais delicado deles. Ter Newt Scamander, um lufano, como herói e protagonista traz a gentileza e a empatia radical como elementos essenciais na resolução dos conflitos, em que é necessário recuperar o que existe de luz, coração e humanidade em meio às trevas. A mensagem é clara: é só assim que se chega à libertação, quando se busca entender o outro para construir pontes, não muros.

Para saber mais: Animais Fantásticos e Onde Habitam

Aquarius, Kléber Mendonça Filho

Por Paloma

Não tem como falar de cinema em 2016 sem falar de Aquarius, esse filme brasileiro que foi tão aclamado e ao mesmo tempo gerou tanta polêmica. E não podia ser por menos: além de um filme belo, bem produzido, cheio de atuações ótimas e com uma trilha sonora incrível, ele toca em diversas feridas políticas e sociais do nosso país. Não é à toa que ele foi muito aclamado no exterior e muito criticado aqui dentro.

Aquarius conta a história de Clara (Sonia Braga) que, aos 65 anos, mora sozinha no mesmo prédio de frente para o mar de Recife em que criou sua família. Agora, uma construtora quer comprar o apartamento para destruir o prédio e construir no lugar um condomínio de luxo. Determinada a não vender sua casa, Clara precisa resistir a todos os esforços — morais e imorais — dos responsáveis pelo projeto de fazer com que ela se mude do local. O filme retrata e equilibra muito bem suas duas premissas: de um lado, a trajetória de Clara enquanto mulher, e de outro a questão política e social do poder das construtoras e de como o capital acredita que pode controlar o que quiser.

Para saber mais: Aquarius, um filme sobre uma mulher

Brooklyn, John Crowley

Por Fernanda

Tecnicamente um filme do ano passado, Brooklyn acabou chegando nos cinemas brasileiros esse ano por causa de sua boa performance nas indicações do Oscar e das premiações em geral. Dentre todos, talvez não fosse o melhor e, dentre todos, talvez fosse o menos inventivo e o mais… comum. Só que aquilo que o filme se propõe a fazer ele faz bem demais. Me incomodaram muito os comentários sobre como essa história era só um triângulo amoroso com cara de novela das seis, porque, embora superficialmente pareça a história de uma mulher entre dois amores, ela é muito mais — e não é nem difícil perceber isso.

Narrando a história de uma jovem irlandesa, Eilis (interpretada pela incrível Saoirse Ronan), que se vê quase obrigada a deixar seu país em direção a Nova York em busca de uma oportunidade de uma vida melhor, Brooklyn é um filme sobre deixar o conforto de tudo aquilo que conhecemos para fazer a própria vida. Só que, no caso de Eilis, isso precisa acontecer sem que ela possa ver ou falar com a família, o que a deixa abatida e apática. Muito mais que pontas de um triângulo amoroso, Tony (Emory Cohen) e Jim (Domhnall Gleeson) — que, por sinal, só interessam ao filme no que diz respeito à própria Eilis — representam os caminhos que ela pode tomar: ficar onde cresceu e viver a vida à qual estava quase predestinada ou ficar no lugar onde ela criou para si um lar? Brooklyn não é sobre um triângulo amoroso. É uma história sobre construir a própria vida.

Para saber mais: Brooklyn para além do triângulo amoroso

O Lar das Crianças Peculiares, Tim Burton

Por Jé Mazzola

Inspirado no livro O Orfato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares, de Ransom Riggs, O Lar das Crianças Peculiares nos apresenta à Srta. Peregrine (Eva Green), que toma conta de crianças peculiares que se escondem dentro de uma fenda temporal controlada por ela, que também tem seus próprios poderes e peculiaridades, como o de ser uma ymbryne, pessoa que tem o poder de se transfigurar em ave. A personagem demonstra muito amor pelos seus órfãos e também tem muito cuidado para que eles sigam seguros e escondidos do resto do mundo. Na adaptação, no entanto, a Srta. Peregrine poderia ter tido mais tempo de tela, e o fato de  apenas as mulheres terem acesso ao relógio que controla o tempo, que pode voltar ou avançar, poderia ter sido o ponto mais forte do filme.

No livro, a Srta. Peregrine segue uma luta mais densa e profunda contra os etéreos, que estão atrás de suas crianças, enquanto o filme retrata apenas fragmentos dessas emoções são retratados. Ainda assim, o filme demonstra seu cuidado com as crianças, e o que é capaz para protegê-las. É uma adaptação diferente, que mostra que uma mesma história pode funcionar de maneiras distintas em formatos diferentes.

Para saber mais: O Lar das Crianças Peculiares

Rogue One – Uma História Star Wars, Gareth Edwards

Por Ana Luíza

Não é preciso dizer que 2016 foi um ano difícil, pesado, estranho em muitos sentidos. Não é preciso dizer, também, que no âmbito político e social o mundo nunca esteve tão assustador. Foram inúmeras batalhas perdidas, vários retrocessos, e a potencialização de discursos de ódio é algo que me faz verdadeiramente temer pelo nosso futuro. Talvez por isso Rogue One seja um dos lançamentos mais importantes do ano, o filme que precisávamos para lembrar de algo que, em tempos tão sombrios como o que vivemos, às vezes parece muito fácil esquecer: a esperança.

Radicalmente diferente de outros filmes da franquia, Rogue One – Uma História Star Wars conta a história de Jyn Erso (Felicity Jones), uma mulher que desde muito cedo precisou aprender a enfrentar as consequências de se viver sob as amarras de um governo opressor, mas que só após encontrar uma motivação pessoal para agir é que se coloca de frente para o inimigo e assume para si mesma que ficar parada e assistir a revolução acontecer de braços cruzados não ajuda ninguém além daqueles que ela mais odeia. Assistir ao filme é ter contato direto com uma analogia que conversa diretamente com aquilo que nos é muito real, que é triste, sombrio e pesado em muito sentidos, mas que não deixa de motivar a esperança de um movimento inteiro. Se juntos somos mais fortes e se a esperança é a base de uma rebelião, Rogue One é exatamente o filme que nós precisamos nesse momento.

Para saber mais: Rogue One – Uma História Star Wars

Tallulah, Sian Heder

Por Thay

Tallulah é um filmes sobre mulheres, e mulheres completamente diferentes entre si. Na figura de Tallulah (Ellen Page), por exemplo, temos uma jovem que vive de maneira nômade em seu furgão e resolve ir até Nova York atrás de seu namorado, que a deixou, mas acaba na porta da casa da mãe dele, Margaret “Margo” Mooney (Allison Janney). A princípio, Margo não acredita que Tallulah é namorada de Nico (Evan Jonigkeit) e a coloca para fora, fazendo com que ela perambule sem rumo pela cidade até acabar no quarto de hotel de Carolyn Ford (Tammy Blanchard). Confundindo Tallulah com uma camareira do hotel, Carolyn faz a moça ficar no quarto para cuidar de sua filha, a bebê Madison, e sai para um encontro. Assim as vidas dessas três mulheres se cruzam e o resultado é um filme tocante e emocionante.

As três possuem uma bagagem de conflitos não resolvidos e a tendência de fugir deles, colocando-se em situações difíceis e metendo os pés pelas mãos enquanto tentam escapar desses problemas. Tudo isso transforma Tallulah, Margo e Caroly em mulheres reais e muito próximas da realidade, passíveis de identificação. Sem grandes viradas do roteiro ou trama acelerada, Tallulah marca por ser um filme intimista e essencialmente sobre mulheres, seus medos, dramas e sentimentos.

Para saber mais: Tallulah

Sister Cities, Sean Hanish

Por Sofia

Austin (Jess Weixler), Baltimore (Troian Bellisario), Carolina (Stana Katic) e Dallas (Michelle Tratchtenberg) são irmãs: elas cresceram juntas, foram criadas juntas, moraram na mesma casa, na mesma cidade, com a mesma mãe. Em Sister Cities, as quatro, adultas, são inteiramente diferentes — a artista deprimida Austin, a jovem livre Baltimore, a profissional responsável Carolina, a esnobe e rígida Dallas, todas unidas naquela mesma casa, naquela mesma cidade, juntas, por conta da morte daquela mesma mãe.

O filme, baseado na peça de mesmo nome de Colette Freedman, só sai da casa para mergulhar em memórias, e ao longo do dia que ele percorre na vida das personagens entendemos o que levou cada irmã ao seu próprio caminho. É uma narrativa sensível sobre perda, família e memória, uma história do que une e separa as irmãs e do que guardamos ou deixamos para trás quando nos afastamos da infância.

Zootopia, Byron Howard e Rich Moore

Por Fernanda

Confesso que não sou a maior fã de animações do mundo, mas a Disney acertou em cheio com Zootopia. Ao mesmo tempo que contém um enredo interessante para não afastar aquele que é o principal público de uma animação da Disney — as crianças —, o filme é um retrato muito bacana e didático da nossa sociedade, que serve tanto para os pequenos quanto para nós. Na metrópole de Zootopia, presa e predador vivem lado a lado pacificamente, numa linda utopia, mas rapidamente vamos percebendo que essa sociedade não está livre de preconceitos. Aliás, eles são muitos, e precisam só de um empurrãozinho para que a sociedade como um todo se volte contra os predadores de modo geral.

Ao mesmo tempo, a história é focada em Judy, uma coelha que quer ser policial, mas que nunca é levada a sério quando de fato chega ao que achava ser o emprego dos sonhos. Nesse sentido, certamente não é por acaso que Judy, que é discriminada e sempre protelada nas missões mais importantes, seja não só uma coelha — um animal adorável e muito pouco ameaçador —, mas também uma fêmea. Zootopia tem uma mensagem simples, mas importantíssima, e fico muito feliz de saber que ela esteja sendo passada tão bem (e num filme tão genuinamente divertido!) para as crianças mundo afora.