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Rogue One: Uma História Star Wars

Se Rogue One não fosse um filme político, ele não seria um filme da franquia Star Wars. A declaração do presidente da Disney de que o filme não possuía “sentenças políticas” após o anúncio de boicote proposto por apoiadores de Donald Trump não poderia vir em pior hora. A verdade é que, muito mais do que lutas espaciais, droids e sabres de luz, Star Wars sempre foi uma história sobre questões sociais e políticas. Em Rogue One: Uma História Star Wars, essa realidade mais uma vez se confirma.

Não é difícil imaginar o que fez de Rogue One alvo do discurso de ódio de Trump e seus seguidores. Sendo o cinema uma arma política por si só, não é surpresa que um filme que apresente um grupo bastante diverso de rebeldes contra um império opressor não passe despercebido pelo radar conservador. Em tempos tão instáveis e conturbados, Rogue One é exatamente o que precisamos para lembrar de algo que parecíamos ter esquecido há muito tempo: a esperança.

Atenção: este texto contém spoilers!

Dirigido por Gareth Edwards, Rogue One: Uma História Star Wars funciona, ao mesmo tempo, como prequela da trilogia iniciada em 1977, com Episódio IV: Uma Nova Esperança, e continuação do Episódio III: A Vingança dos Sith, lançado em 2005. O novo filme acompanha a trajetória de Jyn Erso (Felicity Jones), uma mulher que, ainda na infância, viu a mãe, Lyra (Valene Kane), ser assassinada e o pai, Galen (Mads Mikkelsen), ser levado pelas tropas do Império. O ataque acontece por ordens do diretor Krennic (Ben Mendelsohn), que via nos talentos de Galen como cientista uma oportunidade para construir o que, não muito mais mais tarde, se tornaria a arma mais poderosa do Império Galáctico: a Estrela da Morte.

Jyn escapa do ataque com vida e é criada até a adolescência pelo rebelde Saw Gerrera (Forest Whitaker), mas os traumas da infância a acompanham por toda a vida. Aos 16 anos, ela é deixada para trás por Saw, o que a obriga a lutar pela própria sobrevivência. Mais tarde, Jyn é presa por desacatar e lutar, e nesse momento é resgatada pela Aliança Rebelde, que deseja ter acesso aos planos do Império e impedir que Galen construa a Estrela da Morte. A garota, no entanto, não é uma rebelde e não tem a menor intenção de se aliar à causa. Diferente de outras personagens da franquia, Jyn não é uma revolucionária ou uma heroína tradicional, e suas motivações são, ao menos no início, puramente pessoas: é somente ao receber uma carta do pai, ainda mantido sob a rédea curta do Império Galáctico, trazida até ela por um jovem piloto desertor — Bodhi Rook, interpretado por Riz Ahmed — que ela se vê impelida a se juntar à causa rebelde.

A mensagem de Galen é recebida com desconfiança pela Aliança, mas é suficiente para fazer com que Jyn se alie ao grupo. Ainda não se trata de uma decisão altruísta, em muito porque, pra ela, Império e Aliança só lhe trouxeram dor, e não importa o quanto sua passividade tenha sido conivente com os opressores que destruíram sua família. Jyn deixa guerras e rebeliões para aqueles que se importam e não apenas existem naquele mundo. A partir do momento que se vê emocional e pessoalmente envolvida com o caso, no entanto, ela toma a frente no movimento, se permitindo lutar e conhecer verdadeiramente quem são as pessoas que lutam contra a hegemonia do Império, e que estarão ao seu lado daquele momento em diante.

O fato de ser uma protagonista relutante em ceder ao discurso revolucionário, fiel apenas a si mesma, revela muito do momento em que vivemos, e prova que mesmo os mais reticentes encontram razões para reconhecer e agir diante da opressão. Jyn, inicialmente uma peça pontual nos planos da Aliança, se torna a força motriz determinante para o desfecho de Uma Nova Esperança. Jyn acaba por conduzir um grupo de pessoas que, muito como ela, sofreram as consequências de viver sob um governo opressor.

Diferente de outras heroínas da franquia, Jyn é uma personagem ambígua e imperfeita, o que nem sempre a torna uma pessoa fácil com a qual se lidar, mas uma vez plantada a semente revolucionária, ela cria raízes profundas. É uma diferença crucial de Rogue One em comparação aos outros filmes da franquia e que não se manifesta apenas em Jyn. Embora seja possível verificar com clareza quem são os heróis e os vilões, nada na trama ocorre dentro do óbvio. Os personagens são formados por tons de cinza, muito mais do que preto ou branco, e demonstram que existe muito mais entre bem e mal do que sugeriria uma perspectiva maniqueísta.

Um bom exemplo é o capitão rebelde Cassian Andor (Diego Luna) (muito provavelmente o personagem com mais destaque depois da própria Jyn Erso) que sente-se sem saída no momento em que precisa tomar uma decisão puramente emocional. Em contato com a rebelião desde os seis anos, Cassian nunca aprendeu a ser piedoso — o que fica muito claro quando, em uma das primeiras cenas do filme, ele assassina um informante a sangue frio, indiferente à possibilidade de estar pondo fim a vida de um inocente. De forma parecida, Saw Guerrera é capaz de salvar e criar uma criança órfã, dando-lhe abrigo e ensinando a sobreviver num mundo hostil, mas, anos depois, não vê problema em torturar uma pessoa que se diz uma aliada, ao ponto desta perder a lucidez. São nuances que existem entre bem e mal e, mesmo de um mesmo lado da batalha, a forma de agir de um pode divergir inteiramente da de outro.

Mesmo a decisão de Jyn de encontrar o arquivo deixado pelo pai não é vista com bons olhos por todos o Conselho da Aliança Rebelde, que não entra em consenso sobre a melhor forma de agir sobre o caso. Jyn, portanto, toma a decisão baseada no desejo pessoal, mas é capaz de convencer outras pessoas de que o plano também é importante para seus objetivos. Ainda que pensem de forma diferente e, muitas vezes, sigam ideologias distintas, o movimento rebelde em si não é invalidado, mas, ao contrário, demonstra quão complexo e amplo é o debate revolucionário.

São facetas que não restringem ao movimento per se, ou à construção de personagens, mas também aos integrantes do elenco. Personagens centrais de diversas etnias lutam lado a lado e de igual para igual em busca de um objetivo comum. Chirrut Îmwe (Donnie Yen) é um monge guerreiro e cego, que consegue acabar com um exército de Stormtroopers sozinho quando Jyn e Cassian chegam a Jedha, e que mantém uma fé inabalável na Força; e Baze Malbus (Wen Jiang) é um rebelde que não deixa de lutar mesmo quando reconhece que a probalidade de retornar para casa são ínfimas. Junto a Jyn, Cassian e Bodhi, eles formam um grupo muito distinto, com pessoas que trazem questões individuais para uma luta comum, e conseguem construir relações verdadeiramente significativas. Mesmo as divergências não são um empecilho para que eles trabalhem juntos e, mais do que isso, se importem uns com os outros. Em uma luta que se constrói sobre a esperança de minorias, Rogue One é, em si mesmo, uma mensagem sobre a realidade que existe — e por existir — do outro lado.

Rogue One é um filme político, mas se engaja com algumas causas mais do que outras. Mulheres continuam em sua maioria ausentes, sendo Jyn a única com um papel realmente relevante. Embora existam outras, algumas mais relevantes do que outras — Mon Mothma (Genevieve O’Reilly), por exemplo —, muitas ainda são apenas rostos em uma multidão de homens e sequer recebem um nome. Mesmo Lyra, assassinada ainda no início do longe, não encontra tempo para se firmar como personagem, sobretudo como uma influência tão fundamental para Jyn. Há a sugestão de que parte da decisão de Galen em abandonar os privilégios para viver longe das amarras do Império ao lado da filha e da esposa partiu da própria Lyra, que nunca esteve confortável com aquela situação. Quanto de Lyra há em Jyn? E quanto Galen foi conivente com o regime antes de ser sequestrado? São perguntas que pendem sem respostas, ou que são respondidas apenas parcialmente.

Talvez por isso, Rogue One seja mais bem-sucedido quando olha para o presente, quando considera que revoluções, mudanças e histórias são feitas por pessoas comuns. Sabres de luz e poderes especiais podem ser de grande ajuda, mas, no fim do dia, é a capacidade de acreditar e ter esperança que realmente importam. Jyn Erso, Cassian Andor, Chirrut Îmwe, Baze Malbus e Bodhi Rook não terão o prestígio dos Skywalker; mais provavelmente, seus nomes se perderão na história, como muitos se perdem. Mas Rogue One é um lembrete de que revoluções não são feitas por pessoas sozinhas; elas são feitas por várias pessoas que se completam, que colocam sua fé em uma causa e que acreditam que podem vencer mesmo que isso signifique sacrificar a si mesmos. Em tempos sombrios como os que vivemos, Rogue One é o lembrete de que, enquanto existir esperança, sempre haverá uma chance.

Crítica escrita por Ana Luíza e Ana Vieira.

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