Categorias: MÚSICA

Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Música

2017 foi um ano de muitos e ótimos lançamentos na cenário musical. Se é que algum fio condutor comum pode ser encontrado entre esses trabalhos tão diversos, ou pelo menos na maior parte deles, é a ênfase corajosa nos sentimentos, se permitir ser vulnerável diante do olhar público. Em certo sentido pode não parecer tanta coisa, músicos escrevem sobre seus sentimentos e suas vidas pessoais desde que o mundo é mundo, mas em algum nível parece que esse ano isso foi feito de uma forma diferente. Como cantado pelo queridinho do público Harry Styles — que não está nessa lista exclusivamente feminina, mas também lançou este ano um álbum que se encaixa nesse mesmo padrão — em uma das músicas de seu novo álbum, “we are not who we used to be” [“nós não somos quem costumávamos ser”]. E de fato talvez não sejamos mesmo.

As eleitas para nossa lista de Melhores do Ano no quesito música se expuseram em muitos sentidos. Se permitiram sentir a vida como é normalmente, expuseram traumas, perderam e assumiram o controle de forma contraditória porém muito coerente, reconhecendo que realmente não temos controle sobre tudo, mas isso não quer dizer que não tenhamos controle sobre nada. A seleção abaixo é, ao nosso ver, a combinação perfeita entre a vulnerabilidade de pessoas humanas e a força de seres políticos, ambos partes integrantes de todas nós, e é o resultado de escolhas subjetivas mais do que da avaliação de quaisquer critérios técnicos e objetivos. Esperamos que vocês gostem.

After Laughter, Paramore

Por Ana Vieira

Quatro anos após o álbum homônimo Paramore, responsável por hits como “Still Into You” e “Ain’t It Fun” e por levar um Grammy Awards para a estante da banda, o grupo de Nashville retornou aos holofotes com uma nova formação, novas cores, batidas alegres e letras cruéis em seu quinto álbum, After Laughter. Entre a vibe nostálgica, inspirações dos anos 80 e o flerte com o indie pop, o Paramore saiu das sombras e dos períodos conturbados, deixou de lado o incessante maneirismo de estou-feliz-e-eventualmente-dando-indiretas e entrou em sua fase confessional, onde diz, de boca cheia e com todas as letras que “tá tudo uma merda, eu tô mal, tá tudo bem, as coisas vão melhorar”.

Foi entre reconciliações, processos judiciais e um divórcio — o de Hayley Williams com o cantor Chad Gilbert, vocalista do New Found Glory — que o After Laughter surgiu, e todo esse background permeia as canções do álbum. Em músicas como “Fake Happy” e “Forgiveness“, há tristeza e sinceridade. “Hard Times” e “Told You So” soam alegres e dançáveis, mas cantam sobre como o melhor já passou e como são tempos difíceis para viver. “Caught in the Middle” é sobre ser um jovem adulto em vias de crescer e “Idle Worship” sobre a idolatria direcionada a artistas — e como estes são apenas seres humanos. No geral, é um álbum muito coeso, rico e maduro. O Paramore mostrou que sabe muito bem quem é e tem plena consciência de sua jornada até aqui.

Para saber mais: Animado e cruel: After Laughter, Paramore; Hayley Williams: a ascensão ou queda do Paramore?

Bodak Yellow, Cardi B

Por Anna Vitória

Cardi B é dona da história de Cinderela que a mulher do novo milênio precisa: seu sucesso veio primeiro através do Instagram, onde virou celebridade graças a suas fotos e vídeos sexies, mas também ao seu humor e língua afiada, aliados a uma personalidade contagiante que nunca pede desculpas. Foi com o dinheiro da vida de webcelebridade que Cardi largou a carreira de stripper — caminho que ela precisou seguir para escapar de uma vida marcada por pobreza e violência doméstica — e foi estrelar o reality show Love & Hip Hop: New York. No programa ela chamou atenção pelos barracos que se envolveu, mas também por seu enorme potencial tanto para transformar bordões pessoais em memes instantâneos como para traduzir sua personalidade e eloquência em raps de qualidade.

Trilhando um caminho que começou a ser desbravado por Kim Kardashian, Cardi B subverteu estigmas que antes (e ainda hoje) eram utilizados para inferiorizar mulheres (ex-stripper, ex-webcelebridade, ex-estrela de reality show, todas as piores credenciais do mundo aos olhos conservadores) e os transformou em suas maiores forças. Em fevereiro, a artista assinou seu primeiro contrato com uma gravadora e foi por meio dela que lançou “Bodark Yellow”, rap que a levou ao primeiro lugar das paradas americanas — destronando Taylor Swift — como a primeira rapper solo em quase 20 anos a atingir o #1 da Billboard. A história de Cardi B é o sonho americano, mas protagonizado por uma mulher negra vítima de violência doméstica que usou tudo que poderia enfraquecê-la como superpoder, que ela joga na cara de quem ousar dizer que ela precisa se desculpar ou se envergonhar por ser quem é.

Check Mate, Anitta

Por Anna Vitória

Anitta não lançou nenhum álbum em 2017, mas não há dúvidas de que o ano foi dela. Em setembro, a artista anunciou o projeto Check Mate, que consistiria em uma música nova com clipe e participação especial todo mês, até o fim do ano. Esse empreendimento só mostra, mais uma vez, como Anitta é esperta — ela atua também como empresária e gerencia a própria carreira — e está ligada no mercado fonográfico. Seu objetivo é se lançar internacionalmente e solidificar sua presença no Brasil como cantora pop de apelo universal nos moldes de Ivete Sangalo e chegar no mercado gringo com a solidez de Shakira, que chegou pra ficar, mas com o poder incendiário de “Despacito”, que foi hit do ano mesmo sendo um reggeaton cantado em espanhol.

A estratégia escolhida foi mirar em diversos gêneros, com parcerias internacionais e músicas em inglês e espanhol, para tocar no rádio em todas as faixas de horário, e também ser notada pelo algoritmo do YouTube e aparecer como artista relacionada a outros nomes mais solidificados lá fora. Embora façam sentido mercadológico, algumas músicas, como a neo-bossa nova “Will I See You Again” ou a anticlimática “Is That For Me?”, não entregam todo o potencial de Anitta para fazer hits de arrastar a bunda no chão como o Brasil gosta, o golpe final do projeto veio com “Vai Malandra”, em que a cantora volta às suas raízes funkeiras e encerra o Check Mate em dezembro pronta pra hitar no carnaval. O rei está morto, agora resta empacotar o Brasil e entregar pra Anitta, porque temos uma rainha.

Ctrl, SZA

Por Tany

O álbum de estreia de Sza (se pronuncia Siza) saiu este ano, bem discretamente, apesar da artista já ser conhecida por participações especiais em músicas de cantores populares como RihannaKendrick LamarCtrl, que agora está concorrendo a quatro Grammy’s — inclusive de Best New Artist para mim foi o álbum do ano. Ele fala de sentimentos e, acima de tudo, de amor próprio. São músicas que tocam na alma cada vez que você escuta, mostrando a vulnerabilidade do que é estar apaixonada ao mesmo tempo em que precisa amar a si mesma — e como tais sentimentos nem sempre andam juntos.

É o medo de se entregar, de não ser suficiente, seja para alguém ou para você mesma, dentro de melodias que às vezes parecem animadas, mas, olhando com atenção, são pura sensibilidade. Sza fez um trabalho lindo sobre como se sentia em um período da sua vida sem imaginar que tantas pessoas iriam se identificar, mas este álbum combinou perfeitamente com o meu ano desde a primeira vez que o ouvi e não o largo desde então.

Cut to the Feeling, Carly Rae Jepsen

Por Yuu

Inicialmente parte da trilha sonora da animação A Bailarina (no original, Leap!), da qual Carly Rae Jepsen participou como dubladora, “Cut to the Feeling” foi relançada como single individual em maio deste ano, e incluída no relançamento japonês de seu último mini-álbum intitulado Emotion Side B.

Desde o estouro de “Call Me Maybe”, hit que a popularizou em meados de 2012, Carly vem solidificando sua carreira em duas principais características: sentimentos e energia. Enquanto ficamos na expectativa de seu próximo álbum, depois do sucesso (não devidamente reconhecido) de E•MO•TION, “Cut to the Feeling” supriu por si a sede de um lançamento, qualquer que fosse, pela cantora. O verso que abre a música — “I had a dream or was it real?” — resume sobre o que ela se trata: a sensação de viver um momento de torpor tão bom que não conseguimos distinguir se é real ou não. E no ápice do refrão — “I wanna cut to the clouds, break the ceiling” —, se já não estamos dançando pelo ambiente, ficamos, com certeza, com vontade de fazê-lo, porque a sensação de ouvir a música é isso: ter uma faísca acendendo o pavio de uma felicidade boba que te faz querer libertar sentimentos para todo sentimento do seu corpo, numa prazerosa — e muitas vezes necessária — explosão.

Para saber mais: Carly Rae Jepsen: quando os sentimentos são os únicos fatos

Dua Lipa, Dua Lipa

Por Thay

O primeiro álbum de Dua Lipa, jovem londrina de 22 anos, foi batizado com seu próprio nome. Lançado no mês de junho após o sucesso de seu primeiro EP, The Only EP, de janeiro, o álbum de inéditas rendeu vários hits que não saíram de nossas cabeças e listas do Spotify. Ainda que não tenha sido o primeiro single lançado pela cantora, “New Rules” se consagrou como a faixa de maior sucesso ao enumerar as regras para afastar aquele boy embuste da sua vida — a música, inclusive, foi eleita pela revista Time como a melhor do mundo no ano de 2017,  descrita como um hino sobre se preservar e contar com o poder de suas amigas para se curar.

Dua Lipa também foi indicada pela crítica especializada como uma das salvadoras do pop ao reunir em seu trabalho de estreia músicas dançantes com letras inspiradas, batida marcada e uma potencia vocal de arrebatar. Além de “New Rules”, as outras faixas de Dua Lipa são empolgantes na medida — em “Hotter Than Hell”, por exemplo, a cantora abraça sua bad girl e nos faz querer dançar como se não houvesse amanhã; “Blow Your Mind (Mwah)” é outra faixa empolgante e divertida para cantar com as amigas na balada. Mesmo em músicas mais dramáticas, como é o caso de “No Goodbyes” e “Lost In Your Light”, Dua Lipa impressiona com sua potência vocal, revelando, enquanto isso, uma versão até mesmo vulnerável e sentimental. Dona de uma voz rouca e marcada, Dua Lipa também é co-autora da maior parte das faixas de seu álbum, mostrando que sua versatilidade não termina nos vocais.

Esse Brilho é Meu, IZA

Por Paloma

IZA

Pode parecer algum exagero, mas a cantora IZA pode ser considerada uma representante muito fiel da nossa geração. Ainda que IZA cante não-profissionalmente desde muito nova, escolheu outra profissão para chamar de sua, abraçando seu talento e paixão pela música originalmente como hobbie, por meio de um canal no YouTube. No canal, a cantora publicava vídeos dela mesma interpretando músicas de cantoras consagradas, e usava seu trabalho para propagar o discurso do empoderamento feminista e negro. Apesar de publicar seus vídeos no YouTube desde 2014, foi só em 2016 que seu talento foi reconhecido pela indústria mainstream e IZA assinou um contrato com a gravadora Warner Music.

Seu primeiro álbum, Dona de Mim, vai ser lançado apenas em 2018, mas a cantora lançou esse ano alguns singles de músicas autorais de altíssima qualidade, merecendo um lugar na nossa lista de destaques e nos deixando muito ansiosas para conferir o que vem por aí.

Havana, Camila Cabello

Por Yuu

Quando Karla Camila Cabello Estrabao anunciou a saída do Fifth Harmony no final do ano passado, fãs, entusiastas e curiosos dividiram opiniões sobre o que aconteceria com sua carreira solo: seria um sucesso ou um fracasso total? Enquanto muitos harmonizers se ressentiram da escolha da menina, outros desejavam-lhe o melhor. Camila, era, afinal, uma cantora muito talentosa e dedicada à carreira e merecia colher os frutos. Então, aguardamos. Primeiro veio “Crying in the Club”, complementar à “I have questions”, e embora a primeira música tenha escalado a playlist de 50 músicas mais ouvidas no mundo no Spotify por bastante tempo, foi com o lançamento de “Havana” que fomos rendidos à carreira solo da Camila.

Homenageando a capital de seu país de origem, Camila canta em “Havana” sobre viver um amor na cidade, embalando os versos num ritmo característico que pode muito bem nos fazer fantasiar uma sequência para Dirty Dancing 2 ou outro romance latino — intenso, e por que não?, dramático. É dentro desse conceito, inclusive, que o clipe da música foi criado: fazendo referência aos romances de telenovela, “Havana” vira a história de uma mocinha que vive o amor pela ficção até que, sem querer, encontra um possível amor na vida real, daquele jeito desajeitado e fofo. É romântico, sexy, descontraído, sonhador: tudo o que Camila demonstrou ser, mas não só isso.

Masseduction, St. Vincent

Por Bárbara Reis

Com um som (e imagem) em mudança constante e cinco álbuns bem-sucedidos, Annie Clark trilha um lento caminho do indie ao mainstream desde 2008. Apesar de ter se tornado associada às maluquices de guitarra que é capaz de fazer — ela  é considerada uma das melhores guitarristas da atualidade — Masseduction nos deu uma St. Vincent minimalista e eletrônica, ainda que com algumas irrupções energéticas do instrumento de cordas. O caráter das músicas também passou quase que completamente ao terreno do pop: com produção de Jack Antonoff, as letras foram pensadas, nas palavras da dupla, para serem do tipo que as pessoas desejam tatuar em seu corpo. A sonoridade, que antes poderia ser considerada demasiado inacessível para o ouvido despreparado, se tornou mais palatável e conta com refrões mais simples, ainda que tenha retido parte da estranheza característica dos outros trabalhos da artista.

Explorando temas como solidão, poder e sexualidade de forma irreverente, Masseduction é capaz de retratar fantasias sexuais (“Savior”) e ímpetos autodestrutivos (“Smoking Section”) com a mesma precisão, transmitir dor amorosa nostálgica (“New York”) e desesperada (“Los Ageless”), e simplesmente nos colocar para dançar enquanto entoamos uma defesa sem remorso de nossas… preferências (“Masseduction”). O álbum é urbano e neurótico, retratando um período de sua vida que Annie definiu como caótico com maestria.

Melodrama, Lorde

Por Ana Luíza

Três anos após o lançamento de seu álbum de estreia, Pure Heroine, que apresentou a jovem Ella Yelich-O’Connor — então com 16 anos — ao mundo, Lorde retorna com Melodrama, um trabalho ao mesmo tempo próximo e distante do anterior. Em comum, ambos fornecem um olhar bastante íntimo sobre as experiências da cantora, mas se Pure Heroine tratava sobre a adolescente que observa tudo a uma distância mais ou menos segura, Melodrama a leva por uma montanha-russa de sentimentos; o jeito mais honesto que a cantora encontrou de condensar esse momento tão particular que é o início da vida adulta.

Conceitualmente ambientado em uma festa, o álbum utiliza diferentes circunstâncias presentes nesse cenário para construir narrativas que, de forma mais abrangente, também falam sobre vulnerabilidade, rompimentos, a perda de controle, desencantamento, drogas, álcool, paixões intensas e instantâneas, e solidão. Às vezes, tudo acontece de forma literal, sob luzes que brilham demais, mas nem sempre é a regra; em maior ou menor escala, todas experiências — que jamais acontecem de forma tranquila ou progressiva, mas são sempre intensas, rápidas e densas demais — se relacionam com nossa existência e como é, finalmente, viver uma vida que passamos tanto tempo romantizando em nossas mentes. Muito embora o sofrimento seja uma parte intrínseca da existência humana e sobretudo do processo de amadurecimento, a cantora não conclui o álbum de forma pessimista: “Perfect Places”, faixa que finaliza o álbum, reconhece justamente que a perfeição não existe, e com um sentimento agridoce, se liberta dela, nos convidando a fazer o mesmo. What the fuck are perfect places, anyway?

Para saber mais: Melodrama

Number 1 Angel + Boys, Charli XCX

Por Clara

O mundo sempre precisa de um Andy Warhol da música e Charli XCX nos fez o favor de tomar o título depois que Lady Gaga graciosamente largar mão ao produzir um álbum country. Esse ano, Charli lançou Number 1 Angel, com mais de suas músicas enérgicas e de uma finíssima ironia. Mas apesar de sua mixtape ser repleta de verdadeiros hinos, como “Emotional” e “3 AM”, foi com o singleBoys” que a cantora nos conquistou.

O clipe, dirigido pela própria Charli, é o resumo perfeito do famigerado female gaze. Colocando os mais diversos tipos de boys famosos agindo da maneira mais adorável e sexy ao fundo rosa, Charli faz qualquer pessoa se sentir feliz e em paz — mesmo quem não curte garotos tanto assim. Sua ironia e sinceridade são tão harmônicas que é impossível não ser tomada pelas boas vibes e pensar que, pelo menos por um segundinho, a gente pode relaxar, se divertir e admirar a beleza de meninos comendo cereal ou escovando os dentes.

Phases, Angel Olsen

Por Tati

Após o lançamento do álbum My Woman, em 2016, cujas músicas possuem um alto tom de vulnerabilidade em um ramo que costuma julgar letras escritas por mulheres, Angel Olsen se manteve em ascensão com o lançamento de Phases, coletânea com músicas que não foram escolhidas para seus trabalhos anteriores, e que, como sugere o título, vemos diferentes fases da cantora em âmbitos profissionais e pessoais: de um lado temos trabalhos gravados em estúdios caseiros, de outro temos faixas que envolveram produções semelhantes ao seu trabalho mais recente.

As letras, é claro, não fogem do propósito de realçar as diferenças com o passar dos anos. Em “Fly On Your Wall”, faixa composta para o projeto Out First 100 Days — que se refere aos 100 primeiros dias do mandato do presidente americano Donald Trump —, Olsen consegue transmitir por meio de um olhar nostálgico os medos de quem vive tempos instáveis, sem deixar de lado a esperança de que o amor pode trazer a todos um futuro melhor. Já em “Sweet Dreams”, faixa que divide o álbum, o ouvinte encontra uma linha sonora semelhante aos sucessos de “My Woman”, onde vemos o lado romântico de uma mulher que não esqueceu um amor antigo. Mesmo representando diferentes fases de suas composições e de seus sentimentos, “Phases” tem uma constante: Angel Olsen não tem medo de se mostrar a ninguém, e expõe em seu trabalho cada parte do que é ser mulher com toda a sua totalidade.

Pleasure, Feist

Por Anna Vitória

Pleasure foi provavelmente o álbum mais esquecido no grande churrasco que foi 2017. É compreensível: ele é o álbum mais rock’n’roll da carreira da canadense Leslie Feist, que estourou mundialmente com “1234” (que você com certeza viu o clipe, mesmo se não lembrar mais quem Feist é), mas tomou um rumo totalmente diferente — alguns diriam até na contramão — do que outras artistas solo seguiram na segunda década dos anos 2000. As músicas são longas e o álbum é para ser ouvido inteiro, de uma vez, com atenção — e quem tem tempo e paciência para isso na era dos singles? A única participação especial é Jarvis Cocker, do Pulp, uma escolha anticlimática (mas não menos acertada, vide “Century”) diante dos feats estelares que vimos ao longo do ano. O álbum é cheio de guitarras, mas a explosão é rompida por sussurros e notas dedilhadas com delicadeza. Dá pra entender porque ele passou batido para a maioria das pessoas, mas não dá pra aceitar.

Seis anos depois do seu último álbum, Feist chega com Pleasure para fazer, como a própria faixa-título afirma, o que lhe dá prazer. Ele não tem a urgência jovem e enérgica que marcou tanto a sonoridade de 2017 e seus grandes sucessos, mas não é um álbum morto ou menos visceral. “Any Party”, por exemplo, é facilmente a faixa mais romance de 2017. É um trabalho feito por uma artista que possui seguranças em suas incertezas, que se mostra vulnerável e encara de frente a própria solidão, mas aceita que não precisa fazer isso de forma dramática ou urgente para ser real. Se for real pra ela, e não há dúvidas de que seja, tudo bem. Aos 41 anos, a artista nos mostra que esses sentimentos não são fardo ou privilégio de se ter 20 e poucos anos, mas nos acompanham ao longo de toda a vida. O que muda é que com o tempo ficamos mais confortáveis em nossas carcaças de eterna frustração; se a vida é um jogo impossível de vencer, que pelo menos ele seja jogado da forma que nos dá mais prazer — ainda que seja um prazer quieto e particular, como a santa paz de um pão de alho no churrasco.

Rainbow, Kesha

Por Sofia

O retorno (o famoso comeback) de artistas pop é quase esperado: depois de uma crise pessoal ou profissional, a artista ressurge com a imagem transformada. Rainbow, álbum de 2017 da cantora e compositora Kesha, pode se encaixar nessa narrativa — no entanto, vai muito além dela. Após a batalha jurídica muito pública contra Dr. Luke — seu antigo produtor, que a abusou sexual, física e emocionalmente — e também uma passagem por um centro de tratamento psiquiátrico, Kesha lançou um álbum que mistura crueza e sinceridade emocional (como o espetacular singlePraying”), hinos de empoderamento (como a empolgante “Woman”) e faixas quase surrealistas (“Godzilla”), em um todo que é surpreendentemente coeso e representativo de uma mulher que passou por tudo o que ela viveu e sobreviveu para contar a história.

Reputation, Taylor Swift

Por Anna Vitória

Taylor Swift é uma das maiores artistas do momento, goste você ou não — isso importa tão pouco, aliás, que até mesmo o ódio direcionado a ela é um fenômeno cultural que fala sobre nosso momento de uma forma muito mais ampla, que transcende a própria artista. De forma análoga, reputation não é o melhor trabalho de sua carreira, e provavelmente não vai ser o disco favorito nem dos fãs mais devotos, mas é importante o suficiente para merecer seu lugar nessa lista porque é a coisa mais íntima que ela já fez e também porque é um percurso necessário para nos levar até a Nova Taylor, quem quer que ela seja.

Além disso, como disse Rob Sheffield, da Rolling Stone, reputation é um trabalho que mostra quem a artista é — não quem ela quer ser, não quem ela quer que os outros acreditem que ela é — quando para de se definir pelo olhar dos outros. Mesmo sendo conhecida pela honestidade visceral das suas letras, a insegurança de “Delicate” é inédita em seu catálogo, assim como o caráter low-profile de “New Year’s Day” e “Call It What You Want”. Só que Taylor Swift continua sendo Taylor Swift e ela só se revela dessa forma porque continua a brincar com as imagens que projetamos sobre ela, sendo ainda mais extra e um pastiche de si mesma — como em “I Did Something Bad” e “This Is Why We Can’t Have Nice Things” — do que em todas as outras suas outras músicas carregadas de referências a vestidos rodados e batom vermelho. reputation é estranho, coerente em sua incoerência, bagunçado e, por isso, super interessante.

Para saber mais: Reputation: Taylor Swift em curto circuito; Look What You Made Me Do: Taylor Swift contra o mundo

Something to Tell You, Haim

Por Thay

As irmãs Este, Alana e Danielle Haim não brincam em serviço, e o segundo álbum de inéditas da banda, Something To Tell You, está aí para provar. Lançado no mundo todo no início de julho, o álbum conta com onze músicas que sintetizam o que há de melhor na banda. Abrindo com a deliciosa Want You Back” — que rendeu um vídeo divertido e californiano na medida —, as irmãs produzem harmonia com versos e refrões recheados de dor e sentimentos, temas que permeiam todas as produções de Something To Tell You. Ainda que trate de temas doloridos como perda e corações partidos, o álbum não cansa quem o escuta, visto que as Haim conseguem mesclar suas letras intensas com arranjos dançantes e vocais inspirados. Se quiser algo diferente do habitual das irmãs, com uma pegada até mesmo country, tente “Little of Your Love”. Outra favorita é Night So Long” que fecha o álbum com poesia e introspecção.

Synthesis, Evanescence

Por Thay

Ainda que Synthesis seja, em boa parte, uma releitura de velhas conhecidas, o trabalho de Amy Lee e companhia na produção do álbum vale todo o esforço ao transformar músicas já incríveis em peças únicas. O quarto álbum de estúdio do Evanescence veio após um hiato de seis anos e contou com a parceria do maestro David Campbell na confecção dos novos arranjos que remodelaram as músicas, transformando-as em verdadeiras obras de arte ao serem tocadas por uma orquestra. Nas palavras da própria Amy Lee, a ideia do Synthesis é reunir tudo aquilo que marca o Evanescence enquanto banda, evidenciando tais características com o apoio de uma orquestra e da música eletrônica. Embora tal explicação possa soar estranha em um primeiro momento, o resultado de Synthesis não poderia ser mais incrível — Lacrymosa” ganha uma força toda particular com os novos arranjos enquanto a famosa Bring Me To Life” é remanejada e perde o rap do refrão, o que só a torna mais impactante. Imperfection” e “Hi-Lo” são as duas músicas inéditas do material e não devem em nada para as antigas composições — a última, inclusive, tem um dos melhores interlúdios de todo o álbum, com violino e piano inspiradores. Synthesis não soa como um álbum convencional, mas quase como uma trilha sonora.

The Architect, Paloma Faith

Por Thay

The Architect é o quarto álbum de estúdio de Paloma Faith, cantora, compositora e atriz inglesa. Em entrevista, Paloma disse que The Architect nasceu de um exercício de observação social, um método um pouco diferente do que ela costuma fazer em suas composições; dessa vez a cantora não queria falar apenas de si mesma e, olhando para o outro, encontrou o material que buscava para criar seu novo trabalho que, vale apontar, estreou em primeiro lugar nas paradas britânicas — a UK Charts — quando lançado em novembro desse ano, desbancando inclusive o aguardado segundo álbum de Sam Smith.

Para The Architect Paloma reuniu alguns colaboradores de peso para acompanhá-la em suas composições, entre eles Sia e John Legend — este, inclusive, divide os vocais com Paloma na belíssima I’ll Be Gentle”. Outra faixa de destaque no álbum é a política Guilty”, que Paloma escreveu tendo em vista o Brexit, ocasião em que o Reino Unido deixou a União Europeia. De acordo com a cantora, a ideia é colocar na balança o arrependimento que se pode sentir após tomar uma decisão equivocada o que, para ela, relaciona-se facilmente com o resultado da votação Brexit. Em outras canções, Paloma retoma os temas políticos embalando-as em versos intensos e melodias introspectivas, como em “Crybaby”. O primeiro single de The Architect foi exatamente Crybaby”, que iniciou em seu vídeo uma história sobre uma sociedade obscura que obriga crianças a esconderem seus sentimentos; a trama continua em Guilty” de uma maneira mais intensa, sem deixar o tom de crítica política de lado.

2 comentários

Fechado para novos comentários.