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Melodrama

Falar de Ella Marija Lani Yelich-O’Connor, garota neozelandesa de 20 anos mundialmente conhecida por Lorde, a millenial que deu certo, não é tarefa fácil. De garota suburbana à um dos grandes nomes da música internacional, Lorde estabeleceu seu estilo em meio ao mundo artístico. No auge dos seus quinze anos construiu um império peculiar, feito de diamantes, sucos de laranja e realeza, conquistando multidões com sua voz rouca, seu estilo diferente, e uma naturalidade que contava para nós, meros mortais, que ela era gente como a gente.

Não fosse nascida em 1996 e artista na segunda década do século XXI, Lorde poderia ser um hit dos anos noventa. Visualmente segura de si mesma, sempre foi mais sua do que dos holofotes, dando risada enquanto postava fotos reais de como era ruim ser adolescente. E lidar com acne. Em seu primeiro EP, The Love Club, e em seu primeiro álbum, Pure Heroine, Lorde cantou sobre adolescência, ser rainha, contar moedas para a festa — que pessoas de quinze anos festam —, e sobre uma glória visceral. Em meio a gigantes do mundo pop como Beyoncé, Katy Perry, Taylor Swift e Rihanna, a então novata chegou com sua vibe minimalista e levou para casa dois Grammys por sua música de estreia, “Royals”. Diferente de suas companheiras de gênero, o pop de Lorde soava mais mítico do que comercial, conceitual acima de qualquer coisa, e tão sincero quanto uma garota debutante e no auge da adolescência poderia ser. Na era Pure Heroine, tudo o que o sol tocava era dela, a rainha do seu próprio show, mais ou menos a mesma coisa que rolava com outra icônica adolescente e queen do entretenimento, Lorde foi sua própria Blair Waldorf (Leighton Meester), de Gossip Girl.

Fã de pop, desde muito cedo Lorde tentava decifrar a magia por trás das músicas de artistas como Nelly Furtado, Justin Timberlake e, mais tarde, Katy Perry e Kate Bush. Considera, até hoje, “Teenage Dream” tão preciosa como qualquer música de Fleetwood Mac, Neil Young ou David Bowie — este, inclusive, disse acreditar que Lorde é a voz da próxima geração. Com quatorze anos, já contabilizava mais de mil livros lidos. Peculiar, taciturna, diferente, ela reconhece de pronto seu privilégio e admite que sua relação com dinheiro é diferente, o que faz com que ela não produza para ganhar. Gente como a gente, em podcasts e entrevistas, confessa que a Síndrome do Impostor a acomete e não há ninguém no mundo capaz de bater a crítica que Ella faz de si mesma. Se sente testada em diversos meios e tem plena consciência de que ser mulher tem relação com isso. Quando se propõe a algo, se propõe a dar o melhor de si e entregar o melhor trabalho que poderia entregar. Mal pode esperar para saber o que estará fazendo com sessenta anos, e anseia pelo tipo de trabalho que será capaz de fazer aos quarenta. Pure Heroine foi recebido com louvor e contabilizou uma considerável legião de fãs para a cantora que tenta passar despercebida por corridas de trem em Nova York e evita paparazzis o máximo que pode.

Após uma espera que somou quatro anos, Melodrama, seu aguardado segundo álbum, foi lançado no dia 16 de junho, mostrando que cada minuto de espera foi compensado. Se antes o que se ouvia era o ápice de um bittersweet sixteen, com todo o glamour não-existente que existe nessa fase, Melodrama chega para mostrar que ser um jovem adulto festeiro de coração partido não é para qualquer um — mas somos todas nós. Em um álbum que conta um pouco mais sobre a pessoa Ella, e um pouco menos sobre a performer Lorde, Melodrama é um álbum conceito do melhor estilo: é a noite de uma festa, e tudo o que há de melhor e pior nesses momentos; a agitação para a chegada, os encontros desnecessários, a bebedeira, e, acima de tudo, a inegável realização de que estamos todos sozinhos e vamos morrer mesmo, porque está tudo errado e perfeição não existe. Ou algo assim. Uma festa sempre acaba.

Melodrama nasce de uma nova parceria, agora com Jack Antonoff, que possuía, em 2014, uma amiga em comum: Taylor Swift. O processo de criação do álbum foi dolorido, por tudo o que nele há implícito. Em confissão, Lorde explica que Melodrama soa mais como um álbum singular, de alguém que não está em um relacionamento e sente o sol bater no rosto, solitariamente, pela primeira vez; não se trata, em momento algum, de um álbum exclusivo sobre um término de namoro. Há uma desilusão amorosa que pinta o background das músicas, realmente, mas que não o define.

Em “Green Light”, o primeiro single de Melodrama, a cantora aparece de vestido rosa, dança em cima de um carro, e grita — não literalmente — que é uma jovem adulta que ama festas, batidas e música pop, ao mesmo tempo em que condena um mentiroso que prometeu que sempre estaria apaixonado e agora não está mais, tudo isso ao som de uma melodia pop diferente, que deixa óbvio se tratar de uma canção da Lorde. Há raiva, mas também há esperança, e não poderia ser uma opção melhor para ser a primeira canção do álbum a ser apresentada ao mundo. A inspiração para a música, sua sonoridade, com suas notas no piano, surgiu em um show de ninguém menos, ninguém mais de Florence + The Machine, contou Lorde em um podcast para Rookie Magazine. A música é seguida por “Sober“, um hino sobre se importar, mesmo enquanto “we pretend like we don’t care” [nós fingimos que não nos importamos]. A música mais longa para ser produzida e escrita, que nasceu em um estúdio pós-Coachella em Palm Springs, confirmando sua aura de party music, é para Lorde a música mais millenial do álbum, ao mesmo tempo em que melhor representa a essência de Melodrama. “Homemade Dynamite“, a faixa seguinte e a que encerra, de certa maneira, a tríade que dá início à história por trás do álbum, é uma canção sobre sentir-se bem. Com a parceria da cantora Tove Lo, Lorde canta sobre beber, amigos, dançar e seize the moment. Uma das mais dançáveis e divertidas músicas do álbum, “Homemade Dynamite” já é de muitos a favorita, e é muito mais sobre amizade do que qualquer outra relação.

Para realmente apreciar “The Louvre” e seu boom-boom-boom, é preciso ter, em algum momento da vida, se apaixonado. O feeling que Lorde tenta repassar na quarta canção do álbum é a sensação intensa de “minha cabeça virou cola, eu estou me apaixonando”. A música é seguida pelo segundo single do álbum, “Liability”, que muda o curso da festa. As batidas param para dar espaço para uma sonoridade leve, de piano e voz. O sentimento corriqueiro e comum de “eu não faço parte disso” está presente em sua letra. Para Lorde, “Liability” é sobre se sentir uma gigante em meio a pessoas que cansaram de você, e não a curtem tanto assim. É, também, um pouco sobre o que a exposição da fama pode fazer com uma relação. “Liability” retrata de maneira sensível o que é ser uma mulher difícil de amar. “Hard Feelings/Loveless” é uma dobradinha de quase seis minutos, talvez a mais dinâmica música do álbum, que expressa muito bem o que Melodrama tenta trazer ao mundo da música pop. A primeira parte, “Hard Feelings”, possui uma pegada anos oitenta. Sua transição para “Loveless” é inspirada em “Famous” do Kanye West. Se trata, nas palavras da cantora, sobre uma canção de término de namoro, e uma forma de transcender isso.

Festas em casas são reais e para os adeptos do estilo, assim como essa interlocutora que vos escreve, é inegável que o tempo passa muito rápido quando limpamos a bagunça de uma festa. “Sober II” é sobre limpar taças de champanhe. É um tipo de catarse, de sonoridade mística, angelical e diabólica: olhar para trás e pensar “porque eu fiz isso?” — e você, Lorde e eu sabemos muito bem o porquê nós fizemos. “Writer in the Dark” possui sensibilidade ímpar, coloca os vocais de Lorde em outro nível, e conta muito bem a história do que é ser uma pessoa que escreve — uma pessoa que escreve para sobreviver, que tem que escrever. Não é sobre ser uma jornalista ou sobre um boletim de ocorrência policial, Lorde conta para Henry Oliver, do Spinoff: é sobre escrever. Escrever sentimentos. É mais do que ser uma cantora, uma perfomer, uma produtora, é sobre ser filha de sua mãe e ser, acima e antes de tudo, uma pessoa que escreve. “Supercut” é a música mais próxima de “Green Light”, sonoramente falando, e conversa muito com “Ribs”, de Pure Heroine, sentimentalmente. Conta a história de uma jovem apaixonada, e então o declínio dessa paixão, e como o passado é realmente apenas uma história que a gente conta para nós mesmos. O álbum é encerrado com a dupla “Liability (reprise)” e “Perfect Places”. A primeira é sobre uma pessoa que sabe muito bem quem é e o que representa, e, então, não de um vácuo, mas de um processo de autoconhecimento, percebe que não sabe de nada. Quem sou eu? Quem somos nós? Quem é você? — o livro caricato da nossa geração. A última canção, “Perfect Places”, é também a terceira música lançada antes do lançamento do álbum. Não é mais uma música da festa tanto quanto representa a jornada por trás de Melodrama: ser um jovem livre, que está perdendo seus heróis, tentando achar lugares perfeitos, enquanto dança, bebe e, eventualmente, vomita.

Entre o auge e a ruína, Lorde conta para nós o que é ser uma garota de dezesseis, dezoito ou vinte anos que teve o coração partido, e como isso não é o fim do mundo, embora extremamente dolorido. Se você, assim como eu, já passou por essa fase, o álbum vai ser tão nostálgico quanto adequado. Melodrama não se trata de um álbum datado, assim como não foi Pure Heroine, que continua impecável e delicioso quatro anos depois. O que é datado são as fases da vida de Lorde, que cantava como adolescente e hoje canta como jovem adulta. A maturidade é visível, palpável e reconfortante, afinal ela passou o que nós, já não tão jovens adultos assim, também já passamos. Aquece o coração, o corpo e a alma. Dá vontade de dançar, de chorar e, por que não?, gritar. Tudo ao mesmo tempo. Isso é melodrama. E é arte.

Melodrama conquista, no dia de hoje, o terceiro lugar no metascore do Metacritic, e o primeiro lugar do userscore do mesmo site. Foi ao topo da Billboard. Entrou nas listagens de serviços de streaming, e já é um dos melhores álbuns do ano e talvez o melhor disco pop de 2017. Se em 2013 Lorde condensou em Pure Heroin a experiência de ser uma pessoa jovem, que tem o Tumblr como maior fonte de inspiração, em um álbum esplêndido, em 2017 Lorde sai para a festa, fica bêbada, e conta a experiência — muito mais como uma observadora do que como protagonista — em um álbum ainda melhor que seu antecessor. Melodrama é mais maduro, e para aqueles que já tiveram seus vinte anos, o álbum bate com a clareza de se tratar de uma fase da vida que já não é mais. Para os ávidos fãs e amantes que aguardaram ansiosamente por seu lançamento, Melodrama é, sim, tudo isso. Lorde did it again. Daqui cinco anos, quando ouvirmos Melodrama apreensivos pelo seu sucessor, perceberemos, com carinho, que se trata de mais um álbum atemporal da pessoa, que, assim como Bowie nos disse, é a voz da geração.

1 comentário

  1. Esse álbum tá muuuuuuuuito bom.
    Eu só curtia umas quatro ou cinco músicas dela, e esse álbum triplicou esse número.
    Bem vinda de volta. <3

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