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Killing Eve, terceira temporada: Villanelle, interrompida

Killing Eve foi uma das produções que ajudaram a colocar o nome de Phoebe Waller-Bridge no mapa. Antes de Fleabag se tornar um sucesso mundial na sua segunda temporada, ou até mesmo ela ser contratada para escrever o roteiro do novo filme do James Bond: Sem Tempo Para Morrer, ela atuou como showrunner e estabeleceu a dinâmica entre Eve (Sandra Oh) e a psicopata Villanelle (Jodie Comer). Mas uma coisa que o hit da BBC se propõe a fazer é mudar o comando da série ao produzir um novo ano. Na segunda temporada, por exemplo, quem desenvolveu a trama foi Emerald Fennell. E agora na terceira, Suzanne Heathcote é quem deu todas as ordens. Apesar de ser uma ótima forma de oferecer oportunidades únicas para mulheres escreverem e comandarem uma produção (uma que ainda por cima é aclamada, amada e cheia de visibilidade), essas mudanças bruscas fazem com que a obra sofra oscilações de ritmos que se tornam constantes. Uma das únicas coisas que permanecem estáveis na jornada é o fato de que Eve e Villanelle continuam voltando uma para a outra.

Se o segundo ano de Killing Eve foi uma tentativa quase frustrante de expandir o que o público conhece como a organização dos Twelve e suas motivações, a terceira foi muito focada em explorar a jornada de Eve, Villanelle e até mesmo Carolyn (Fiona Shaw), levando as três protagonistas a um ponto de ruptura ou reconciliação que parecia muito necessário. Isso não quer dizer que a série simplesmente abandonou de vez o plot noir que impulsiona a narrativa, apenas que ela inseriu elementos e figuras que servem mais para desenvolver as personagens do que a trama em si. Uma escolha que, ao longo dos episódios, se prova acertada — ainda que não seja executada de forma perfeita.

A série sempre foi sobre a obsessão de Eve por Villanelle e vice-versa. Mas fazer com elas fiquem nesse jogo de gato e rato para o resto da vida útil da obra parece ser anticlimático e, no final, uma decisão nada esperta quando se trata de construir uma história. A narrativa precisa oferecer espaços para que elas possam crescer, evoluir e dar os próximos passos, sejam lá quais forem. Mas esse parece ser um trabalho difícil de realizar quando existe tamanha química e história entre as duas protagonistas.

Não por acaso, Villanelle e Eve são o oposto em praticamente tudo. Eve é focada, resiliente e até o momento em que a produção começa, tinha sido blindada por uma bússola moral quase impecável. Já Villanelle é uma psicopata — e, portanto, desprovida de sentimentos básicos como empatia —, materialista e com sérios distúrbio de personalidade. Se as roupas de Eve são neutras e simples, as de Villanelle são brilhantes e estilosas. O pilar do relacionamento das duas é basicamente a obsessão que uma sente pela outra, e está mais do que na hora de elas saírem do status quo que foi estabelecido, dar novos nuances para essa dinâmica — seja lá qual for a sua essência — e para elas também. A terceira temporada parece ser muito sobre isso.

Atenção: este texto contém spoilers!

O terceiro ano de Killing Eve começa algum tempo depois do incidente entre as duas protagonistas, quando Eve ameaça abandonar Villanelle e ela atira na detetive, deixando-a para morrer. Eve, no entanto, não morreu e ao invés de continuar seu trabalho junto a Carolyn, arrumou um emprego em um restaurante chinês em Londres e mudou da casa que tinha com seu ex-marido, Niko (Owen McDonnell) — que inclusive está internado em uma clínica de reabilitação para tentar lidar com toda a loucura das duas —, para um apartamento pequeno e velho. Seu maior desejo durante o primeiro episódio é deixar a vida que estava levando para trás e arrumar um jeito de seguir em frente. As coisas mudam na sua cabeça quando Kenny (Sean Delaney) morre após cair de um prédio. Impulsionada a investigar quem (ou o que) causou a sua morte, ela não pensa duas vezes antes de voltar para seu antigo posto como detetive.

O que acontece com Kenny logo no primeiro episódio é chocante e triste — até porque ele representava um elo quase puro e incorruptível dentro da série. Mas segundo Heathcote, o acontecimento era realmente necessário para colocar Eve no caminho que ela precisava travar nessa temporada — e por isso deveria ser impactante. Apesar dela estar fisicamente distante de Villanelle agora, não existe outra coisa que parece tão importante para ela. Eve diz para si mesma que se preocupa com o marido, que quer uma vida normal outra vez, simplicidade. Mas mesmo assim, em toda oportunidade que ela vê, acaba sendo puxada de volta para a mesma rotina que foi estabelecida durante as primeiras temporadas. Na medida em que a investigação de Kenny avança, sua obsessão por Villanelle começa a ressurgir aos poucos e alguns episódios mais tarde, é só isso que ela consegue pensar outra vez.

Killing Eve

A atuação de Oh continua espetacular e quase magnética, como sempre. Quando está em ação como Eve e demonstra apenas uma fração da mente brilhante da personagem, é fácil entender porque Villanelle ficou completamente obcecada por ela. No começo da série, Eve era uma mulher com uma vida relativamente comum: um emprego, amigos, um marido que a amava. Mas essa rotina quase parada demais nunca foi o suficiente para ela e, ao adentrar cada vez mais no mundo do “crime”, foi desenvolvendo um gosto para o perigo. Cada interação sua com Villanelle acalentou uma parte do seu desejo por algo mais, e no processo ela descobriu sentimentos que nem sequer sabia que estavam lá, que apenas foram mascarados por um vazio, como se houvesse um buraco negro na sua existência.

Isso não quer dizer que ela tenha abraçado seus sentimentos em relação a Villanelle desde o começo. Como apontado anteriormente, ela tenta se convencer que sente falta da calma e da tranquilidade, mas se deixa ser puxada para o meio do caos na primeira oportunidade que encontra. É um ciclo perpetuado na série durante as três temporadas. Não é coincidência que, no final do segundo ano, quando Villanelle atira na protagonista e a deixa para morrer, o conflito vem porque Eve descobre que a psicopata incentivou seus instintos básicos, para que ela matasse (ainda que em legítima defesa). Villanelle permitiu (e encorajou) com que ela cruzasse a linha que ela evitou durante a vida inteira. E ao confrontar sua parceira sobre o que aconteceu, as duas acabam perdendo parte de si mesmas no processo. Esse momento é crucial para entender a jornada que elas percorrem nos episódios mais recentes da série, ambas tentando seguir em frente e falhando, ainda que de formas bem distintas.

É por causa desse aspecto que, quando Eve aparece presa naquela vida extremamente comum, tentando esquecer Villanelle e os eventos anteriores, a sensação que fica é que ela voltou à estaca zero. Mais uma vez ela está negando seus sentimentos, indo atrás de Niko (mesmo que ele mesmo não queira mais nada com ela) e entrando em uma negação profunda. A morte de Kenny é um estopim e mesmo que ela minta para si falando que precisa investigar o que aconteceu por ele (ou por Carolyn), fica claro que essa é só mais uma desculpa para adentrar o mundo que alegou deixar para trás, mais uma vez. Então vemos Eve tomar exatamente os mesmos passos dos anos anteriores. Ela investiga Villanelle, a trilha de assassinatos que deixa por onde passa, entra na mente da psicopata e procura desesperadamente uma forma de antecipar seus próximos passos, o que se passa em sua mente. Enquanto isso, quando a outra descobre que Eve sobreviveu, no final das contas, se coloca rapidamente no mesmo bom e velho jogo de gato e rato, atormentando sua “amada” com o propósito de, mais uma vez, trazê-la para o seu lado. Mas para Villanelle, algo muda de forma brusca nesta temporada.

Enquanto Eve parece quase presa em um looping temporal (acorda, procura Villanelle, fica obcecada com isso, dorme, come e tenta recuperar seu marido), a psicopata encontra na terceira temporada uma narrativa completamente diferente — e, de muitas formas, muito mais profunda. Logo no primeiro episódio, Villanelle está para se casar com uma mulher latina. “Estou muito mais feliz agora que minha ex está morta”, ela garante. Mas isso não é bem verdade. Uma pessoa que tem traços de psicopatia não possui sentimentos complexos como empatia, compaixão ou até mesmo amor. Como a narrativa pode, então, fazer com que ela demonstre seu incômodo em relação ao que aconteceu com Eve?

Killing Eve sempre pareceu mais confortável em explorar a brutalidade de Villanelle do que a constante ambiguidade de Eve. Afinal, é muito mais fácil mostrar algo que é simples e fácil de entender do que algo que está embutido nos sentimentos mais profundos da mente complicada do ser humano. Villanelle é violenta, materialista e uma psicopata. Fácil. Eve é uma pessoa aparentemente normal e moral, que se sente atraída por uma mulher que vai diretamente em contraponto a tudo que ela é. Difícil. Mas a terceira temporada apresenta uma reviravolta e tanto nesse aspecto. Interligado diretamente com essa narrativa, está Dasha (Dame Harriet Walter).

A primeira cena da terceira temporada faz uma breve visita ao passado, onde Dasha é apenas uma adolescente treinando para se tornar uma ginasta na Rússia e, quem sabe um dia, ir para as Olimpíadas, levar uma medalha para casa. Mas dominada por seus instintos assassinos, ela mata seu treinador e seu companheiro de treinamento. Isso acontece porque, naqueles poucos minutos que visitamos o passado da personagem, fica claro que ela sofreu um abuso terrível na mão daquelas pessoas. E que isso, mais sua personalidade “explosiva”, foi garantia para um desastre maior. É assim, então, que ela é convocada para trabalhar em prol dos Twelve. É ela que, um pouco mais tarde, descobrimos que foi responsável por treinar Villanelle e transformá-la na assassina que é quando a série começa.

Quando invade o casamento da psicopata, é com o objetivo de trazê-la a ativa de uma vez por todas. Mas por causa do que aconteceu com Eve, Villanelle não parece tão disposta a matar outra vez, e dá indícios de que precisa ir em outra direção. Dasha, por sua vez, a suborna com coisas materiais que ela sabe que a personagem aprecia: um apartamento em Barcelona, vestidos e conforto. E por um tempo isso parece funcionar, sendo que Villanelle volta para sua rotina como se nunca a tivesse deixado. O problema é que isso não parece suficiente e na medida em que os eventos vão se desenrolando na temporada, ela começa a pressionar Dasha para que os Twelve a deem uma promoção. Sem Eve, ela sente que já passou dessa fase e que precisa de mais.

Killing Eve

Ao mesmo tempo, ela começa também a querer entrar em contato com o seu passado, antes de se tornar Villanelle e ser apenas Oksana. Para explorar um pouco mais sobre quem ela era — e como ela se tornou a mulher que vemos na série —, o roteiro leva o telespectador para a cidade de Pinner, na mãe Rússia, seu país de origem. O capítulo cinco, intitulado de “Are You From Pinner?”, não só é o melhor episódio da terceira temporada, como também um dos melhores da obra no geral. É sobre enfrentar o passado e encontrar respostas definitivas para o futuro — tudo isso encapsulado em uma atuação magnífica de Jodie Comer.

Villanelle chega em Pinner disposta a encontrar sua mãe e seu irmão. Eles, no entanto, encontraram uma nova forma de viver, com uma nova família. Sua mãe casou com um homem que tinha um filho (e este, por sua vez, uma esposa), enquanto eles mesmo tiveram um segundo filho juntos. A vida deles naquela cidade esquecida pelo resto do mundo é simples e o oposto completo do luxo que a protagonista tem em Barcelona. Mas sua visita tem apenas um propósito: descobrir o quanto exatamente ainda lhe resta de Oksana, e como seus eventos na infância afetaram o seu futuro.

Villanelle me faz pensar muito em personagens que são “vilões” e tomam escolhas terríveis todos os dias, mas não conseguimos deixar de amar. Eu mesma estaria mentindo se dissesse que não sou completamente apegada a ela em certo nível. Mesmo que ela tenha uma personalidade completamente absurda e quase monstruosa, sou capaz de me pegar sentindo pela mesma (ainda que não ache suas decisões legais e seja difícil assistir a morte de sua próxima vítima). É interessante perceber que uma personagem privada de empatia e compaixão receba tanto disso de volta do público — já que muitas e muitas pessoas se sentem exatamente do mesmo jeito, ou até carregam sentimentos ainda mais fortes em relação a ela. “Are You From Pinner?” é um bom capítulo para lembrar do porquê, afinal, amamos Oksana. Em um momento específico, ela dança “Crocodile Rock”, de Elton John, com sua família. Seus movimentos são descoordenados, mas é um vislumbre doce da personagem, e algo importante para ela. Uma reunião amena com a família, afinal; em outro momento, ela apenas ri desesperadamente quando um dos seus parentes diz que a Terra é, na verdade, plana. É impossível não sentir vontade de acompanhá-la aqui porque, sejamos honestos, quem não tem vontade de gargalhar quando alguém solta isso na sua frente? Mas é sua emoção honesta e crua que conquista; e até mesmo na cena final, quando ela contempla as decisões que tomou na sua cidade, as decisões que fizeram com que ela deixasse Oksana para trás de uma vez por todas, é possível ver como tudo aquilo pesa, acrescentando uma nova camada de profundidade para si.

O principal conflito do episódio parte da sua relação com sua mãe, que a deixou em um orfanato quando Oksana ainda era bem pequena e não sabia lidar com os sentimentos que tinha (ou a falta deles, no caso). O fato é que a mãe de Villanelle viu na filha os mesmos traços que via em si mesma, algo que ela descreve como a “escuridão”. Sem saber como explorar esse fato, as duas tinham conflitos diretos que levaram ao abandono. Um dos piores sentimentos que o ser humano pode experimentar. Mas quando Oksana volta, sua mãe parece feliz em vê-la. Afinal, ela acreditava que sua filha tinha morrido há muitos e muitos anos, sem que antes elas tivessem tido tempo para resolver todos os problemas estabelecidos entre si. Existe ali uma resistência em como elas devem se comportar perto da outra. Algo que logo se transforma, mais uma vez e aos poucos, em desprezo mútuo. Enquanto sua mãe viver (e, em consequência, a sombra do que ela fez, do abandono), Villanelle não tem possibilidade de seguir em frente. Então ela resolve matar sua mãe, o seu marido e seu filho mais velho, deixando apenas dois dos seus três irmãos vivos. Ela o faz porque eles demonstram compaixão por ela, sendo que vê algo de “bom” em ambos. Ou simplesmente porque ela gosta deles. Quando sua antiga casa explode, ela entra em um trem disposta a voltar para sua vida, mas é tarde demais e algo mudou completamente dentro de si. Isso fica claro na última cena, onde a câmera foca no seu rosto e transborda com seus sentimentos conflitantes, na ruptura que ela experimentou ao revisitar sua família e sua infância.

Villanelle foi, de certa forma, interrompida. Se antes o desejo de matança era tudo que preenchia o seu ser, agora já não é mais. Ela passa a desenvolver sentimentos genuínos e isso faz com que ela procure Konstantin (Kim Bodnia), também uma espécie de figura paterna, para que eles deixem o país juntos. Oksana, enfim, não quer mais trabalhar para os Twelve. E achando que Eve não tem sentimentos recíprocos por ela, quer deixar esse capítulo para trás, deixar o caminho da sua amada livre.

Ao mesmo tempo que tudo isso acontece, Dasha fica responsável de matar o marido de Eve e colocar a culpa em Villanelle. Quando isso finalmente acontece, no entanto, Eve percebe que não foi Villanelle que o fez; afinal elas têm um entendimento silencioso de que reivindicar a vida de Niko está fora dos limites. Assim, a protagonista é jogada na direção de Dasha. Ela finalmente encontra a assassina quando Villanelle também já deu o seu último golpe e tentou matá-la para fugir, enterrando seu último elo com o passado. Em um momento, Eve se sente tentada a terminar o trabalho de Villanelle, colocando o pé no peito de Dasha e quebrando seus ossos.

Essa é uma cena importante porque ressalta como as personalidades de Villanelle e Eve foram quase se mesclando, emprestando características chaves uma para a outra. No momento em que Eve pisa no peito de Dasha para matá-la, ela se encaixa no mundo de Villanelle, experimenta como é estar na sua pele. E essa, por sua vez, quando começa a sentir e ter emoções genuínas e humanas, entende um pouco mais como Eve se sente em relação a ela e porque, afinal, isso a incomoda tanto.

“Acho que meu monstro encoraja o seu monstro, certo?”, Villanelle pergunta para Eve.

Os episódios finais da terceira temporada são muito diferentes do resto da série. Eles são mais calmos em ritmo e representam uma mudança definitiva para a dinâmica das duas protagonistas. Muito da história dos Twelve neste ano estiveram ligados diretamente com Carolyn, e o estopim final chega no episódio “Are You Leading or Am I?”, acrescentando um final quase definitivo na trama. Ao lidar com o luto pela perda do seu filho, Kenny, Carolyn fica obcecada em tentar pegar aqueles que trabalham no MI-6 ao seu lado, mas que ao mesmo tempo também estão trabalhando para os seus “inimigos”. No processo, o público acaba descobrindo um pouco mais sobre a sua própria ambiguidade e seu relacionamento no passado com Konstantin, que fez com que eles tivessem Kenny. Quando Carolyn finalmente descobre quem está bancando o agente duplo, ela reúne Villanelle, Eve, Konstantin e o próprio traidor em um quarto só, sendo que ela mata o último e deixa o resto deles livre. Mas uma mensagem fica clara: parar de uma vez por todas essa instituição de assassinos é impossível, que estão embrenhados em todos os níveis de instituições de segurança, como o próprio MI-6. Isso parece ser um ponto final na história. Confesso que essa trama em si é menos satisfatória de Killing Eve e fico me perguntando se alguém vê a série por causa do elemento noir da narrativa, ou apenas porque estão investidos na relação das duas protagonistas.

Killing Eve

Três temporadas depois, ninguém sabe quem são os Twelve direito, apenas o que eles fazem. Mas ninguém parece ligar muito também, nem mesmo a própria série. Seria patético se todos os personagens simplesmente aceitassem que é impossível pará-los e dessem de ombros, mas a narrativa parece tão preocupada em desenvolver a relação entre Villanelle e Eve que é impossível ficar decepcionado com o resultado. É por isso que a sensação que fica é que o último capítulo é quase um ponto de virada, um interruptor que foi ligado na direção contrária, agora sem volta. Quando Eve e Villanelle se reencontram outra vez, elas observam casais dançarem juntos, antes delas mesmo se juntarem a eles. “Você quer ser como eles?”, Villanelle pergunta sobre os pares de idosos na pista, que dançam romanticamente. “Não mais. Nós nunca chegaríamos tão longe, iríamos consumir uma a outra”, responde Eve. Nessa altura, ela já não nega seus sentimentos, mas também já abandonou qualquer esperança de levar uma vida comum (ou, talvez, se apegar aos seus sentimentos heteronormativos).

Na última cena da temporada, elas se encontram em uma ponte de Londres, onde Eve pede desesperadamente para que Villanelle a ajude a superar isso. Se um dia a psicopata gritou que Eve era dela e tentou matá-la quando não podia tê-la, aqui é possível ver um desenvolvimento claro e altruísta da sua parte. Se a mulher que ela ama quer se distanciar, é um direito de escolha. Assim, as duas se viram para lados opostos, e seguem sem olhar para a outra. Até que elas se olham, e o episódio acaba. Talvez, o fato de que Villanelle finalmente tenha dado a escolha a Eve e não simplesmente obcecado por ela tenha sido um fator definitivo de mudança na relação das duas. Ou talvez o fator definitivo tenha sido as próprias expectativas que Eve colocava em si mesma, sendo que estava finalmente disposta a deixar o mundo que as pessoas a designaram, e colocar suas vontades, suas necessidades em primeiro lugar. De qualquer forma, é impossível não sentir um tom romântico e uma clara mudança presente ali. Quando voltar para sua quarta temporada, dessa vez comandada por Laura Neal (Sex Education), a dinâmica entre as duas não será mais a mesma. O ciclo se quebrou — ainda bem.

Baseada no livro Codinome Villanelle, de Luke Jennings, Killing Eve começou sim como um thriller de ação e suspense, mas se desenvolveu para algo que vai muito além disso. Graças ao toque de Waller-Bridge, Fennell e Heathcote, e um olhar que vai além do homem cis branco, o relacionamento entre Villanelle e Eve consumiu cada parte da história, a transformando em algo que se destaca no presente e com certeza o fará no futuro.

Talvez seja por causa do distanciamento da trama original que a série seja tão mal recebida pela crítica homogênea ultimamente, mas bem aceita por grupos mais específicos de pessoas, que estão investidas na relação das duas protagonistas. Longe de mim dizer que a produção não tem seus problemas (como, por exemplo, a falta de escritores não-brancos nos roteiros, algo que daria um texto só para explorar esse aspecto), mas é interessante perceber como Eve e Villanelle aos poucos se consagram na TV e ganham novas nuances e maior desenvolvimento com o passar dos anos.

Depois de uma segunda temporada morna e medíocre, Killing Eve voltou na sua melhor forma no terceiro ano. Entre alguns tropeços e coisas que poderiam melhorar — a trama de Carolyn e quais são, afinal, suas motivações, medos ou impulsos, por exemplo —, a série voltou a ser a obra estilosa, afiada e inteligente, que não tem medo de usar o relacionamento complicado, romântico e até mesmo trágico das protagonistas para resgatar sua força.