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Comédia e coming of age: por que você deve assistir On My Block

Em março, a Netflix lançou a terceira temporada de On My Block, série que navega pela vida de um grupo de adolescentes que moram em um bairro do subúrbio de Los Angeles, marcado pela violência e gangues, enquanto lidam com problemas de suas próprias juventudes.

Em 2018, On My Block foi a série mais maratonada no serviço de streaming, recebendo 95% e 100% de aprovação no Rotten Tomatoes em sua primeira e segunda temporadas, respectivamente. Apesar desses números e de ser uma série com muito potencial e ter um desenvolvimento que supera séries mais populares da Netflix, On My Block recebe um tratamento comum para produções que centram personagens ou temáticas de alguma minoria, ou seja, a falta de divulgação da por parte do streaming. Esse tipo de tratamento do serviço para com produções similares a On My Block não é novidade para ninguém e já levou a Netflix a cancelar séries tomando como base o argumento de que as pessoas não estão interessados nesse tipo de conteúdo; além de colocar toda a culpa nos telespectadores, que tem que fazer toda a divulgação sozinhos — e de graça.

Ao chegar em sua terceira temporada, muitos fãs ficaram preocupados com a famigerada “maldição das três temporadas” que assombra algumas das produções da Netflix. Há uma crença (ou tendência) de que uma maldição acomete seriados que chegam em sua terceira temporada por serem cancelados assim que atingem esse patamar, ou àquelas que são canceladas antes mesmo de chegarem a ter três temporadas. One Day at a Time é o exemplo mais famoso, que foi cancelada no seu ápice pelo serviço; Easy, que também explorava diferentes tipos de vivências foi cancelada após três temporadas; Trinkets, que recebeu grande apoio da comunidade LGBTQ+ foi reduzida a duas temporadas; e Atypical, que receberá sua quarta e última temporada após muita campanha dos fãs para que fosse dado um final decente de seus personagens.

on my block

A “maldição das três temporadas” não tem muito a ver com forças sobrenaturais que acometem essas produções, mas sim com a estratégia da Netflix, que prefere seriados maratonáveis a seriados duráveis. Basicamente, para o streaming, é mais rentável criar vários seriados curtos, que as pessoas irão assistir de uma vez só, do que ganhar a fidelidade do público de um seriado com várias temporadas. A empresa também tem a visão de que um seriado com mais de trinta episódios não é mais rentável, pois sua produção fica cara ao passo de que os telespectadores esperam sempre mais delas.

Não é difícil entender de onde a Netflix vem com essa explicação, porém entendemos melhor o quanto essas produções tem o poder de mudar as vidas das pessoas, o quanto uma série que retrata comunidades mal representadas nas mídias são necessárias e conseguem transformar a visão de pessoas dentro e fora dessas comunidades. Para que essas visões continuem sendo transformadas, nós precisamos que esses seriados bem feitos e com produções que retratam de forma não-estereotipadas continuem sendo produzidas e tenham tantas temporadas quanto àquelas feitas por e para brancos, heterossexuais e de classe média alta.

On My Block é, com certeza, uma dessas séries que precisam ter mais de três temporadas, que merece ter a sua história e de seus personagens contadas, desenvolvidas e representadas. Para isso, aqui está uma lista com motivos para convencer você, que ainda não assistiu a série, dar uma chance para On My Block e, quem sabe, fazê-la sua queridinha nessa quarentena.

A adolescência sem filtro nenhum

On My Block

Se você parar e pensar em um seriado adolescente em que os adolescente são retratados mais como adultos do que do com alguém na puberdade, não vai demorar muito até você pensar em um (ou três) seriados assim. A glamourização e hipersexualização dessa fase pelo entretenimento é muito falada e criticada, visto que distorce para o jovem real o que de fato é a adolescência.

On My Block retrata adolescentes como adolescentes. Na primeira temporada, somos apresentados ao nossos personagens em sua transição entre o final do ensino fundamental e o ensino médio. Eles estão no ápice da puberdade, desconfortáveis com as mudanças de seus corpos e tentando entender o que são essas novas sensações, emoções e sentimentos que muitos estão experimentando pela primeira vez.

Monse (Sierra Capri) aparece desconfortável com o seu corpo após voltar do acampamento de verão quando Ruby (Jason Genao) e Jamal (Brett Gray), dois garotos nerds, ansiosos e esquisitos em seus corpos desengonçados pela puberdade, comentam, no meio da rua, que agora ela tem seios. Até mesmo Cesar (Diego Tinoco), uma mistura de mocinho e bad boy, não tem toda a confiança de bad boy que estamos acostumados nessas séries; em seus quase quinze anos de idade, ele exibe um corte estranho de cabelo, um rosto de criança e um estilo de se vestir que está longe de estiloso ou charmoso, entre a influência de suas raízes e a da vida que ele pode ter.

On My Block

Renegar a glamourização da adolescência não quer dizer que On My Block não explora a sexualidade dos seus personagens. A série troca cenas quentes, bem ensaiadas, por uma sessão de pegação no quarto rosa de Monse ainda com ursos de pelúcia, lembrança dessa transição entre a infância e a juventude; e pelos momentos em que Ruby tenta se esconder em seu quarto, que ele sempre está dividindo com alguém, com uma meia que ele esconde no fundo de sua gaveta.

On My Block também está longe de negar aos jovens cheios de hormônios a validação de suas maiores fantasias. Na última temporada temos Jasmine (Jessica Marie Garcia) sendo objeto de desejo nas fantasias mais quentes de Ruby enquanto a própria Jasmine assume a sua identidade como uma jovem mulher confiante ao falar sobre masturbação, validando tanto as experiências dela quanto as de Ruby. Ainda falando sobre sexo, também temos Jamal descobrindo ao seu tempo se ele se sente confortável com o sexo casual.

Nesse quesito, On My Block está mais preocupada em respeitar as etapas e momentos das vidas de seus protagonistas enquanto fazem suas próprias descobertas, nos mostrando que não existe hora certa para nada e que nada é perfeito. E tudo bem.

Não existe um único tipo de diversidade

O mercado de filmes e seriados para adolescentes é extremamente branco e quando personagens não-brancos existem nessas produções não é incomum eles serem estereotipados ou criados espelhando a realidade e o comportamento de brancos. Isso vem da percepção de que existe apenas um tipo de diversidade. A ideia de diversidade parece sempre estar ali para diferenciar grupos de pessoas que são brancas e pessoas que não são brancas, sempre mostrando apenas uma pessoa não-branca como se ele resumisse toda uma comunidade.

Já passou da hora de termos espaço para mostrar a multidiversidade que existe dentro desses grupos, pois ninguém é igual não importa em quais grupos você se insere. On My Block faz um excelente trabalho ao mostrar as diferenças que existem dentro de um grupo que existe em um mesmo cenário, focando naquilo que os unem e os fazem se identificar uns com os outros sem abrir mão de suas próprias características e interesses.

A série se passa em Freeridge, um bairro afro-latino em Los Angeles, dominada pela violência e a guerra de gangues. Ao invés de focar apenas em como esse ambiente afeta a realidade dos personagens, On My Block faz os personagens sonharem e lutarem por um futuro e presente diferente daquele ambiente em que estão inseridos.

Monse, Jamal, Ruby, Cesar e Jasmin se recusam a ser reduzidos ao ambiente em que vivem; eles desafiam todos os obstáculos e acreditam que podem ultrapassá-los enquanto se mantiverem juntos. Entre os personagens, nós conseguimos ver as diferenças de seus relacionamentos familiares, suas qualidades, sonhos, defeitos e o relacionamento entre eles.

Monse é uma aspirante a escritora, afro-latina, que mora com o seu pai, que passa a maior parte do tempo trabalhando fora. Meio cabeça-dura, ela acredita ser a cola que mantém o grupo unido. Ruby é um garoto latino e um tanto esquisito, ansioso, que usa de uma pseudo-autoconfiança para disfarçar a sua insegurança; em um lar tipicamente latino, com pais que esperam demais dele, com falta de privacidade em casa e uma avó única, Ruby é o verdadeiro tesouro do grupo. Jamal está bem longe de ser o típico jogador de futebol do ensino médio e todo mundo parece saber disso, menos os seus pais; ele tenta fugir desse destino que seus pais esperam dele, enquanto mergulha em suas próprias fantasias e naquilo que realmente quer. Jamal é a cabeça do grupo, ele espera demais dele mesmo e dos seus amigos, que nem sempre conseguem lhe acompanhar. Cesar foi criado pelo irmão, membro da gangue Santos, e está dividido entre seguir o futuro que todos esperam dele, entrar para a gangue e se tornar um Santos, ou tomar conta da sua narrativa e ser aquilo que seus amigos acreditam que ele pode ser, longe da vida de gangues.

Ao longo de suas temporadas, On My Block tenta cada vez mais desafiar os estereótipos e mostrar camadas mais profundas de seus personagens, aquilo que os fazem crescer e aprender mais sobre quem eles são e quem eles querem e podem ser. Nenhum personagem da série é igual ao outro ou são unilaterais, mesmo Spooky (Julio Macias), irmão de Cesar, não é apenas um membro da gangue Santos, que todos acham violento e assustador, e vai além de alguém com tatuagens com significados sombrios e suspeitos.

Em matéria para o Refinery29, Sesali Bowen escreve:

“A programação para jovens adultos hoje oferece diversidade por meio de um olhar branco liberal que enfraquece as diferenças culturais entre nós em favor de um multicolorismo simples. Isso dá chance de jovens não-brancos de apenas se verem comparados com a brancura. Sob essa retórica, eles não são normais a menos que eles se assemelhem [àquela narrativa]. Mas On My Block não apenas reimagina o gênero para pessoas não-brancas, mas usa a diversidade dentro das comunidades não-brancas para dar o seu próprio sabor ao seriado.”

O simbolismo e o realismo mágico dentro de On My Block

On My Block entra no gênero do realismo mágico, gênero literário que nasceu na América Latina como uma resposta ao movimento fantástico que acontecia na Europa. O realismo mágico brinca com a linha entre a realidade e a ficção e faz uso do simbolismo, em que um objeto é usado para representar uma ideia mais profunda dentro de uma história. No entanto, o símbolo de algo pode mudar dependendo de um contexto dentro de uma mesma história.

Segundo Gabriel García Márquez, o realismo mágico dá a oportunidade para explorar o sistema de crenças em diferentes culturas e países. Dentro da série, o realismo mágico é usado para questionar e criticar os problemas sistemáticos dentro do seu universo, sugerindo que sem a ajuda do sobrenatural, os personagens não-brancos teriam mais dificuldade em ultrapassar as barreiras sistemáticas, como acontece na vida real.

On My Block também utiliza, junto com o realismo mágico, a jornada do herói para contar a sua história. Apesar do seriado ter quatro protagonistas, Jamal é o único personagem que passa pela jornada. A jornada dentro da série tem dois propósitos: demonstrar o quanto de coragem crianças que moram em lugares menos privilegiados necessitam para excederem; e mostrar que sem um sistema de apoio adequado essas crianças podem estar sujeitas ao isolamento urbano.

Na primeira temporada, Jamal tem a missão de encontrar o dinheiro do RollerWorld e, por muitos momentos, a sua missão (jornada do herói) faz com que ele seja afastado dos seus amigos, que possuem objetivos diferentes que ele. O isolamento de Jamal entre os outros personagens, faz com que a sua missão seja mais difícil porque ele está sozinho. A série se esforça para mostrar que confiar em seus amigos é a solução para acabar com esse isolamento e que juntos essas crianças podem ir mais longe.

Após navegarem pela incansável guerra entre gangues, caça ao tesouro e sequestro, os personagens conseguem ultrapassar todos os seus obstáculos uma vez que permaneçam juntos. A maior mensagem da série é sobre a força da amizade, por mais diferentes que os personagens sejam, pelas qualidades e defeitos, as amizades os fazem seguir adiante. Principalmente nessa fase da vida, adolescência, em que estamos mergulhados em questionamentos, descobertas e traumas, ter uma rede de apoio é essencial.

Descobertas, adolescência e amizade 

Ao longo de quase trinta episódios, divididos em três temporadas até o momento, On My Block nos mostra a força da amizade quando mais precisamos e em espaços que sistematicamente nos colocam em risco. A série consegue mostrar aventuras, traumas, obstáculos inimagináveis ao mesmo tempo em que nos faz rir e chorar de uma forma que nos alivia, mostrando que não estamos sozinhos.

On My Block faz o esforço de nos apresentar os altos e baixos da vida sem desmerecer os momentos bons e ruins. Em um instante o telespectador está tentando lidar com os traumas de um personagem após o luto ou uma cena de tensão entre gangues rivais, e no outro está preso em uma sequência de dança entre Jasmine e Ruby, ou então rindo de uma troca de diálogos entre Jamal e Spooky envolvendo fantasmas e zumbis em um cemitério.

A terceira temporada de On My Block faz com que os personagens cresçam um pouco além do que eles estão preparados, mas, juntos como sempre, eles tentam sair da confusão que foram metidos. Diferente do que acontece nas duas outras temporadas, a última mostra como crescer desafia o universo que conhecemos e também as relações que achamos que já estão consolidadas, colocando em jogo a amizade entre os personagens.

Tanto na série como na vida pessoal, navegar entre a adolescência para a vida adulta abre espaço para novas experiências e questionar o universo que conhecemos. Não importa em que fase da vida nós estamos, nós precisamos de uma rede de apoio para sobreviver e de pessoas que nos conhecem e se importam conosco. Os obstáculos que os personagens têm que passar ao longo dos episódios da série colocam isso à prova.

Nós merecemos uma série como On My Block para nos mostrar a realidade de uma fase importante de nossas vidas, um mundo diferente do nosso ao mesmo tempo que um igual; a série nos leva para longe da nossa realidade ao mesmo tempo em que cria um pouco de fantasia dentro das nossas vidas.