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Crítica: Moana – Um Mar de Aventuras

É perceptível que a Walt Disney Studios está entrando em uma nova era de animações. A questão da representatividade e a implantação da crítica social em seus filmes já foram evidenciados em filmes como Frozen, com Elsa, uma personagem que, embora ainda esteja esteticamente inserida nos padrões eurocêntricos, mostra a coragem de uma mulher diante do desafio de governar e honrar o legado dos pais e, ao mesmo tempo, aceitar seus poderes e aprender a conviver com seu dom. Além disso, os diversos personagens da animação Zootopia, como a coelha Juddy Hopps e o raposo Nick Wilde, influenciam a quebra de padrões e incentivam as crianças a não desistirem de seus sonhos pessoais e profissionais, mesmo que as pessoas ao seu redor pensem que elas não serão capazes.

É inegável que os clássicos como Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela Adormecida, A Bela e a Fera, dentre outros, possuem um teor machista, e o estúdio já percebeu que esse tipo de narrativa não cabe mais. Sua nova animação, Moana: Um Mar de Aventuras, acerta em cheio.

Atenção: este texto contém spoilers!

Dirigido por John Musker e Ron Clements, o filme conta a história de Moana, uma jovem que desde criança estava ciente que seria a futura governante de sua tribo na Polinésia. Embora seu pai, o chefe Tui, insistisse que a filha acompanhasse de perto a rotina de sua tribo, o espírito aventureiro da jovem sempre a desviou para o oceano, local onde ela irá viver sua grande jornada. Moana é simplesmente encantadora. Forte, carismática, opinativa, tudo o que uma jovem de grande índole poderia ser. Além disso, a personagem possui características físicas diferentes das princesas da Disney: ela tem curvas mais acentuadas, sua roupa é típica da população do Pacífico. Seu cabelo despenteia com os ventos. E o melhor: seu bichinho de estimação não é um coelho fofo, e sim um galo maluco que só come pedra.

Já na adolescência, aos 16 anos, Moana é escolhida pelo oceano para salvar sua tribo de uma maldição. As lendas que sua avó, Tala, contava quando ela era criança eram reais, e a única maneira de salvar seu povo seria sair em busca do semideus Maui, para, juntos, devolverem o coração da deusa Te-Fi, que o ser mitológico roubara anos antes. Com a força da avó para apoiá-la e conscientizá-la de seu papel de líder, Moana pega um barco e vai para o mar viver sua grande aventura.

O semideus Maui é uma figura que incorpora o machismo e, na tela, é ridicularizado. Em seu primeiro encontro com Moana, ele se vangloria de suas conquistas, faz elogios a si próprio até não conseguir mais, chama a jovem de princesa de forma condescendente, pois “se você usa um vestido e tem um bichinho de estimação, é uma princesa”. Maui demonstra sua força e fala de seus feitos heroicos, que ficam registrados em sua pele através de tatuagens. É visível que a Disney construiu o discurso do personagem, em um primeiro momento, de uma maneira que ironiza a autoestima do semideus. É uma figura esteticamente robusta e que não tem um padrão de semideuses como Hércules. Embora, para nós, isso possa parecer positivo, a representação do semideus gerou críticas de comunidades da Polinésia, pois os habitantes consideraram a representação do ser lendário de sua cultura um clichê, uma vez que a região sofre de problemas de obesidade. Além disso, a Disney errou ao tentar comercializar a fantasia do personagem na região e não entender que as tatuagens na cultura da Polinésia são representações pessoais; expor isso de uma maneira comercial foi considerado um insulto por parte da população.

Embora seja um semideus, Maui estava sem o seu cajado mágico, que o possibilitava transfigurar no animal que desejasse, e é Moana que, em vista de concluir seu objetivo final, ajuda o grandalhão a encontrar seu artefato para que, juntos, eles devolvam o coração da deusa Te-Fi.

Maui tenta se livrar de Moana diversas vezes durante a jornada, insistindo em jogá-la no mar. Mas como o oceano está ao lado da guerreira, suas tentativas são sempre frustradas. No decorrer da história, Moana e Maui desenvolvem uma amizade impulsionada principalmente pela coragem da jovem. Em mais de uma ocasião, o semideus questiona a audácia da princesa, que comprova a bravura dos humanos. Percebendo a força e determinação de Moana, o ser lendário da água e do ar permite ter sua opinião de que os humanos são inferiores alterada e se torna tutor de Moana na arte da navegação. A transição de Maui é bem amarrada no enredo e em nenhum momento Moana se submete a ele, no entanto. Mesmo com resistência, ela se impõe perante o ser mitológico, afirmando que ele irá ajudá-la.

Alguns pontos técnicos da animação também devem ser levados em consideração: a fotografia, que parece um papel de parede a cada quadro — o oceano, as ilhas, folhas, flores, grãos de areia, o movimento dos cabelos de Moana, tudo é muito bem desenvolvido tecnicamente e chama a atenção do espectador. Outro ponto essencial é a trilha sonora. De uma parceria entre Lin-Manuel Miranda, gênio por trás do musical Hamilton, e de Opetaia Foa’i, músico da Nova Zelândia, fundador do grupo Te Vaka, surgem as músicas com sonoridades representativas do Pacífico e letras corajosas e reflexivas como a música tema da personagem Moana, Saber Quem Sou (em inglês How Far I’ll Go).

Outra curiosidade e ponto positivo para a Disney é o fato de que a dubladora do áudio original de Moana é Auli’i Cravalho, escolhida entre milhares de jovens das ilhas do pacífico que fizeram o teste para interpretar a personagem. Pensam que o Brasil ficou para trás nesse quesito? Negativo. A atriz escolhida para dublar a versão em português da personagem foi Any Gabrielly, uma escolha igualmente fantástica.

Moana: Um Mar de Aventuras foi uma grande produção da Disney, não só financeiramente, e com retorno igualmente estrondoso, considerando as bilheterias estadunidense e brasileira, mas porque parece sugerir que o estúdio passa a entender o grande poder de influência que possui e como é importante que representatividade e crítica social estejam presentes em suas animações. Com o dever de casa de consultar mais e melhor as origens dos povos que busca representar, a Disney entra em um período de grandes acertos que, esperamos, se perpetue por muito tempo.