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Nem girlboss, nem that girl. Apenas, cansada.

Mulheres bem vestidas, andando apressadas por ruas movimentadas, com seu copo de café superfaturado na mão e abrindo portas de vidro pesadas — quantas séries e filmes você visualizou? A imagem da mulher no mercado de trabalho apresentada por diversas produções audiovisuais costuma seguir esse roteiro e, se não for o caso, é a jornada da personagem até chegar nesse patamar. Nos últimos anos, a vida profissional de diferentes personagens têm sido explorada nos enredos de comédias e dramas que acompanham as nossas noites pós-trabalho em que queremos nos desligar do estresse diário. E como isso tem sido apresentado? Como isso tem nos afetado? O que isso diz sobre como a sociedade enxerga a mulher no mercado de trabalho?

O cinema, nas décadas de 1940 a 1950, trouxe imagens femininas que se resumiam a donas de casa, donzelas em perigo, vítimas de crimes — sempre brancas e sempre colocadas na tela para gerar prazer visual ao público masculino. Devido à Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres tiveram que sair de casa para trabalhar a fim de sustentar a casa, enquanto seus maridos cumpriam com o papel militar. O momento pós-guerra é marcado, ao mesmo tempo, pelo retorno dessas mulheres ao ambiente doméstico e pela vontade de ocupar os espaços públicos, a cidade e o mercado de trabalho, de modo a construir carreiras como viram seus pais e maridos fazerem a vida inteira. Mais uma vez, estamos falando da inserção de mulheres brancas nesse mercado de trabalho convencional. Com isso, o cinema começa a expandir as temáticas que envolvem as personagem femininas — não porque diretores e produtores se importavam com que essas mulheres se vissem representadas, mas porque precisavam garantir que elas se interessassem em pagar pelo ingresso.

Nem girlboss, nem that girl

Nas próximas décadas, o cinema navegaria com personagens marcadas por melancolia, solidão, dramas amorosos e tentativas de serem ambiciosas. Até a chegada dos anos 90 e 2000. Todo esse caminho é chamado de chickflicks — filmes para mulheres. Não porque essas mulheres seriam representadas de forma positiva, englobando sua diversidade e diferentes vivências. Ao contrário, trata-se de um termo pejorativo, pois indica que essas narrativas são inferiores se comparadas aos filmes voltados ao público masculino, mas a presença desses filmes no mercado ainda garantiam o interesse feminino na sala de cinema, para que, gradativamente, fossem moldadas pelos assuntos e formas ali apresentados.

A partir dos anos 90, e com o crescimento da população feminina no ambiente profissional, entende-se a necessidade de trazer isso para as histórias. Assim, carreiras profissionais passam a ser parte dessas tramas, cujas personagens têm profissões específicas: assistentes, secretárias, estagiárias. Muitas vezes em revistas de moda, de fofoca, de beleza, pequenas editoras ou livrarias. Estão lidando com chefes, clientes e colegas homens que, em diferentes graus, as desprezam, os que a levam a provar o seu valor ao longo da história. Mensagem Para Você (1998), Nunca Fui Beijada (1999), Legalmente Loira (2001), Como Perder Um Homem em 10 Dias (2003), De Repente 30 (2004), O Diabo Veste Prada (2005), Não Sei Como Ela Consegue (2022), Um Senhor Estagiário (2015) são alguns exemplos, nos quais raramente mulheres exercem uma posição de liderança e, quando o fazem, reproduzem toda a opressão dos chefes homens. Além disso, suas vidas pessoais, principalmente amorosas, são um fiasco. Ter uma vida profissional bem-sucedida e uma imagem poderosa garantida, nesse caso, significa, portanto, abrir mão de quaisquer outras realizações.

Nos anos 2010, o termo girlboss foi popularizado com a publicação do livro de mesmo título da empresária Sophia Amoruso. Foi usado — e, até certo ponto, glorificado — para definir mulheres jovens e ambiciosas que lideravam equipes e desafiavam o status quo em suas áreas de atuação. Rapidamente, viu-se a tentativa de tirar mulheres de um estereótipo e as jogou para outro: a girlboss não propõe ser uma mulher no ambiente de trabalho que eleva outras mulheres, traz diversidade para esses espaços e entende as diferentes realidades que ali se apresentam. Na ficção, a personagem que talvez mais se aproxime disso seja Jacqueline Carlyle (Melora Hardin), de The Bold Type (2017–2021), que, apesar de em um primeiro momento parecer uma nova versão de Miranda Priestly (Meryl Streep), acaba sendo uma mentora para as personagens centrais da série, apoiando o crescimento pessoal e profissional de cada uma, enquanto lida com suas questões pessoais.

girlboss

O que essa imagem de mulher poderosa continua a dizer a nós, público, no entanto, é que nossa presença só será válida enquanto alguns requisitos forem cumpridos: para chegar até lá, é preciso ser magra, ter o cabelo liso, a pele impecável e usar o salto mais alto. Além disso, a vida pessoal deve ficar para trás — amizade, relacionamentos amorosos, saúde e, principalmente, tempo livre e descanso.

Um dos poucos exemplos que trazem mulheres se desenvolvendo, ao mesmo tempo, suas vidas profissional e pessoal, é Insecure (2016-2021), escrita e estrelada por Issae Rae. Ao longo de cinco temporadas, a série acompanha os altos e baixos de Issae (Issae Rae) e Molly (Yvonne Orji), duas mulheres negras com seus quase 30 anos, navegando entre os dilemas amorosos, existenciais, profissionais e de como a amizade entre as duas é afetada por essas questões. Molly é uma advogada que tem uma carreira estável e promissora, e que está em busca de crescimento na carreira, enquanto Issae está insatisfeita com seu trabalho em uma ONG que beneficia estudantes negros e periféricos. A série equilibra questões pessoais e profissionais, mostrando como uma afeta a outra e como uma mulher normal lida com essas situações.

Mais recentemente, o conceito de girlboss decaiu, mas a internet já encontrou outro para colocar em seu lugar, criando novas expectativas de como deve ser uma mulher de sucesso: a that girl. Muito presente no TikTok, com vídeos esteticamente pensados, rotinas perfeitas e intocáveis, essas mulheres criaram um novo padrão: oito horas de sono, rotina matinal com exercícios, café da manhã instagramável, infinitos produtos de skincare, páginas matinais e, após três horas, elas partem para o trabalho — super bem-vestidas, em empregos maravilhosos, capazes de sustentar toda essa estética. Não é preciso descrever como são essas mulheres. Muitas dessas belas rotinas são acompanhadas de um namorado ou marido, ou elas são muito bem-resolvidas com a solteirice. Novamente, não há espaço para crises amorosas: o relacionamento é ótimo para o feed ou ela mesma é — em todo momento — a sua melhor companhia.

A presença feminina no mercado de trabalho, pelo o que vemos em diferentes mídias, é validado pela capacidade de equilibrar tudo, sem ter espaço para o cansaço, as crises, os medos — cansaço pelas três horas de transporte público seguido de reuniões longas com colegas e chefes que as subestimam; crises no casamento, com os pais, com a amiga que não responde há semanas; medo de ficar sozinha, de largar um emprego ou um relacionamento tóxico, de ter tomado a decisão errada. Será válido se for agradável para o feed, e caso não seja, que saibamos editá-lo. Só é válido se for possível colocá-lo em um roteiro, com fotografia impecável e uma edição que faça o público suspirar na sala do cinema.

E, honestamente, só estamos cansadas.


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